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4 A OPERAÇÃO DE SEPARAÇÃO EM LACAN

4.1 As Três Formas de Falta de Objeto

4.1.2 Privação: o Pai Imaginário

AGENTE FALTA OBJETO

Pai imaginário Privação real Falo simbólico

Ao poder escolher responder ou não ao apelo da criança, a mãe assume outra posição que não mais a simbólica; ela torna-se uma potência que pode não responder ao significante apelo. Este Outro, potência materna, é da ordem do real, ele é autônomo e independente do significante apelo, pelo menos agora. Isto porque por um período ela respondeu aos apelos infantis, significando-os.

Na privação, o objeto não é mais real e não está direcionado para a satisfação; ele tem uma relação com o Outro Primordial, que o posiciona como simbólico. Trata-se de objetos de dom materno que simbolizam o dom ou a recusa de amor, vindos da potência materna. Em outros termos, o objeto de dom traz em si a marca da falta, do falo.

Em razão disto, a criança dá-se conta de que o Outro materno deseja outras coisas além dela, e que o “... significado das idas e vindas da mãe é o falo” (Lacan, 1957- 58/1999, p. 181). Então, pela possibilidade de deslocamento, o objeto fálico pode não se colar na criança. É o que se tem visto até aqui como uma situação necessária para a constituição psíquica da criança, que aponta para a neurose, pois, caso contrário, a psicose se faz presente.

No processo de privação, a criança depara-se com a questão do desejo do Outro, em que, para responder à questão sobre o que a mãe deseja, ela imagina que o pai é o detentor do objeto de desejo materno, o falo. É este pai quem irá privar a mãe de tomar a criança como objeto de gozo. Segundo Lacan (1956-57/1995) o pai imaginário é o que conhecemos, que temos acesso a todo tempo, seria o pai assustador, o privador.

Assim, neste tempo do Édipo, a criança desvincula-se da sua identificação fálica e depara-se com a lei do pai, que priva a mãe de só desejá-la. A mãe, enquanto situada

no nível real e privada pelo pai, sustenta o que Lacan denominou de privação real. Fica aqui o esclarecimento de que a mãe é privada diante da onipotência paterna e é através dela que a criança tem acesso a esta máxima da privação. A mãe é mediadora da lei que lhe instaura a privação e a lei contra o incesto.

Segundo Miller (1998), a função materna abarca o sujeito feminino no que a criança divide-o, a saber, a mãe e a mulher. Logo,

... para que haja privação efetiva do objeto fálico, é essencial não só que a mãe troque o filho pelo pai, como também que este não fique situado como totalmente dependente do desejo da mãe. Se isto não acontece, a mãe conserva-se como fálica: teria, neste caso, com o pai o mesmo tipo de relação dual, narcisista, que possuía com o filho. (Bleichmar, 1984, p. 45-46).

Verificaremos que tal processo necessita de uma mudança de posição da mãe, ao desocupar o seu lugar de Mãe e encarnar o de mulher, através da circulação significante do falo, onde o filho não terá mais a mesma posição fálica para ocupar. Ele dividirá o lugar de objeto de desejo materno com o de desejo da mulher, seja no campo da sexualidade genital, seja no profissional ou social. A ‘majestade o bebê’ perderá o seu ‘trono’, ao comprovar que a sua mãe não é fálica, e que ele não a preenche totalmente, não sendo o único objeto a.

Desta forma, é necessário que a mãe reconheça no pai, ou melhor, no homem o seu papel de possuidor do falo. Logo, a castração faz-se presente para a mãe, e esta pode desejar o homem e fazer-se desejar, posicionando-se enquanto mulher. A partir desta posição, fica claro que ser mãe não implica na anulação de ser mulher.

A frustração e a privação marcam um período pré-edipiano, pois a partir de então, com a castração, a criança se posiciona, permanecendo ou não no Édipo. Na clínica, vê-se o efeito da posição tomada pela criança diante do discurso materno, de que o pai é o detentor do falo, ou seja, privador de seus caprichos maternos. Sendo assim,

... a experiência prova que, na medida em que a criança não ultrapassa esse ponto nodal, isto é, não aceita a privação do falo efetuada na mãe pelo pai, ela mantém em pauta - a correlação se fundamenta na estrutura - uma certa forma de identificação com o objeto da mãe, esse objeto que lhes apresento desde a origem como um objeto – rival, para empregar a palavra que surge aí, e isso ocorre, quer se trate de fobia, de neurose ou de perversão. (Lacan, 1957-58/1999, p. 191-192).

A partir do exposto, pode-se concluir que, assim como na função materna não há colagem entre a mãe e a função, na função paterna também não existe, necessariamente, a pessoa do pai, mas a sua representação simbólica através da lei, quem priva a mãe do objeto de seu desejo.

Lacan toma este segundo tempo do Édipo como o ponto nodal da evolução do complexo de Édipo, em razão de a criança assumir ou não, aceitar ou não a situação de privação. Então, a questão nodal é ser ou não ser o falo (Lacan, 1957-58/1999). Ele também vai demarcar que é neste tempo, que corresponde à privação, que “... se centra a questão da diferença do efeito do complexo no menino e na menina” (Lacan, 1957-58/1999, p. 179). Isto ocorre porque o pai, ao se fazer preferível à mãe, enquanto objeto de desejo portador do falo, traz à baila a questão da castração.

A partir daí, cada criança, menino ou menina, toma um rumo diferente dentro da dinâmica familiar. A criança vivencia uma dupla decepção imaginária. Primeiro, que lhe falta o falo. Depois, a decepção fundamental, sua mãe também é privada do falo. Esta situação de decepção imaginária é da ordem do insustentável, então, a criança faz um apelo a algo, a um termo que a sustente nisto, apelo este que pode ser feito ao Outro, pai real ou a um sintoma, que no caso de Hans foi fóbico, e no caso D. foi neurótico, uma inibição intelectual.