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Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento

3. Alterações nas estruturas e nas funções (deficiências) e AVC

3.2 Alterações nas funções

3.2.6 Funções neuromusculoesqueléticas e relacionadas com o movimento

Funções musculares e tónus muscular

Após o início de um acidente cérebrovascular, o sinal clássico da grande maioria dos casos é a hemiplégia ou hemiparésia (flacidez ou tónus baixo sem movimentos activos). Na fase inicial é comum a flacidez, sem movimentos voluntários, podendo variar de um pequeno período até semanas ou meses, normalmente acompanhado pelo desenvolvimento do retorno da função muscular e aumento de tónus (Stokes, 2004).

Após esta fase, usualmente o tónus dos membros afectados pode progredir para padrões motores de espasticidade e descoordenação (Ryerson, 1994; Judite, 2004; Thompson et al., 2005). A instalação da espasticidade (aumento da tonicidade dos músculos anti-gravíticos) surge, assim, nos grupos flexores para o membro superior e grupo extensor do membro inferior (Stokes, 2004; Judite, 2004; Thompson et al., 2005), podendo levar ao desenvolvimento de alterações posturais, ou seja, ao aparecimento de um hemiplégico gravemente incapacitado. Com frequência assistimos à substituição do estádio de flacidez por padrões motores de espasticidade, que têm como efeitos a limitação dos movimentos e a postura estática dos membros (Stokes, 2004). O tónus inicial pode, assim, mudar gradativamente, por 18 meses ou mais. Na presença de hipotonia, o tónus é demasiado baixo para dar início ao movimento, há falta de resistência ao movimento passivo e o doente é incapaz de manter o membro

em qualquer posição. Com o desenvolvimento da hipertonia surge uma resistência ao movimento passivo e o movimento activo torna-se difícil ou impossível. Depois de um AVC, mais de dois terços dos indivíduos experienciam hipertonia espástica, o que contribui para a incapacidade motora e agravamento da funcionalidade (Elizabeth, Davies e Carolynn, 2005). Distúrbios como encurtamentos ou contraturas musculares, tónus muscular anormal, clónus, limitação dos movimentos articulares e défice de actividade muscular são também frequentes no pós AVC.

Os reflexos posturais estão frequentemente aumentados, em associação com a fase de recuperação na qual se situa o doente, sendo normalmente o reflexo tónico cervical simétrico, o reflexo tónico cervical assimétrico e o reflexo labiríntico simétrico os mais afectados (Lundy-Ekman, 2007). A incoordenação pode ocorrer devido ao envolvimento cerebral ou dos gânglios da base, perdas proprioceptivas ou debilidade motora.

Os danos funcionais decorrentes da incapacidade motora variam de indivíduo para indivíduo, surgindo geralmente a incapacidade de rolar, sentar-se, transferir-se, ficar de pé e caminhar em resultado da lesão. Estes problemas são significativos para o doente, influenciando, assim, as actividades da vida diária (AVD), como a alimentação e o vestir e despir, entre outros. Face às situações de hemiplégia, a hemiparésia tem melhor capacidade de recuperação funcional, dado não existir uma perda completa da actividade.

Função de controlo do movimento voluntário

Os distúrbios a nível do controlo postural representam, muito provavelmente, a principal deficiência pós AVC (Carr e Shepherd, 2003; Liaw et al., 2007).

Huxham, Goldie e Patla (2001) definem o equilíbrio como sendo constituído pelo controlo do equilíbrio e pelo controlo postural. Estes autores afirmam que a necessidade de manter o centro de massa do corpo dentro dos limites da base de sustentação está inerente ao controlo do equilíbrio, componente fundamental para que se mantenha a estabilidade entre o corpo e as suas partes, face às forças de aceleração angulares ou lineares que afectam esta relação. Por sua vez, o controlo postural permite manter uma postura numa determinada posição, e contrabalançar qualquer movimento que altere a projecção da linha de gravidade dentro da base de sustentação (Huxham, Goldie e Patla, 2001).

Os défices no equilíbrio são comuns em utentes após AVC (Carr e Shepherd, 2003; Liaw et al., 2007). O recrutamento muscular normal do tronco e dos membros

superiores e inferiores, e nomeadamente os ajustes posturais antecipatórios, fica alterado, deixando de haver um padrão de movimento normal, o que se traduz numa alteração da função (Ustinova et al., 2004).

Podemos, assim, definir o controlo postural como a habilidade de manter a relação apropriada entre os segmentos corporais e o ambiente, dependendo o mesmo do controlo do alinhamento corporal e do tónus em relação à gravidade, à superfície de suporte, às referências internas e às informações sensoriais. Para além das informações somatosensoriais, o controlo postural depende igualmente das capacidades visuo-espaciais, vestibulares e do processo cognitivo, frequentemente alteradas nos pacientes pós AVC.

O desempenho postural dos pacientes logo após um AVC está intimamente correlacionado com a deficiência a longo prazo (Liaw et al., 2007).

Funções do membro superior – mão

Como já referido, de entre as principais consequências de um AVC estão as relacionadas com a mobilidade, sendo a hemiplégia um problema frequente. A incapacidade motora tem influência marcante no contexto de vida do paciente, pois representa limitação na capacidade funcional global para as actividades quotidianas como mover o segmento corporal comprometido (braço, mão, perna), manusear objectos, instrumentos de comunicação, de trabalho, utensílios domésticos, andar, cuidar da sua higiene pessoal, exercer uma profissão, etc. (Kluding e Billinger, 2005).

Uma das sequelas mais frequentes, e que limita a autonomia dos utentes nas actividades da vida diária após o AVC, é a deterioração da função do membro superior, podendo levar à incapacidade permanente (Kluding e Bellinger, 2005). A recuperação funcional do membro superior pode ser evidenciada através de actividades como agarrar, pegar e manipular objectos, sendo que estas funções diárias permanecem com défices em 55% a 77% dos sobreviventes de AVC mesmo três a seis meses após o AVC (Lai et al., 2002, cit. por Alon et al., 2003).

A função básica da mão consiste na preensão, de forma correcta, dos vários objectos nas actividades quotidianas. Contudo, o movimento do agarrar, por si só, tem pouca valia se a capacidade de o manter sofrer algum tipo de perturbação. Apesar das funções específicas, a função da mão não pode ser considerada isoladamente, fazendo parte de um todo integrado que possibilita o desempenho do braço. A mão não pode funcionar de forma independente, para a optimização da força e da potência; ela tem que estar em continuidade com o antebraço, ombro, e pernas

(ninguém pode levantar um objecto pesado sentado). No entanto, a conexão mais importante é com o cérebro que recebe todas as informações da mão e do qual saem todas as ordens para a mão e para o corpo (Kluding e Bellinger, 2005).

A presença das deficiências enunciadas nos doentes pós AVC, a sua severidade e acumulação determinam e alteram o quotidiano de cada um na sua relação com ele próprio, com os outros e com o meio ambiente. Estas são parte ou uma expressão de uma condição de saúde, neste caso do AVC; contudo, não indicam necessariamente a presença de uma qualquer limitação de actividade ou restrição de participação específica. A linearidade das relações não está necessariamente presente ou não é ainda completamente percebida.