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3 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE

Nos primórdios da humanidade não se falava em disputa de propriedade, visto que a terra não faltava a ninguém, porém, com o passar dos anos e com aumento populacional, foram surgindo os primeiros conflitos gerados pela falta de moradia, falta de emprego e, como consequência disto, o surgimento da pobreza.55

A desigualdade era latente, visto que alguns detinham muitas terras e outros não tinham sequer onde morar. Diante de tais problemas, surgiu o Estado Social de Direito, modificando o tratamento aos indivíduos menos favorecidos, promovendo uma melhor qualidade de vida.56

Pontes de Miranda, comentando a Constituição Brasileira de 1946, assim asseverou:

O direito brasileiro sempre teve limitações ao uso da propriedade. O Código Civil mais as explicitou. Porém, uma coisa é o limite ao uso, elaborado milenarmente, ou sob a inspiração de regras entre vizinhos, e outra o limite que não precisa do elemento conceptual da vizinhança, ou, sequer, da proximidade, ou sob a inspiração de regras entre vizinhos. Bem estar social é conceito bem mais vasto que vizinhança, ou proximidade. Cumpre, porém, advertir-se em que esse conceito não dá arbítrio ao legislador. Não é ele que, a seu talante, enuncia julgamentos de valor, para que, invocando o bem-estar social, limite o uso da propriedade. O art. 147, 1ª parte, não disse que a lei poderia restringir o uso do direito de propriedade, o que se havia de entender se estivesse escrito no art. 147, 1ª parte. “O uso da propriedade é garantido dentro da lei”. Fixado o conteúdo do direito de propriedade, sabe-se até onde vai a sua usabilidade. O que o art. 147, 1ª parte, estabelece é que o uso da propriedade há de ser compossível com o bem- estar social; se é contra o bem-estar, tem de ser desaprovado. O art. 147, 1ª parte, não é, portanto, somente pragmático. Quem quer que sofra prejuízo

55 MOREIRA, Gezer Stroppa. Função Social: Perda da Propriedade Imóvel Urbana. Jurisway.1 de agosto de 2012. Disponível em: < http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=8493>. Acesso em:

07 out 2013.

56 Ibid.

57 Ibid.

por exercer alguém o uso, ferindo ou ameaçando o bem-estar social, pode invocar o art. 147, 1ª parte, inclusive para as ações cominatórias. 58

Segundo ele, o atendimento da função social não limita o direito de propriedade, apenas penaliza aquele que não a cumpre visando o bem estar de toda coletividade.59

A Função Social da Propriedade é um princípio vinculado ao interesse coletivo, pois a propriedade que a cumpre satisfaz as necessidades dos habitantes da cidade, conforme preceitua Gustavo Tepedino:

A função social da propriedade confere, portanto, ao titular da propriedade, um duplo dever: o de deixar de praticar o ilícito, como colocar fogo numa floresta, e o de promover o meio ambiente, sob pena de perder a legitimidade constitucional. O Judiciário não poderá admitir a tutela de um direito de propriedade que desrespeita a sua função social. Decorre daí que a dicção do § 1º do art. 1.228 deve ser interpretada como um conteúdo objetivo da função social da propriedade, a traduzir os interesses que, expressamente indicados pelo codificador, devem ser preservados pelo titular do domínio para que o seu direito subjetivo seja assegurado.60

Pode-se observar a importância da função social da propriedade, pois o proprietário que deixar de cumpri-la poderá sofrer sanções rigorosas, tal como a perda da propriedade.

Considerando esses pressupostos, pode-se concluir que Função Social é a obediência de um conjunto de normas constitucionais que tem por objetivo colocar a propriedade na sua funcionalidade normal, de modo a ser utilizada de forma proveitosa à sua finalidade.

É necessário que o direito à propriedade atenda a Função Social. Para que possa gozar de proteção do Estado, é preciso que o interesse da coletividade seja interligado com o individual. O espaço urbano utilizado pelo indivíduo e sua família

58 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Comentários à Constituição Federal de 1.946.

Volume IV, São Paulo,Saraiva,1992, p. 500-501.

59 PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Ibid., p. 501.

60 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil, Tomo II, São Paulo: Renovar, 2006, p. 159.

tem que ser socialmente justo, respeitando a qualidade de vida individual e de todos os indivíduos daquela cidade.61

A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade

Nossa carta magna preceitua que todos têm direito a moradia digna. Esse direito provém da necessidade do ser humano de conviver em um ambiente com o mínimo de dignidade, pois é incabível a um cidadão ter que conviver em um ambiente insalubre, com risco à saúde humana, conforme preceitua o artigo 6º da Constituição Federal:

São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.62

Neste sentido, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, no artigo XXV preceitua que:

Toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência fora de seu controle.63

Os problemas sociais advindos da ocupação desordenada do solo urbano devido à falta de moradia, o alto custo de vida e a necessidade de um lar fizeram com que o legislador instituísse os artigos 182 e 183 na Constituição Federal, onde foram traçadas as regras de politica urbana. No entanto, tais regras necessitavam de regulamentação, por isso, em 10 de julho de 2001, foi instituída a lei nº 10.257, instrumento legal para solução dos problemas fundiários resultantes de ocupações

61 NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade.Tratado de direito privado. In Revista de Direito Privado. n° 46. abr. – jun. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2012, p. 118-119.

