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Funções da EJA

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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 A EJA Como Modalidade de Educação Profissional

2.3.3 Funções da EJA

São alarmantes os dados da educação brasileira, pois apenas 46% dos jovens têm acesso ao ensino médio, sendo que mais da metade em turno noturno e grande parte na modalidade supletivo. A desigualdade aumenta quando se analisa por região, sendo que no campo apenas 12% frequenta o ensino médio na idade/série correspondente. Segundo pesquisa do INEP em parceria com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 2004, das 8.679 escolas existentes em assentamentos, apenas 373 ofereciam o ensino médio (FRIGOTTO, 2007). O Censo 2006 apontou para a diminuição de 94 mil matrículas no ensino médio regular em relação a 2005, e para um aumento de 114 mil no mesmo nível da EJA, ensejando a hipótese de migração destes estudantes. Os dados apontam para um desemprego de inserção de 42,3% dos jovens e neste panorama, programas como o Programa Nacional de Inclusão de Jovens (PROJOVEM), a controvertida Escola de Fábrica e o PROEJA passaram a ter grande ênfase política (FRIGOTTO, 2007).

Carneiro, ao comentar a atual LDBEN atem-se ao artigo 37, pois na sua concepção a população com necessidade de atendimento educacional tardio se distribui em três grupos:

Primeiro, aqueles reconhecidamente analfabetos; segundo, aqueles que foram à escola, passaram ali pouco tempo e, portanto, não tiveram tempo de sedimentar o que haviam superficialmente aprendido (são os analfabetos funcionais); terceiro, aqueles que estiveram na escola em momentos intermitentes. Todos estes carecem de uma política própria de atendimento, capaz de lhes conferir os meios adequados para a superação ou da escolarização que não ocorreu ou que ocorreu de forma inadequada. (CARNEIRO, 1998, p. 103).

O autor aduz que a LDBEN não apenas assegurou a oferta de oportunidade escolar à população de jovens e adultos situados fora da idade própria, mas estabeleceu a necessidade de toda uma abordagem pedagógica, incluindo conteúdos, metodologias, tipologias de organização e processos de avaliação diferenciados daqueles que se acham na escola em idade própria. Sobre o artigo 38 da LDB que trata da obrigatoriedade dos sistemas de ensino manterem cursos e exames supletivos, Carneiro esclarece que os cursos são programas regulares, desenvolvidos em um período certo de tempo e ministrados através de processo escolar. Os exames são realizados à parte dos cursos, portanto, fora do processo. Os cursos são estudos sistemáticos de aprendizagem, embora não necessariamente presenciais e podem também alternar as modalidades presencial e semi-presencial (CARNEIRO, 1998).

Buffa et al. vislumbram o Brasil como um país capitalista típico com uma indústria competitiva, inclusive internacionalmente, só que o capitalismo não ocorre nos moldes da Europa. A realização do capital se faz à custa da marginalização da maioria dos brasileiros, “então fica a questão: como conseguir que, no limiar do século XXI, os brasileiros se

transformem em cidadãos?” (BUFFA et al., 2002, p. 29).

É possível dizer que uma forma de se conseguir que os cidadãos brasileiros exerçam a cidadania é lutando por espaços nos fóruns de discussão acerca de assuntos de interesse social. Arroyo age acertadamente quando trata de questões ligadas à “domesticação ideológica” e não se pode esperar que apenas o que ocorre dentro dos espaços intramuros escolares possibilite a inserção dos cidadãos da forma como deve ser.

Para Arroyo, da educação se espera o milagre de configurar o novo homem livre para o novo mercado econômico, social e político, pois se pode criticar e afastar

O fantasma da “domesticação ideológica”, porém, não é fácil afastar e menos ainda defender as formas sinuosas e sutis através das quais a vinculação entre educação e cidadania, como precondição para a participação, vem agindo durante séculos para justificar a exclusão da cidadania, a condenação das camadas populares à condição de incivilizados, de não-aptos como sujeitos de história e de política, e a legitimação da repressão e desarticulação das forças populares por teimarem em agir politicamente fora das cercas definidas pelas elites civilizadas como o espaço da liberdade e da participação racional e ordeira. (ARROYO, 1993, p. 39).

O campo da EJA está repleto de desafios a começar pela contradição entre a legislação da área envolvendo a Constituição Federal, a LDBEN e o Parecer 11/2000 do CNE, que apresentam avanços e garantem direitos frente às políticas governamentais de caráter compensatório, que atribuem à EJA um papel menor. Ao comentar o parecer CEB/CNE 11/2000, Oliveira e Paiva explicitam que a EJA possui três funções básicas:

[...] a reparadora, que devolve a escolarização não conseguida quando criança; a equalizadora, que cuida de pensar politicamente a necessidade de oferta maior para quem é mais desigual do ponto de vista da escolarização; a qualificadora, entendida esta como o verdadeiro sentido da EJA, por possibilitar o aprender por toda a vida, em processos de educação continuada. (OLIVEIRA; PAIVA, 2004, p. 31).

