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2 SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL

2.4 Os requisitos e o procedimento para inclusão do preso no SPF

2.4.1 Hipóteses de inclusão

2.4.1.1 Função de liderança ou participação relevante em organização criminosa

A primeira hipótese refere-se ao caso de o preso ter desempenhado função de liderança ou participado de forma relevante em organização criminosa. É sem dúvida a previsão mais utilizada para inclusão de presos, posto que o SPF se presta exatamente para o isolamento de chefes do crime organizado. Conforme o dado já colacionado anteriormente, o SPF possui 35,34% de internos que se declaram participantes do PCC, enquanto 22,41% ao Comando Vermelho, bem como diversas outras facções menores.

Ponto importante é saber se para inclusão do preso é necessário que esta participação tenha sido comprovada mediante sentença penal condenatória, dado que organização criminosa constitui o tipo penal descrito na Lei nº. 12.850/13. A posição do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que basta a existência de fundadas suspeitas de envolvimento ou participação do recluso em organização criminosa, sendo dispensada a existência de sentença penal condenatória. Ainda de acordo com tal entendimento, inexistiria afronta à garantia constitucional da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF42), na medida em

que a transferência para o SPF não constitui sanção disciplinar, de sorte que o mero cumprimento de pena em penitenciária federal não acarreta os efeitos jurídicos prejudiciais de uma sanção, a exemplo de perda de dias remidos ou da alteração da data base para a progressão de regime43. O STJ entende, ainda, que o cumprimento de pena perto do local de residência do

III - estar submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado – RDD;

IV - ser membro de quadrilha ou bando, envolvido na prática reiterada de crimes com violência ou grave ameaça;

V - ser réu colaborador ou delator premiado, desde que essa condição represente risco à sua integridade física no ambiente prisional de origem; ou

VI - estar envolvido em incidentes de fuga, de violência ou de grave indisciplina no sistema prisional de origem.

42 Art. 5º [...] LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 43 Fórum Permanente do SPF – ENUNCIADO Nº. 4 – A inclusão na Penitenciária Federal, por si só, não reinicia

apenado não é um direito absoluto, podendo ser relativizado por questões de ordem pública e por conveniência da execução penal44.

Outro ponto relevante é a definição de quais elementos de prova são suficientes para a comprovação, ainda que de forma indiciária, da posição de liderança do preso em organização criminosa45. É comum que os requerimentos de inclusão venham instruídos com

mero relatório de inteligência policial como documento probatório, declarando-se laconicamente que o apenado está envolvido com organização criminosa, exercendo função de liderança ou função relevante.

Não são raros casos em que ao preso é imputada liderança em organização criminosa como causa para a transferência, mas inexiste inquérito, ação penal, nem mesmo procedimento administrativo para a apuração de falta disciplinar, cujo objeto seja a apuração da correspondente infração. Em tais casos, o ônus probatório acaba sendo transferido ao acusado, que deverá provar que não faz parte de organização, subvertendo a obrigação estatal de comprovar tal envolvimento. Esta tem sido a posição majoritária adotada nos julgamentos do STJ. É o que se extrai do julgamento do HC nº. 475.822/BA (Relator: Ministro Felix Fischer, Data de Publicação: DJ 30/10/2018), no qual o preso foi transferido para o SPF por suposto cometimento de falta disciplinar grave, mas sequer foi instaurado o procedimento administrativo para sua apuração, muito menos há notícias de inquérito ou ação penal para apurar o fato. Mesmo assim, o tribunal entendeu ser possível o deslocamento do preso ao SPF através de informações e relatórios de autoridades competentes.

Não parece ser este o melhor caminho. O art. 4º do Decreto nº. 6.877/09 arrola a documentação necessária para instruir a solicitação de inclusão e transferência para o SPF. Não se trata de um rol exaustivo, mas apenas um conjunto mínimo exigido para o prosseguimento do pedido, podendo ser complementado por outros documentos46.

Para presos condenados, dentre outros, exige-se prontuário, contendo, pelo menos, cópia da sentença ou do acórdão, da guia de recolhimento e do atestado de pena a cumprir. Já para presos provisórios, dentre outros, exige-se cópia do auto de prisão em flagrante ou do mandado de prisão e da decisão que motivou a prisão cautelar, bem como da denúncia, se houver. Portanto, infere-se do texto legal ser imperativo que a alegada liderança em organização

44 STJ - HC: 462554 PB 2018/0196007-3, Relator: Ministro Felix Fischer, Data de Publicação: DJ 08/08/2018. 45 FÓRUM PERMANENTE DO SPF – ENUNCIADO Nº 39 – O juízo de origem que alegar ser o preso membro

de facção criminosa deverá encaminhar, com o pedido, elementos que corroborem a afirmação. (Editado no III Workshop do SPF).

46 Fórum Permanente do SPF – ENUNCIADO Nº 20 – O art. 4º, do Decreto nº. 6.877/09 arrola a documentação

mínima para instruir a solicitação de inclusão e transferência para o Sistema Penitenciário Federal (Editado no I Workshop do SPF).

criminosa seja demonstrada através de peças do inquérito policial (auto de prisão em flagrante, auto de indiciamento, outros elementos de prova constantes do inquérito) ou do processo (denúncia, decisão que decretou a prisão cautelar etc.), de modo que seja possível ao apenado exercer o contraditório por meio de sua defesa técnica, que terá como obter o acesso à origem dos elementos de prova colhidos no procedimento que apura o envolvimento do réu em organização criminosa, seja o inquérito policial ou a ação penal correspondente.

Assim, relatórios de inteligência policial somente serão elementos suficientes para aferir a hipótese de inclusão prevista no art. 3º, I do Decreto nº. 6.877/09, se forem instruídos com peças do inquérito policial ou da ação penal que corroborem a alegação de que o preso exerce função de liderança em organização criminosa, de forma a assegurar a ampla defesa e o contraditório.

Nesse sentido, vale citar trecho elucidativo de voto da Ministra Rosa Weber no julgamento do HC nº. 112.650 (Primeira Turma, DATA DE PUBLICAÇÃO DJE 30/10/2014, divulgado em 29/10/2014), quando afirmou que

informações de inteligência devem ser vistas com reservas, uma vez não amparadas usualmente em provas processuais. Não obstante, desde que não consideradas de forma isolada, podem ser consideradas como elementos complementares para decisões quanto à transferência ou à permanência de preso nos presídios federais47.

Parece ser esta posição mais equilibrada e em consonância com o texto constitucional. Os relatórios de inteligência devem ser valorados com reserva, não podendo, por si só, servir de documento hábil para transferência, podendo ser utilizados apenas quando acompanhados de outros elementos originados de procedimento de apuração de falta disciplinar, de inquérito policial ou de ação penal.

2.4.1.2 Prática de crime que coloque em risco a integridade do preso no ambiente prisional de