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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.6 FUNÇÃO SOCIAL E EDUCATIVA DA BIBLIOTECA

É debatida, entre os teóricos da Ciência da Informação e da Biblioteconomia, a função social da informação e da biblioteca. Neste trabalho, impende abordar, de forma ilustrativa, o que vem a ser essa função social. Socorre-se inicialmente das lições do catedrático de Direito Processual da Universidade Federal da Bahia, J. J. Calmon de Passos (2004, p. 1), que oferece uma exata noção do sentido e do alcance dessa expressão. Assim ele ensina:

Quando se diz que o fígado é um órgão ao qual se associa a função hepática, estamos afirmando que ele desempenha certa atividade cujos efeitos são direcionados em benefício de outros órgãos ou funções que, por sua vez, servem ao homem, em termos de totalidade. Eis o que para mim é função - um atuar a serviço de algo que nos ultrapassa. Função social, conseqüentemente, pode ser entendida como o resultado que se pretende obter com determinada atividade do homem ou de suas organizações, tendo em vista interesses que ultrapassam os do agente. Pouco importa traduza essa atividade exercício de direito, dever, poder ou competência. Relevantes serão, para o conceito de função, as conseqüências que ela acarreta para a convivência social. O modo de operar, portanto, não define a função, qualifica-a.

Função indica relação entre duas pessoas, sendo que uma delas age, desempenha, exerce ou presta um serviço em benefício da outra. Função social tem, portanto, o significado de serviço realizado em benefício de outrem. O bibliotecário especializado de um órgão público, por exemplo, exerce seu cargo em benefício de toda a organização, presta um serviço em nome do Estado. De acordo com Freire (2004, p. 44), os cientistas e profissionais da informação desempenham o papel de mediadores no processo de comunicação social, em particular nas situações de comunicação do conhecimento, de natureza técnica e científica

para os diversos grupos da sociedade. Diz, ainda, que não importa o nome e o local onde aparece, a função social dos profissionais de informação é “[...] assegurar que aquelas pessoas que necessitam de conhecimento em seu trabalho [...] possam recebê-lo, independentemente de ter procurado ou não.” Depreende-se assim, que além da função de mediadores, também exercem a função de facilitadores da comunicação do conhecimento, ao proporcionarem acessibilidade a recursos informativos, culturais e tecnológicos.

A biblioteca exerce sua função social na medida em que:

a) medeia o acesso do cidadão ao seu acervo e aos equipamentos de pesquisa; b) executa programas de educação de usuários;

c) realiza intercâmbios diversos com outras bibliotecas e centros de pesquisa e de produção científica;

d) incentiva e subsidia a pesquisa dos usuários; e) estimula a leitura;

f) propicia os recursos e as fontes para o desenvolvimento científico e para a difusão e produção do conhecimento; e

g) promove a construção da cidadania.

Essa função social é complexa, em razão da diversidade socioeconômica e cultural, e reside no fato de que a biblioteca, como instituição social, é um veículo entre os indivíduos e o conhecimento, por facilitar o acesso à informação e fomentar o desejo de aprender. O bibliotecário cumpre sua missão de agente de transformação social, seja como mediador, seja como facilitador do conhecimento e, assim, aflora seu papel de educador. Como afirmam Tarapanoff (2000, p. 14) e Tarapanoff, Suaiden e Oliveira (2002, p. 1), entre as funções sociais delineadas para o profissional da informação, na sociedade da informação, estão as funções educativa e de mediação. No entendimento desses autores, a função educativa está intimamente relacionada à educação para a competência informacional. Eles asseveram que “Educar a si próprios e educar aos outros para a sociedade da informação é um dos grandes desafios para o profissional da informação e um passo importante para a formação da cultura informacional na sociedade [...]. (TARAPANOFF, 2000, p. 29; TARAPANOFF; SUAIDEN; OLIVEIRA, 2002, p. 3).

Assim, como se pode inferir, a função social é direcionada, de forma precípua, para a função educativa. Na esteira do pensamento de Tarapanoff, Suaiden e Oliveira (2002), o papel do bibliotecário educador é assim reforçado: “[...] pode atuar como mediador pedagógico, como agente educacional de transformação no âmbito da biblioteca, das instituições educacionais ou quaisquer espaços de informação e aprendizado.” (DUDZIAK, 2007, p. 95).

