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A função pupilar nos doentes com enxaqueca nos períodos entre as crises.

3 A enxaqueca e os olhos

4. A pupila e a enxaqueca

4.6 A função pupilar nos doentes com enxaqueca nos períodos entre as crises.

A disfunção do Sistema Nervoso Autónomo pode ser importante na patofisiologia da enxaqueca. A actividade noradrenérgica tem sido estudada com entusiasmo por diversos autores nos últimos anos. As determinações dos níveis de catecolaminas e os estudos pupilométricos têm sido os métodos mais utilizados nestes estudos, no entanto os resultados obtidos têm sido contraditórios. 119

Nos doentes com enxaqueca tem sido descrita uma hipofunção simpática em cerca de 5-20% dos doentes106,110,114, que pode ser detectada por pupilometria e tem sido descrita como ocorrendo após um ataque de enxaqueca. Entre os sucessivos ataques e mesmo durante os mesmos, um diâmetro pupilar mais pequeno e um grau elevado de anisocoria com pupila de menor diâmetro no lado sintomático, têm sido observados.116,117

Clinicamente pode desenvolver-se um Síndrome de Horner transitório ou permanente após ataques repetidos.115,120,121

O envolvimento do Sistema Nervoso Parassimpático nas alterações pupilares dos indivíduos com enxaqueca é muito raro e encontra-se associado à enxaqueca oftalmoplégica em que há redução do reflexo pupilar fotomotor e frequentemente envolvimento de outros nervos oculomotores.122

Existem diversos estudos internacionais sobre a relação da pupila e a enxaqueca. M. Fanciullaci e os seus colaboradores efectuaram estudos farmacológicos (publicados em 1979 e 1981) onde observaram que as pupilas dos doentes com enxaqueca apresentavam uma resposta diminuida aos agentes farmacológicos que causam libertação dos depósitos neuronais de noradrenalina e uma resposta exagerada aos agentes simpaticomiméticos de acção directa. Estes achados indicam que nos doentes com enxaqueca existe um déficite simpático pupilar associado a hipersensibilidade por desnervação. Atribuiram este facto a uma provável dilatação da artéria carótida que ocorre durante a crise de enxaqueca e que secundáriamente comprime o plexo simpático em volta da mesma ou eventualmente a uma disfunção neuronal aminérgica central.123,124

Outros autores consideraram que as respostas pupilares aos testes farmacológicos eram mais sugestivas de alteração simpática pós- ganglionar (periférica).120

Peter Drummond (1987)125 estudou um grupo de doentes com enxaqueca unilateral em que comparou o diâmetro pupilar (DP) entre o lado da dor e o lado sem dor, durante os episódios de enxaqueca e nos intervalos entre as crises. Fez também a comparação dos diâmetros pupilares destes doentes, nos intervalos dos episódios, com os diâmetros pupilares de indivíduos sem história de enxaqueca. Verificou neste estudo que os diâmetros pupilares médios não diferiam entre os doentes com enxaqueca e os indivíduos do grupo controle (não doentes) nos intervalos das crises, mas eram mais pequenos durante os períodos de crise do que nos elementos do grupo controle.

Por outro lado verificou que o diâmetro pupilar era significativamente menor no lado da cefaleia do que no lado sem dor e que esta assimetria persistia nalguns doentes, algum tempo após a crise, nos casos em que a cefaleia recorre habitualmente do mesmo lado.125

Relativamente à ptose (que também faz parte do quadro de diminuição da função do simpático), esta surge de forma menos consistente durante a dor e recupera mais rapidamente no intervalo das crises do que a miose, tanto na série de doentes estudados por P. Drummond, como por outros autores.111 Estes achados sugerem que as fibras simpáticas que inervam as pupilas são mais vulneráveis à perda persistente da função ou à lesão do que as que inervam as pálpebras. Para Drummond a hipofunção do simpático deve ser atribuída a compressão das fibras simpáticas pericarotídeas, pela dilatação das artérias carótidas durante as crises de enxaqueca.111

