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A Função Social da Propriedade no Plano Diretor Participativo de São Benedito

4 PLANOS DIRETORES PARTICIPATIVOS EM MUNICÍPIOS CEARENSES:

4.1 Função Social da Propriedade

4.1.1 A Função Social da Propriedade no Plano Diretor Participativo de São Benedito

De início, o princípio aparece expressamente previsto de forma vaga como diretriz que deve nortear a ação do Poder Público. Assim, aparece em alguns artigos ao longo do Plano (Lei Municipal nº 658/2008): no art. 2°, em que a garantia da Função Social da Propriedade é prevista como finalidade da própria lei; no art. 5°, no qual, ao regular os princípios básicos da política urbana do município, estabelece que este buscará a integração de suas políticas e ações estratégicas, visando garantir tanto as funções sociais da cidade quanto a Função Social da Propriedade; e no art. 9°, quando a garantia do pleno cumprimento da Função Social da Propriedade é colocada como objetivo da execução da política urbana.

Ainda de maneira um tanto genérica e repetindo termos já existentes na legislação, o art. 8° define que a propriedade urbana cumprirá sua Função Social quando atender às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas neste Plano Diretor. Estabelece que somente é permitido seu aproveitamento e uso: em intensidade compatível com a capacidade dos equipamentos e serviços públicos para atividades inerentes ao cumprimento

das funções sociais da cidade; de acordo com as estratégias e diretrizes municipais relativas à preservação do meio ambiente e do patrimônio cultural; e, por fim, de forma compatível com a segurança e a saúde dos usuários e vizinhos.

Uma tentativa, mesmo que tímida, de dar um caráter mais prático ao princípio pode ser observada no art. 27, que trata dos objetivos e diretrizes da Zona Urbana de Expansão. Na sua dicção, essa zona deve ser planejada e ordenada para o desenvolvimento equilibrado das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Dentre as diretrizes previstas pelo artigo, podemos observar algumas que buscam a garantia da Função Social, como: priorizar a ocupação dos vazios urbanos nas Áreas de Interesse Social; constituir áreas para atender às novas demandas habitacionais; e definir normas que permitam a regulamentação fundiária(sic) e a titularização das habitações em situação irregular, visando à garantia da posse e/ou do domínio útil do imóvel.

Quanto à utilização de instrumentos previstos pelo Estatuto da Cidade para a garantia do cumprimento da Função Social da Propriedade, a situação do plano é extremamente precária. Os únicos instrumentos previstos são o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo no Tempo, a Desapropriação em Títulos da Dívida Pública e o Estudo de Impacto de Vizinhança, sendo este último somente citado, não havendo qualquer tipo de regulamentação.

Nos artigos 38 a 42, é definida sucintamente a forma de aplicação dos instrumentos o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo no Tempo e a Desapropriação em Títulos da Dívida Pública. É prevista, contudo, uma lei que deverá regulamentar mais detalhadamente os prazos e procedimentos para sua aplicação, não sendo definido prazo nenhum para a edição dessa lei específica. Deve-se salientar que, ao contrário do que recomenda a Resolução nº 34 do ConCidades (art. 1º, inciso IV), sua utilização não está explicitamente vinculada a nenhum objetivo/estratégia do plano.

Ao tratar do instrumento de Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios(art. 39), o plano traz as definições do que seriam imóveis subutilizados, não- utilizados e não-edificados. Solo urbano subutilizado é o lote, a projeção ou gleba edificados que se enquadre numa das seguintes condições: que contenha edificação cuja área seja inferior a 30% (trinta por cento) do potencial construtivo previsto na Lei de Uso e Ocupação do Solo, independentemente do uso a que se destina; imóveis com edificações irregulares, paralisadas ou em ruínas situados em qualquer área urbana; ou áreas ou glebas com uso diferente do definido pela Lei de Uso e Ocupação do Solo. Já o imóvel urbano não-utilizado é definido como o lote, a projeção ou gleba sem qualquer tipo de uso ou em situação de abandono. E o

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imóvel urbano não-edificado (terreno vazio) seria o lote, a projeção ou gleba onde a relação entre a área edificada e a área do terreno seja equivalente à zero.

Obedecendo à previsão normativa contida no Estatuto (art. 42, inciso I), o plano delimita a área urbana onde serão aplicados os instrumentos, referindo-se à Zona Urbana Consolidada. Essa zona é composta, na dicção do plano, pelas áreas urbanizadas ou em processo de urbanização, servidas de infra-estrutura e equipamentos comunitários, com média e baixa densidade populacional (art. 24). Vê-se, assim, que foi levada em consideração a existência de infra-estrutura para a definição da área em que se aplicam os instrumentos.

Apesar disso, há algumas previsões que demonstram certa dose de incoerência na tentativa de dar contornos concretos à Função Social da Propriedade. Isso é percebido no fato de que a Zona Urbana de Expansão (arts. 26 e 27) tem como diretrizes constituir áreas para atender às novas demandas habitacionais e priorizar a ocupação dos vazios urbanos nas Áreas de Interesse Social. Observa-se, dessa maneira, que esta zona tem diretrizes que deveriam ter sido incorporadas à Zona Urbana Consolidada, que é considerada pelo plano como área servida de infra-estrutura e possuir média ou baixa densidade populacional. Nessa zona, portanto, deve ser estimulada a ocupação e utilizados os citados instrumentos, embora as diretrizes corretas estejam vinculadas à Zona Urbana de Expansão. Não há, portanto, uma conjugação lógica no plano entre realidade urbana, diretrizes/objetivos e os instrumentos previstos. Enquanto a primeira e os últimos encontram-se juntos, as diretrizes que a eles correspondem estão conectadas erroneamente a outra zona.

Numa síntese sobre esse aspecto, pode-se verificar que o plano diretor de São Benedito pouco avança na consolidação de previsões normativas que democratizem o acesso a terra. Repetem-se formulações vagas e abstratas sobre a Função Social da Propriedade e os instrumentos positivados para a sua concretização são mal delineados e desvinculados das diretrizes e dos objetivos a que deveriam atender. A falta de regulamentação dos instrumentos positivados, saliente-se, faz com que deixem de ser auto-aplicáveis, exigindo a edição de uma lei posterior, para a qual não se estabelece prazo.