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PRODUTO TURÍSTICO, RECURSOS NATURAIS E CAPITAL NATURAL

FUNÇÕES DO CAPITAL NATURAL

regulação, habitat, suporte da vida (responsáveis pela resiliência do ecossistema)

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ou seja, o capital natural é um componente do capital total (composto por capital físico/ manufaturado, capital humano, capital social e capital natural) pelo que, o valor do uso/consumo do mesmo, pelas gerações atuais, pode ser reinvestido sob a forma de capital reproduzível economicamente, a ser transmitido às gerações futuras. Assim, os itens ambientais são sistematicamente transformados em valores monetários a fim de torná-los comparáveis com os valores económicos (para poderem entrar na contabilidade “verde”, análises de custo-benefício, etc.), podendo ser utilizados para tomar decisões, visando a obtenção de um ótimo económico. Logo, nestas condições, o desenvolvimento sustentável de um sector económico não fica limitado por nenhum constrangimento ecológico. Já a abordagem “forte” reivindica o carácter irredutível do capital natural, ou seja, o capital físico/ manufaturado ou o capital humano não podem substituir a totalidade dos recursos ambientais ou serviços ecológicos prestados que compõem o capital natural pelo que, o desenvolvimento sustentável deverá respeitar as limitações ecológicas, preservando a quantidade e a qualidade do capital natural, no sentido de um equilíbrio entre os três pilares da sustentabilidade, e não a procura de um ótimo unidimensional (Barbier, 2002; Joumard & Gudmundsson, 2010). Segundo Ekins et al. (2003), na metodologia científica, esta última abordagem referida é a preferida como ponto de partida num estudo empírico.

Um conceito intermédio entre estas duas abordagens é o chamado “capital natural crítico” definido por Ekins et al. (2003: 6) como o “ capital natural que é responsável por importantes

funções ambientais e que não pode ser substituído na prestação dessas funções pelo capital manufaturado”, apesar de tal não significar que se possa caracterizar determinados elementos

naturais como sendo intrinsecamente “críticos” ou “não críticos”. Atualmente os economistas concordam que uma parte do ambiente não é substituível, nem passível de ser valorizada como uma receita ou valor de capital, devendo ser gerida de acordo com os limites críticos, enquanto a maioria dos ambientalistas concorda que nem todas as unidades na natureza têm de ser preservadas inalteradas para todo o sempre, mas tendo sempre em conta a escala a que ocorre a destruição (Joumard & Gudmundsson, 2010). Desta forma, no centro deste debate está a questão do ambiente ter ou não um papel "essencial" na manutenção do bem-estar humano e, caso sim, se serão necessárias "regras de compensação" especiais que garantam que as gerações futuras não venham a ser prejudicadas pelo esgotamento do capital natural atual (Barbier, 2002).

4.4 OS RECURSOS NATURAIS NO CONTEXTO DO TURISMO

O turismo é uma atividade ambivalente em relação ao ambiente (Cunha, 2003), e no contexto da sustentabilidade, os constrangimentos ambientais desempenham um papel importante na determinação dos tipos e limites apropriados de desenvolvimento (Fennell & Butler, 2003), com implicações para o desenvolvimento turístico nos destinos. Por exemplo, o conceito de “capacidade de carga” - que segundo Goldsmith (1974, citado por Hillery, Nancarrow, Griffin & Syme, 2001) pode subdividir-se nas categorias: físico, ecológico, económico e percecionado (este último, relativo à experiência do visitante) - deriva do reconhecimento de que as atrações naturais podem ter limite potencial para o turismo (idem). Geralmente, os recursos água e energia estão na base das principais preocupações, dado serem bastante utilizados pelo sector do turismo nas áreas recetoras, superando, na maioria das vezes, os níveis de uso da população local (Farsari & Prastacos, 2001). O potencial natural pode ser considerado o fator decisivo na

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localização da maioria das atividades de turismo e recreação, determinando tanto o uso funcional da terra como a distribuição espacial (Frantál & Kunc, 2011), podendo os elementos naturais complementar e providenciar o contexto para as atrações culturais (Hall, 2004). A natureza está também no cerne da compreensão popular de ruralidade mas, apesar do meio rural ser valorizado como um “local de natureza”, a proteção do meio natural é muitas vezes negligenciada (Woods, 2005). O ambiente natural das áreas rurais revela-se particularmente frágil e suscetível de ser danificado pelo desenvolvimento turístico (cada vez mais encarado como alternativa económica na revitalização destes locais), pelo que os custos ambientais assumem uma especial importância, dada a possibilidade de degradação, e até destruição, dos recursos rurais (sujeitos a uma variedade de usos) que inicialmente constituíram a motivação da visita à área rural (Cánoves