62 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. EMENTA. In:

AUTOR. Vade Mecum. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.11.

63 BRASIL. Resolução nº 217 A de 10 de dezembro de 1948 – Declaração Universal de Direitos Humanos. Disponível em http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm Acesso em 08 out. 2013.

desordenadas e irregulares do solo urbano das cidades, principalmente dos grandes centros. A supracitada lei foi denominada de Estatuto das Cidades.

Cabe lembrar que alguns artigos da Constituição Federal precisam de leis específicas para tenham eficácia. Exemplo disso são os artigos 182 e 183, que tiveram o Estatuto da Cidade uma lei infraconstitucional que a ele regulamentou e deu eficácia plena.

A lei nº 10.257/01, esta presente em diversas situações, pois traz consigo a responsabilidade do individuo e das politicas públicas em prol da regulamentação do uso da propriedade urbana, do bem coletivo, da segurança, do bem estar de cada cidadão e do equilíbrio ambiental.64

Uma das formas de regulamentação do uso da propriedade urbana instituída no Estatuto da Cidade é a Usucapião Especial de Imóvel Urbano, que surge como forma de regularização da propriedade. Portanto, o proprietário que abandona sua propriedade, e permite que outra pessoa dela se apodere, dando a ela função social, poderá perdê-la.65

A função social e a perda da propriedade

A Função Social é de suma importância para que o proprietário do imóvel goze de todas as garantias constitucionais, uma vez que a propriedade que não cumpre sua função social poderá sofrer as sanções previstas nesse instrumento legislativo.

O ser humano é dotado de vontade, e o ato de vontade de cada indivíduo está socialmente protegido, desde que esse ato seja legal, pois precisamos de um mínimo de organização para que haja vida social. Contudo, não se pode confiar

64 MOREIRA, Gezer Stroppa. Função Social: Perda da Propriedade Imóvel Urbana. Disponível em:

< http://www.jurisway.org.br/v2/dhall.asp?id_dh=8493>. Acesso em: 09 out 2013.

65 Ibid.

apenas no sistema jurídico para que haja essa organização, precisamos também fazer a nossa parte.66

A Constituição Federal no capitulo que trata das Políticas Urbanas, mais precisamente no artigo 182, paragrafo 4º, inciso III, traz algumas sanções que o proprietário do imóvel que deixar de cumprir com a função social poderá sofrer, qual seja:

[...] É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: [...]

III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.67

O Imóvel não edificado ao qual vem tratando o artigo 182 é aquele em que não tem obra de construção executada. O imóvel não utilizado é aquele que, mesmo edificado, permanece sem qualquer proveito. Já o imóvel subutilizado, conforme art.

5º, da Lei 10.257 de 2001 (Estatuto da Cidade), em seu parágrafo 1º, inciso I, cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente.68

A desapropriação não é o único meio pelo qual se pode perder a propriedade, existem também outras formas de se perdê-la. Conforme previsto no Código Civil Brasileiro, a perda da propriedade poderá se dar por alienação, renúncia, abandono, perecimento da coisa e por desapropriação. Destaca-se que esse não é um rol taxativo, haja vista que é possível a perda da propriedade por meio de outros acontecimentos, conforme se verifica no artigo 1.275 do Código Civil.

66 SILVEIRA, Claudia da. Como compatibilizar a exploração da propriedade com sua função social. Conteúdo Jurídico, Brasília-DF: 22 set. 2012. Disponível em

<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.39470&seo=1>. Acesso em 09 out. 2013.

67 BARROSO. Darlan, ARAUJO JUNIOR, Marco Antonio. Vade Mecum Legislação Selecionada para OAB e Concursos. Ed. 4, são Paulo, revista dos tribunais, 2013

68 BRASIL. Lei nº 10.257 de 10 de julho de 2001. Estatuto da Cidade. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em 10 out. 2013.

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a

No inciso I a perda da propriedade se dará por alienação, qual seja, por meio de um negocio jurídico inter vivos, podendo ser gratuito por meio de doação, ou oneroso por meio da compra e venda.