Como os diversos estudos publicados apresentavam resultados muito contraditórios, De Marinis e col122, investigaram em 1997 a relação entre as alterações pupilares e o intervalo de tempo desde a última crise de enxaqueca, o lado da dor (ou lado predominante), o tipo de dor e a reprodutibilidade dos testes farmacológicos. Estudaram doentes com enxaqueca sem aura nos quais instilaram drogas simpaticomiméticas: tiramina a 2% (que provoca libertação de NA dos terminais simpáticos e provoca midríase se as fibras pós-ganglionares estiverem intactas) e fenilefrina a 1% (a forma diluída) para verificar a existência ou não de hipersensibilidade dos receptores α adrenérgicos. Os testes foram feitos 24h após a crise de enxaqueca e repetidos após 7 e 14 dias. Os resultados deste estudo mostram a existência de uma pequena diferença do diâmetro pupilar entre os dois olhos (anisocoria) logo após o ataque, já ausente nalguns doentes após 7 dias e ausente em todos os doentes após 14 dias, sugerindo que a alteração pupilar tem relação temporária com as crises de enxaqueca. Os testes farmacológicos com a tiramina, que revelam diminuição da resposta à mesma, confirmam a existência de lesão simpática pós ganglionar referida por outros autores126,127,128 e o aumento da resposta à fenilefrina diluída também comprovou a hipersensibilidade por desnervação.127,128,129 Como ambos os lados da cabeça eram afectados e as alterações eram mais pronunciadas nos doentes com manifestações de tipo vascular, também estes autores sugeriram que o distúrbio transitório das fibras simpáticas

era pericarotídeo, por estiramento do plexo óculo-simpático, por dilatação das artérias carótidas durante as crises e que não há relação entre as alterações pupilares e o lado predominante da dor.129 A melhoria ao fim de cerca de uma semana poderá dever-se à recuperação da função das fibras pericarotídeas, neste período de tempo após a crise.122

Veyt Mylius109 e colaboradores publicaram um estudo em 2003, onde referiam não ter encontrado diferença significativa entre o lado sintomático e o não sintomático, mas encontraram diferenças significativas entre o diâmetro pupilar médio dos doentes com enxaqueca relativamente aos indivíduos sem enxaqueca, dentro de um período de 7 dias após a crise. Estes resultados também foram descritos por Battistela121e col que também detectaram um diâmetro pupilar mais pequeno e um maior grau de anisocoria nos adultos com enxaqueca.

Veyt Mylius et col109 propunham a existência de instabilidade simpática central adicional que afecta a inervação simpática dos olhos, as artérias e a pressão sanguínea. A instabilidade simpática da pressão sanguínea ou do tónus arterial pode contribuir para a dor da enxaqueca através da excitação das fibras sensitivas do trigémio que se encontram à volta dos vasos. Durante o ataque a diminuição do tónus simpático torna-se mais pronunciada devido aos efeitos sobre as fibras simpáticas pericarotídeas.

Fanciullacci112sugeriu que existiria uma hipofunção simpática central que poderia ser resultante de uma activação simpática central durante o ataque levando à exaustão do sistema.

II METODOLOGIA

A ideia de efectuar este estudo partiu da estreita colaboração e do bom entendimento que existiu ao longo de anos, entre o Serviço de Oftalmologia, (particularmente da consulta de Neuroftalmologia) e do Serviço de Neurologia, do Hospital Geral de Santo António, facto que facilitou, em grande parte, a realização do mesmo.

Constituíram objectivos deste trabalho:

Fazer um estudo prospectivo das perturbações visuais relacionadas com a enxaqueca, tentando avaliar se existe uma relação entre erros refractivos não corrigidos, heteroforias descompensadas ou não diagnosticadas, problemas de acomodação e o desencadear de enxaquecas. Comparar através de uma análise estatistica, a sua frequência nos doentes com enxaqueca e no grupo de controlo.

Avaliar a presença de anisocoria durante a crise de enxaqueca e se a mesma persiste após desaparecimento da cefaleia. Verificar com que frequência a miose ocorre no mesmo lado da dor quer durante a crise quer após a sua resolução. Comparar com análise estatistica a frequência de anisocoria nos periodos sem dor entre os individuos doentes e o grupo controlo, e a sua frequência entre os dois sub-grupos com enxaqueca, tanto na fase da dor, como no período a seguir à dor. Diagnosticar e classificar, o mais pormenorizadamente possivel, o tipo de manifestações visuais que ocorrem no sub-grupo de doentes com aura visual.

Material e métodos: Amostra:

• 50 doentes da consulta de cefaleias do Serviço de Neurologia do HGSA, já classificados como tendo enxaqueca, de acordo com os critérios da IHS.

o Divididos em dois sub-grupos: doentes com enxaqueca com aura e doentes com enxaqueca sem aura.