et al., 2004). Desta forma, perante as presumíveis mais-valias económicas diretas e efeitos

multiplicadores proporcionados pelo turismo, coloca-se a questão de como compatibilizar o crescimento previsto do sector com o uso racional e sustentável dos seus inputs de produção a longo prazo, desafio complexo dada a íntima relação do turismo com os recursos naturais (Silva & Perna, 2009). Tal situação constitui o “paradoxo do turismo”, pois “quanto mais bem sucedido for

um local na oferta de um ambiente agradável para férias, mais visitantes atrairá e maior será o potencial de impactes negativos na qualidade ambiental do destino turístico” (p. 478), pelo que a

sua resolução tem de garantir altos níveis de bem-estar dos visitantes utilizando a menor quantidade possível de recursos naturais (idem).

Sharpley e Telfer (2002) afirmam que o turismo poderá inclusivamente ajudar a valorizar ativamente os recursos naturais, ao invés de ser um agente de degradação. Por exemplo, a valorização dos recursos naturais em países menos desenvolvidos, poderá ser feita através da aplicação de mecanismos financeiros inovadores (como o pagamento de serviços do ecossistema ou “eco-taxas”), sendo que o acrescentar dessa receita adicional na sua economia, visando a proteção ambiental, poderá gerar novas atividades económicas no sector ao mesmo tempo que previne a desvalorização dos ativos turísticos (idem). Deste modo, sendo os recursos naturais a fonte local de matéria-prima e de valor acrescentado, as suas características aprazíveis (“amenities”) são consideradas, cada vez mais, como determinantes importantes no crescimento das regiões melhor dotadas (Marcouiller et al., 2004), caso das zonas rurais, podendo proporcionar a estas uma vantagem competitiva no mercado global. Mas é necessário ter em consideração as dimensões económica, social e ambiental para se compreender a relação entre os atributos atrativos, o turismo e a distribuição de receitas no âmbito do planeamento do espaço rural (Marcouiller, Kim & Deller, 2004), visando garantir a “sobrevivência” da atividade turísitica no destino (Cunha, 2003) e o bem-estar das comunidades anfitriãs.

Os autores Fennell e Butler (2003) exploraram a relação entre o turismo e o ambiente através do desenvolvimento de um modelo de organização espacial de um sistema de turismo local (FIGURA 5), tendo em conta que num destino turístico atuam diferentes stakeholders, com distintas características, necessidades e expectativas.

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FIGURA 5 – Organização espacial de um sistema de turismo local Fonte: adaptado de Fennell e Butler, 2003: 201

Com base no contexto espacial, estes autores sugerem que os turistas ocupam um destino turístico como parte de um sistema apoiado numa base de recursos (onde estão incluídos elementos como os recursos hídricos, a flora e a fauna) que, a nível temporal, vão sendo transformados pelas atividades humanas (caso do turismo), desenvolvimento de tecnologia e criação de infra- e superestruturas, manifestando-se em diferentes tipos de relações entre

stakeholders, de acordo com a forma como utilizam a base de recursos naturais. No caso da

relação do tipo “predatória” um determinado stakeholder aparece como figura dominante, tendo um alto nível de impacte e influência sobre os restantes e o meio; na relação “competitiva” existe livre concorrência pelos recursos entre todos os stakeholders; na relação “neutra” é baixo o impacte sobre outros stakeholders ou sobre a base de recursos; e na relação “simbiótica” existe uma coexistência partilhada ou benéfica entre os stakeholders, ou entre estes e o meio (idem). Verifica-se, desta forma, a complexidade no uso dos recursos de um destino turístico, quer pelos

stakeholders do sector do turismo quer por outros utilizadores e sectores de atividade.

As atividades turísticas devem, então, assegurar os direitos e responsabilidades dos indivíduos, permitindo aos membros da comunidade anfitriã, que queiram prosseguir com as suas competências e ligações tradicionais aos recursos naturais, que o possam continuar a fazer, podendo até contribuir para a sua valorização, pelo que o desenvolvimento turístico deverá incentivar uma relação benéfica e não conflituosa com o modo de vida de cada residente da comunidade (Ashley & Roe 1998, citados por Simpson, 2008). Assim, este sector deverá ajudar a alavancar uma relação “simbiótica” entre os diversos stakeholders, e entre estes e a utilização da base de recursos, permitindo que todos possam beneficiar. Como defende Partidário (2003), no âmbito da sustentabilidade do turismo em espaços naturais, há a necessidade de uma maior interdependência entre o turismo (“uso dos recursos”), o ordenamento do território (“gestão dos recursos”) e o ambiente (“capital de recursos”), num processo sinérgico, evitando desta forma a degradação da sua base de suporte - o capital natural (e também o cultural).

BASE DE RECURSOS(água, vegetação, vida selvagem, etc.)