Fortifica esse entendimento o trabalho de Kauhanen-Simanainen (2005, p. 186), no qual afirma que o papel de instruir, educar e planejar para que se desenvolva o nível de recursos informacionais, o processo e métodos de produção da informação e a consciência e habilidade dos servidores do governo para uso desses recursos,compete aos profissionais e aos serviços de informação governamentais.

Reafirmando que o bibliotecário da modernidade deve ser instrumento de apoio à educação, à formação do cidadão e à salvaguarda da democracia, Barbosa (2004) reforça o pensamento desta pesquisadora, motivador desta investigação, no sentido de que o bibliotecário de órgão público, mais do que qualquer outro profissional, deve abraçar essa responsabilidade, educando não só os servidores, mas toda a sociedade, para utilização da informação que sua instituição produz, pois o cidadão que sabe usar a informação pode transformar o cotidiano social. Esse pensamento ganhou solidez com as constatações de Kauhanen-Simanainen (2005), que também perfilha desse mesmo entendimento.

Não obstante assertivas dessa natureza, ainda é controverso o reconhecimento da função educativa da biblioteca. Muitos entendem que não cabe ao bibliotecário este papel e que ele não tem sido preparado na sua formação para assumir esta atribuição.

Entretanto, desde o aparecimento dos primeiros trabalhos referentes à competência informacional, esse encargo tem sido mais aceito, pois grande parte do debate sobre essa competência está de fato no questionamento sobre a função do bibliotecário como professor ou instrutor. A idéia desse profissional atuando nessas funções, principalmente nas bibliotecas escolares, universitárias e públicas, é mais antiga e é reforçada pelo Manifesto da IFLA/UNESCO (1994) sobre bibliotecas públicas, que entre as missões-chave relacionadas à informação incluiu o apoiar a educação individual, a autoformação, a educação formal a todos os níveis, além de facilitar o desenvolvimento da capacidade de utilizar a informação e a informática. Nesse documento, já se vislumbrava o incentivo ao desenvolvimento da competência informacional. Também o Manifesto da IFLA/UNESCO (1999) para biblioteca escolar, reafirma a função educativa, estimulando os bibliotecários no ensino do uso da informação, tanto para professores, quanto para alunos.

As noções embrionárias de educação de usuários são identificadas na literatura no século XIX, a partir de artigo de Melvil Dewey exortando os bibliotecários a se tornarem educadores em assuntos relacionados à seleção de bons livros (FRY; MALONE; ROSE, 2000, p. 2). Rocha e Araújo (2007, p. 90), em trabalho sobre educação continuada dos profissionais da informação, lembram que até a década de 1950 o bibliotecário era visto como um profissional que detinha técnicas específicas para a organização de documentos e

coleções, influência da escola norte-americana que o via como um técnico organizador de documentos. Essa situação começa a mudar com a reforma curricular dos cursos de Biblioteconomia, que inclui disciplinas como Estudo de Usuários e Função Social da Biblioteca, as quais estimulam o profissional bibliotecário a atuar junto a entidades culturais e educacionais, passando a ter um perfil de educador.

Nesse período, de acordo com os estudos de Campello (2003, p. 29), surge o serviço de instrução bibliográfica, com o propósito de orientar o leitor no uso do acervo e das fontes mais adequadas para a aprendizagem de um tópico específico do currículo. Mas, é somente na década de 1960, com os avanços tecnológicos, que o interesse pelo tema começa a crescer (FRY; MALONE; ROSE, 2000, p. 2) e a função educativa é fortalecida, com muitas bibliotecas desenvolvendo programas de educação de usuários, como cursos de curta duração sobre o uso da biblioteca e seus recursos. Com o relatório de Paul Zurkowsky, em 1974, e o posterior envolvimento da classe bibliotecária no novo movimento, o da competência informacional, as funções tradicionais da biblioteca passaram a ser fortemente questionadas e, cada vez mais, foi se admitindo a sua funçãoeducativa. Complementa ainda Campello (2003, p. 30), que o trabalho da AASL, Information Power: Guidelines for School Libraries Media Programs, buscou definir, com clareza, o papel pedagógico do bibliotecário, estabelecendo-se como

[...] uma das funções do bibliotecário a de professor, encarregado de ensinar não apenas as habilidades que tradicionalmente ensinava (localizar e recuperar informação), mas também de desenvolver habilidades de pensar criticamente, de ler, ouvir e ver, enfim ensinar a aprender a aprender.