O inciso II trata da renúncia - ato jurídico unilateral em que a pessoa não deseja mais exercer o domínio sobre determinado bem. Conforme preceitua Luciano Camargo Penteado, “a renúncia é negócio jurídico unilateral não receptício. Daí que seus efeitos dependam de declaração de vontade jurídico-negocial expressa, a qual não depende de outra vontade para produzir seus efeitos específicos.”69

Cabe destacar que, para a concretização do negocio jurídico ao qual trata os incisos anteriores, é necessário o registro público conforme preceitua o artigo 1.275 paragrafo único do código civil.70

O inciso III, diferentemente do anterior, é uma questão subjetiva, pois não requer nenhuma formalidade, basta o proprietário abandonar o bem, com a pretensão de não mais o conservar em seu patrimônio.71

O inciso IV trata do perecimento da coisa. Dentre os institutos de perda da propriedade, esse é o mais simples de se entender, pois o artigo é autoexplicativo:

perecimento significa que a coisa deixou existir, ou seja, foi destruída. Tal destruição poderá ser por ato do próprio proprietário ou por algum fator externo alheio a vontade do proprietário, como por exemplo, uma catástrofe natural. 72

69 PENTEADO, Luciano Camargo. Direito das Coisas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.

305 70

BRASIL. Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002. EMENTA. In: AUTOR. Editora Saraiva. Vade Mecum. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 229.

71 Ibid.

72 Ibid.

Sobre tal instituto de perda da propriedade esclarece André B. de Carvalho Barros que no perecimento da coisa, há a perda do direito de propriedade pelo simples fato de que assim como não existe direito sem titular, também não existe direito sem objeto.73

O inciso V trata da desapropriação. Este, dentre os institutos de perda da propriedade, talvez este seja o mais complexo. Essa modalidade poderá ser dada por motivos de necessidade, utilidade pública ou interesse social. O Poder Público poderá desapropriar, ou seja, tomar o bem de uma pessoa por meio de procedimento vinculado, pela qual sujeito perderá a sua propriedade para a Administração Pública em razão da necessidade pública e do interesse de toda coletividade.

O artigo 182, parágrafo 4º, da Constituição Federal, traz as formas de desapropriação pelo descumprimento da Função Social da Propriedade. Porém antes da desapropriação, o Estado tentará outras formas de fazer com que não seja necessária a desapropriação, tendo em vista que o imóvel não é interesse público, pois, se houvesse interesse, a desapropriação aconteceria por interesse social e não por penalidade por descumprimento de um princípio.74

Entende-se, portanto, que a desapropriação de imóvel urbano pelo não cumprimento da função social tem natureza sancionatória. A referida desapropriação não acontece de forma direta, antes da ocorrência deve haver determinações e sanções a serem aplicadas para, então, chegar-se à desapropriação do imóvel.

Antes de tudo o Município tem a necessidade de possuir o plano diretor municipal que traça as diretrizes urbanas, exigindo o parcelamento, a utilização ou a edificação compulsória de área que não esta sendo utilizada ou esta subutilizada.75

73 BARROS, André B. de Carvalho et al. Direito das Coisas. Volume 4, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 60.

74 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. EMENTA. In:

AUTOR. Editora Saraiva. Vade Mecum. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 62.

75 BRASIL. Lei n.º 10.257, de 10 de julho de 2001. EMENTA. In: AUTOR. Editora Saraiva. Vade Mecum. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 1.032.

Em seguida, deve ser feito a notificação do proprietário sobre as exigências da lei municipal, bem como a averbação da notificação na matricula do imóvel. Após esse procedimento, caso o proprietário continue descumprindo o que é determinado pela lei municipal, o município começará a aplicar sanções por tal descumprimento, iniciando-se pelo IPTU progressivo no tempo, conforme elencado no artigo 7º do Estatuto da Cidade.

Art. 7º Em caso de descumprimento das condições e dos prazos previstos na forma do caput do artigo 5 º desta Lei, ou não sendo cumpridas as etapas previstas no § 5º do artigo 5º desta Lei, o Município procederá à aplicação do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU) progressivo no tempo, mediante a majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos consecutivos.

Após cinco anos de aplicação do IPTU progressivo, não tendo o proprietário efetuado o parcelamento, a edificação ou a utilização prevista na lei municipal, é facultado ao Município desapropriar a área irregular, mediante indenização paga com títulos da dívida pública. Conforme elencado no artigo 8º do Estatuto da Cidade.

Art. 8o Decorridos cinco anos de cobrança do IPTU progressivo sem que o proprietário tenha cumprido a obrigação de parcelamento, edificação ou utilização, o Município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública.

Cabe esclarecer que o proprietário de imóvel descumpridor de sua função social não é pego de surpresa com a desapropriação, pois o caminho pelo qual o Poder Público percorre até chegar a tal medida é longo, levando anos para possibilitar sua aplicação. Com isso, o legislador garantiu a segurança jurídica do proprietário de imóvel urbano, dando a ele a oportunidade de efetuar a regularização de seu imóvel.

Portanto, a perda da propriedade urbana por descumprimento de sua função social se dá em primeiro lugar, pela própria ausência da função social, ou seja, quando a propriedade deixa de atender os interesses da coletividade, e em segundo, pelo descuido total ou falta de interesse do proprietário em enquadrar seu imóvel aos padrões de desenvolvimento urbano de forma a promover o bem comum.

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