• Nenhum resultado encontrado

5. MICROPARTÍCULAS

5.1. Função biológica

A segregação de MPs não é um processo passivo e várias funções biológicas lhes são reconhecidas. De um modo geral, elas intervêm na coagulação, comunicação intercelular e auto-preservação das células-mãe [106]. O sindroma de Scott é uma patologia caracterizada por complicações hemorrágicas e hemostase anómala. Nestes pacientes, os eritrócitos e plaquetas não segregam MPs por incapacidade de expor PS na membrana plasmática [102]. A PS serve de ancoragem a factores de coagulação e amplificação catalítica na formação de trombina [106]. Algumas MPs apresentam ainda o factor tecidual (TF) à superfície e contribuem activamente para a formação do trombo. O

19 TF é expresso em monócitos associado a PSGL-1 (P-selectin glycoprotein ligand-1), promovendo o recrutamento de plaquetas CD62P+ (P-selectina) [102]. Células

endoteliais activadas também exibem actividade pro-coagulante dependente de TF e TF+-

EMPs foram já identificadas em associação a doenças humanas [113]. Trabalhos recentes demonstram ainda a existência de EMPs positivas para o factor von Willebrand (vWf) e que co-expressam E-selectina (CD62E), um marcador de activação endotelial [114]. O vWf presente nas EMPs difere do vWf solúvel e está presente sob a forma de multímeros de maiores dimensões e mais estáveis. Estas vWf+-EMP interagem com as plaquetas e

induzem a formação de agregados de mais difícil dissociação [115]. Em contraste, as MPs também exercem uma função anti-coagulante, suportando a actividade de proteína C e por expressão membranar de trombomodulina, TFPI (tissue factor pathway inhibitor), EPCR (receptor endotelial de proteína C) e proteína S [116]. Este duplo papel sublinha a importância das MPs e do estreito controlo dos antigénios por elas expressos na manutenção de um processo hemostático normal.

A preservação da célula parental é outro fim que a segregação de micropartículas pretende assegurar. Como vimos, a exposição de PS é um sinal de dano e marcação para fagocitose pelo sistema reticulo-endotelial. Uma vez que o dano pode ser temporário e susceptível de reparação, são necessários mecanismos de remoção da PS exposta. Duas hipóteses podem ser consideradas: a célula internaliza a PS exposta ou expulsa-a através de MPs. Uma vez que o primeiro é um processo lento e dependente de energia, é natural pensar na segregação de MPs como uma alternativa mais rápida e económica para a célula. Em adição, a libertação de microvesículas parece facilitar a remoção do complexo de ataque do complemento C5b-9, um agente perfurante e destabilizador da membrana, também envolvido na geração artificial de MPs in vitro [117]. A expulsão de outros agentes nocivos e patogénicos é também provável e a presença de proteínas de prião foi já detectada em MPs com a capacidade de propagar a infecção [118]. Da mesma forma, moléculas promotoras de apoptose podem ser excretadas desta forma, como é o caso da caspase-3, numa tentativa de reverter o processo de morte celular [119]. A teoria do “engodo” postula que receptores celulares libertados podem sequestrar ligandos e neutralizar a sua acção. Por exemplo, a P-selectina solúvel inibe a adesão de neutrófilos activados CD18+ ao endotélio [120]. Faz todo o sentido pensar que

os antigénios das células parentais presentes nas MPs cumpram também esta função. 5.2. Comunicação intercelular e iniciação de apoptose

A morte celular induzida é um mecanismo imunológico de controlo da população linfocítica e prevenção de reacção autoimune. Fas e o seu ligando, FasL, são proteínas presentes na membrana celular que medeiam esta acção anti-proliferativa. Fas pertence à família dos receptores de TNF (TNFR) e, após ligação de FasL, induz apoptose pela

20 execução de um programa coordenado de activação hierárquica de caspases. FasL pode ser expresso por indução em células T ou de forma constitutiva em órgãos imuno- privilegiados [121]. O síndrome de Canale-Smith é caracterizado por uma redução na apoptose mediada por Fas, com manifestações clínicas de autoimunidade e proliferação linfocítica, duas condições relacionadas com propensão para a lesão aterosclerótica. Fas/FasL parece ter aqui um papel protector por regulação da inflamação vascular e deficiências neste mecanismo originam placas mais complexas e com maior número de células infiltradas [122]. A presença do ligando de Fas (FasL) em MPs foi detectada e pode representar um mecanismo remoto de iniciação da apoptose. A segregação de FasL+-MP induz a morte de células T e contribui para a manutenção da condição imuno-

priviligiada de certos órgãos e estruturas, como é exemplo o trofoblasto [123].

As MP são capazes de interagir com numerosos tipos celulares e induzir uma variedade de respostas individuais. As EMPs em particular actuam sobre virtualmente todas as células do sistema circulatório, com um importante papel em mecanismos patofisiológicos como a aterogénese, trombose, angiogénese e disfunção endotelial. As EMPs induzem a expressão de TF em monócitos THP-1 in vitro. Este efeito é inibido por anti-CD54 (ICAM-1), pelo que esta interacção é suportada por ICAM-1 e respectivo receptor, CD11b/CD18, em monócitos, reforçando o papel das EMPs na amplificação e propagação de respostas celulares pro-coagulantes [124]. Adicionalmente, EMPs geradas por apoptose são mais fracas a produzir este efeito do que quando estimuladas por activação através de TNF-α, provavelmente por uma maior expressão de CD54 em resposta a esta citocina. Estes complexos EMP-monócito passam mais facilmente através da monocamada endotelial, o que sugere uma função pró-inflamatória para as EMPs por modelação da activação e transmigração de leucócitos [125]. Também as PMPs estimulam a adesão de monócitos ao endotélio por indução da expressão de ICAM-1 nas células endoteliais e respectivos receptores em monócitos [126]. As PMPs contêm também uma grande quantidade de RANTES (regulated on activation, normal T-cell

expressed and secreted) e podem depositá-lo em células endoteliais activadas. Esta

quimiocina, usualmente encontrada na placa de ateroma, promove o recrutamento de leucócitos e adesão ao endotélio, facilitando a transmigração de monócitos para a lesão aterosclerótica [127].

O envolvimento num tão amplo leque de funções biológicas torna evidente a necessidade de um controlo apertado da quantidade de MPs segregadas e dos antigénios nelas presentes. Os seus efeitos são determinados pela composição lipídica e proteica, característicos da célula parental, e o espectro de proteínas ancoradas nas MPs reflecte o estímulo que lhes deu origem. Especula-se que esta segregação selectiva seja assegurada por domínios raft que controlam os marcadores transportados em MPs (figura 3) [128]. Em células endoteliais, a concentração localizada de PECAM-1

21 (platelet-endothelial cell adhesion molecule-1, CD31) na superfície celular precede a libertação de MPs CD31+ [119].

Documentos relacionados