• 52 indivíduos saudáveis, como grupo controlo, recrutados ao acaso nas consultas de rastreio oftalmológico de duas clínicas privadas. O diagnóstico de enxaqueca e a sua classificação foi feito com base nos critérios definidos e publicados pela International Headache Society – Critérios Internacionais de Classificação de Cefaleias (2004).

O grupo controlo foi escolhido entre indivíduos saudáveis, sem antecedentes de enxaqueca, doenças neurológicas ou qualquer outra patologia sistémica ou oftalmológica e que recorreram às consultas de oftalmologia para rastreio de doenças oculares, a maioria das vezes com queixas de astenopia (após utilização regular de computador) ou para exclusão de patologias oculares que fazem parte dos seus antecedentes

familiares ( glaucoma, miopia, astigmatismo, estrabismo, queratocones, entre outras).

Inicialmente estava previsto que ambos os grupos tivessem uma amostra de 80 indivíduos. Não foi possível obtê-la, porque a meio do estudo a investigadora deixou de exercer funções no Hospital Geral de Santo António, tendo transitado para um Hospital onde não existe Serviço nem Consultas de Neurologia (Centro Hospitalar do Médio Ave), deixando também de ter acesso aos doentes da Consulta de Neurologia do HGSA. Assim sendo a amostra passou a ser de aproximadamente 50 doentes.

Protocolo de Observação:

A todos os doentes e ao grupo controlo foi feito um exame oftalmológico, por uma só pessoa (a autora do trabalho), que incluiu:

• Avaliação da acuidade visual, com e sem correcção (permite o diagnóstico e classificação de erros refractivos).

• Exame do segmento anterior, com medição de pressão intra-ocular.

• Fundoscopia.

• Avaliação do equilibrio oculomotor: observação dos movimentos oculares; teste de cover-uncover; a heteroforia horizontal e vertical foi medida utilizando a Asa de Maddox a 30cm, a todos os indivíduos observados, tendo todos eles visão binocular. A esoforia e a exoforia foram registadas de acordo com a medição na escala horizontal e a hiperforia na escala vertical. Os doentes que necessitavam de correcção de erro refractivo, utilizaram-na para a medição.

• Medição a todos os indivíduos doentes e aos do grupo controlo do diâmetro pupilar bilateral, com um pupilómetro.

• A todos os doentes com enxaqueca foi fornecido um questionário e respectivas instruções de preenchimento para que os mesmos pudessem descrever as características da sua cefaleia e aos do sub- grupo com aura, para procederem à descrição pormenorizada das suas manifestações visuais.

Aplicação do questionário

O questionário foi aplicado a um grupo de doentes da consulta de cefaleias do Serviço de Neurologia do HGSA após a sua observação clínica. Não houve limites de idade, para além da capacidade de compreensão das perguntas.

Registo de dados

Os dados obtidos no exame e no questionário foram registados numa base de dados para tratamento informático e análise estatística dos diferentes parâmetros estudados, com o consentimento informado verbal de todos os indivíduos estudados.

Observação clínica

Os 102 indivíduos foram seleccionados para este estudo aleatoriamente. Os 50 indivíduos da amostra de doentes com enxaqueca foram seleccionados numa consulta de cefaleias do Serviço de Neurologia do H.G.S.A., onde preencheram o questionário, tendo sido posteriormente encaminhados para o Serviço de Oftalmologia onde foram observados pela autora do trabalho (exame oftalmológico). Os 52 indivíduos da amostra controlo foram observados em duas clínicas privadas (SAMS Norte e Hospital da Arrábida, Espírito Santo Saúde), pela autora e foram seleccionados aleatoriamente entre indivíduos que recorreram à consulta de oftalmologia para rastreio visual, sem quaisquer antecedentes de enxaquecas ou de doenças oculares conhecidos.

Validação clínica

A validação clínica foi obtida através da observação directa dos 102 indivíduos seleccionados aleatoriamente, sendo que a observação clínica oftalmológica de todos eles, foi efectuada exclusivamente pela investigadora.

Análise estatística

Procedeu-se à validação individual e cruzada das variáveis, item por item, para a detecção de erros, omissões ou incongruências dos dados, ou dos registos informáticos e à análise estatística através do programa SPSS 15.0.

Avaliaram-se as frequências dos diversos parâmetros estudados e a sua relação com as diferentes entidades clínicas identificadas. O nível de significância estatística adoptado foi de p<0.05.

Interpretação dos resultados

Os resultados obtidos foram interpretados e comparados com os dados correspondentes da literatura internacional sobre o mesmo tema (ver discussão dos resultados).

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