A partir da década de 1990, as mudanças ocorridas no mundo globalizado se acentuam, exigindo novas competências dos bibliotecários, que passam a ser também denominados de profissionais da informação, uma vez que as atividades que desenvolvem, como afirmam Rocha e Araújo (2007, p. 90), extrapolam os espaços da biblioteca e da organização e preservação de acervo e se concentram no gerenciamento da informação, demandando habilidade com a tecnologia e visão gerencial na área de informação. Posteriormente, a função educativa do bibliotecário foi reavaliada, uma vez que tinha sido traçada com base em teorias mais tradicionais da educação, e, com o lançamento, em 1998, da segunda versão do documento, denominado então de Information Power: Building Partnerships for Learning (AMERICAN ASSOCIATION OF SCHOOL LIBRARIANS, 1998) a mediação do bibliotecário passou a ter um papel fundamental no processo de aprendizagem do usuário.

Nesse documento foram definidas as normas para a competência informacional e os indicadores de desempenho para cada norma.

Ainda com relação ao papel educativo do bibliotecário, vale lembrar que

[...] Os recentes conselhos profissionais consideram que além do princípio da organização e difusão do conhecimento, a ação do profissional é marcadamente pedagógica, estimula o interesse pelo livro, o hábito de ler, contribuindo para o desenvolvimento intelectual do leitor. (CARVALHO, 2001).

Oddone (1998, p. 8), em artigo sobre as transformações de cunho tecnológico e cultural do papel do bibliotecário, cita a pesquisadora francesa Christiane Volant (1995), que defende a existência de sete eixos de ação em torno dos quais esse profissional deve agir, um dos quais é o “[...] eixo pedagógico: motivar os atores à utilização das informações e formar os usuários na aplicação dos métodos e das técnicas de pesquisa e de tratamento da informação.”

Oportuna a observação de Foskett (1969, p. 21), referindo-se às bibliotecas das indústrias, que se aplica a qualquer tipo de biblioteca especializada, na qual ressalta o papel educativo como fator de desenvolvimento da organização:

Qualquer biblioteca deve brotar de um contexto social no qual seja sentida a necessidade de informações. Não basta, simplesmente, colocar livros nas estantes e convidar as pessoas a usá-los. O serviço de informação surgiu da formação de grupos de especialistas empenhados na aquisição de informações; o serviço educativo surge da formação de grupos de aprendizes, mas basicamente o alvo é o mesmo: aumentar a eficiência do operário, tornando-o, assim, um membro mais útil da organização, e, em verdade, da sociedade.

De fato, no desenvolvimento de suas funções, o bibliotecário atua naturalmente como professor. No processo de instruir os usuários para utilização de estratégias de busca, identificação de fontes de informação e formas de acesso a essas fontes, ele está educando àqueles aos quais assiste, para torná-los aprendizes independentes ao longo da vida.

Se os bibliotecários têm habilidade em coletar, avaliar, organizar e prover acesso à informação, conseqüentemente são competentes informacionais e podem ensinar essa competência a outras pessoas que por formação não têm essas habilidades. Dúvida parece não haver, portanto, de que o papel educativo da biblioteca e do bibliotecário, seja qual for a denominação, é amplamente reiterado na literatura. Em relação às tradicionais orientações bibliográficas, restritas aos limites da biblioteca, é consenso que o bibliotecário pode executar essa função. Quando o conceito de educação de usuários se amplia para incluir a noção de competência informacional, críticas são feitas (BAWDEN, 2001; CAMPELLO, 2003; ISAACSON, 2003; LEE, 2002), mas já começa a ser visto como um processo utilizado para

desenvolver a competência dos indivíduos no uso dos recursos informacionais. Não se trata mais de ensinar habilidades para explorar recursos da biblioteca ou base de dados, mas de aprimorar a formação do usuário por meio da aquisição e incorporação de atitudes de investigação e crítica, que são a base para o aprendizado contínuo. Ao bibliotecário não é mais reservada apenas a função de intermediador da informação, inclusive porque a tecnologia dispõe de recursos hábeis para a execução eficaz dessa tarefa, como a internet, por exemplo. Dessa maneira, o profissional da informação pode direcionar sua atenção para estimular a aprendizagem do usuário e, conseqüentemente, contribuir na construção do seu conhecimento.

2.7 A COMPETÊNCIA INFORMACIONAL, A BIBLIOTECA E O BIBLIOTECÁRIO NAS