As funções reparadora e a equalizadora atribuíram o caráter de fazer cumprir o dever do Estado de assegurar o direito de todos à educação reduzindo a desigualdade entre os que a tiveram e aqueles aos quais o acesso foi interditado, que geralmente associa-se a uma terceira função de natureza qualificadora. Esta função revela o verdadeiro sentido da EJA, compreendida na perspectiva da formação do indivíduo para o exercício da cidadania em sua plenitude, por meio do desenvolvimento e da prática do pensamento crítico e autônomo de cidadãos que participem ativamente, que sejam plenamente conscientes de seus direitos sociais e de sua inserção no mercado de trabalho, compreendido como elemento essencial ao processo de omnização do ser humano e de produção cultural (MEC, 2007).

Ao atender a população historicamente excluída do sistema educacional e da sociedade, representada pelos sujeitos fora da idade própria para o nível de ensino, o PROEJA busca realizar a função reparadora, ou seja, consertar as falhas cometidas pelo Estado em momentos anteriores nos quais não propiciou as condições para a escolarização desta população (HOTZ, 2008).

Ainda para Hotz, o exercício da função reparadora presume que seja dada à população oportunidade de acesso à educação, reduzindo as desigualdades existentes e muito perceptíveis entre os estudantes do PROEJA e os que tiveram acesso à escola na idade própria. Essa diminuição das desigualdades e o acesso a oportunidades de escolarização,

qualificação e trabalho, consistem em outra função destinada ao programa: a equalizadora (HOTZ, 2008).

Para o MEC a função equalizadora deve ocorrer juntamente com a função qualificadora do programa que pretende contribuir para a formação e colocação de mão-de- obra, nos termos do Documento Base:

[...] a formação humana, no seu sentido lato, com acesso ao universo de saberes e conhecimentos científicos e tecnológicos produzidos historicamente pela humanidade, integrada a uma formação profissional que permita compreender o mundo, compreender-se no mundo e nele atuar na busca de melhoria das próprias condições de vida e da construção de uma sociedade socialmente justa. A perspectiva precisa ser, portanto, de formação na vida e para a vida e não apenas de qualificação do mercado ou para ele. (BRASIL, 2006, p. 7).

A função compensatória do Estado atribuída ao PROEJA, diz respeito à readequação do Estado concebida na década de 1990, conforme demonstram documentos da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e da Organização das Nações Unidas (ONU) (CEPAL/UNESCO, 1995), que determinam que, além de outras responsabilidades, o Estado deve estabelecer maior grau de igualdade entre os cidadãos.

Para Hotz, ao qualificar os alunos para o exercício de profissões, com vínculo empregatício ou por conta própria, o importante é que o indivíduo busque a melhoria de suas condições de vida, aliás, o PROEJA estaria exercendo a função equalizadora, visto pressupor que elevando a escolarização e a qualificação da população urbana, o indivíduo alcançará sua integração social, ou seja, trabalhar e reduzir sua condição de pobreza colaborando até mesmo para o desenvolvimento do país (HOTZ, 2008).

A política social é estratégia fundamental na manutenção do capitalismo, visto que por meio dela o Estado protege, financia e suporta os efeitos destrutivos do capital. Ao se analisar as pretensões do PROEJA, indaga-se em que medida ele pode beneficiar e continuar pressionando o Estado para que essa política social se efetive com ganhos para a classe trabalhadora. Embora o PROEJA seja uma política educacional e social financiada pelos organismos internacionais e adequada às intenções da acumulação capitalista certamente traz benefícios à classe trabalhadora. Ela possibilita o acesso à educação e à profissionalização, elevando o nível de escolaridade de uma população historicamente excluída. A educação profissional nesta perspectiva possibilita aos trabalhadores estudantes e egressos do PROEJA a inserção no mercado de trabalho em ocupações formais e rentáveis (HOTZ, 2008).

Frigotto, acolhendo os ensinamentos de Gramsci, considera que o homem concreto é concebido como uma síntese das relações sociais que ele estabelece na produção de sua existência. A questão da desqualificação da escola para a classe trabalhadora, por meio do mito da vocação ou não-vocação, o sucesso ou o fracasso escolar como resultantes do prêmio ou castigo pelo esforço ou displicência individual, enfim, as pseudo-explicações para os bloqueios no acesso e no percurso escolar somente serão apreendidas concretamente na medida em que se tenha a cisão da sociedade de classe como ponto de partida. O que interessa ao modo de produção capitalista não é a utilidade dos bens para seus produtores, mas a troca; não é o trabalho humano em si, mas a quantidade de trabalho disponível (FRIGOTTO, 1984).

A adoção de um olhar mais consciente e autônomo por parte do sujeito sobre si mesmo e sobre o outro propicia o estabelecimento do diálogo. Mas não se trata somente do diálogo professor-aluno, pois o mais importante é a palavra na voz dos sujeitos alunos e professores. A posição de mediador do professor não significa a retirada de sua centralidade no processo pedagógico, pois orienta a discussão, traça caminhos, corrige rumos, sendo um

trabalhador ativo (FERREIRA; GARCIA, 2005). Enfim, é preciso repensar a EJA adequando suas concepções norteadoras aos anseios da sociedade e aos ditames da nova ordem social.

2.4 A Evasão Escolar no PROEJA

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