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Funções Sociais e Comunicativas da Escrita

1 A PRODUÇÃO DE TEXTOS ESCOLARES

1.2 Funções Sociais e Comunicativas da Escrita

Nas sociedades letradas, a escrita está presente de forma constante na vida das pessoas, atuando de maneiras diversas nas suas atividades diárias: no trabalho, na família, na escola, na vida social em geral. A escrita cumpre, assim, diferentes funções sociais e comunicativas na vida da comunidade e responde a um propósito funcional, pois é a escrita que possibilita a realização de atividades sociocomunicativas entre as pessoas e está em relação com os diversos contextos sociais em que essas pessoas atuam. A escrita foi criada para suprir as necessidades das pessoas. É sabido que o homem inventou a escrita, há milhares de anos, quando só a oralidade não estava mais atendendo a todas as suas necessidades. Toda escritura tem uma razão de ser, um propósito, conforme Antunes (2003, p. 48),

Socialmente, não existe a escrita “para nada”, “para não dizer”, “para não ser ato de linguagem”. Daí porque não existe, em nenhum grupo social, a escrita de palavras ou de frases soltas, de frases inventadas, de textos sem propósito, sem a clara e inequívoca definição de sua razão de ser.

Não obstante essa concepção, muitos professores ignoram essa verdade e fazem da atividade de escrita uma atividade descontextualizada, uma tarefa para exercitar o uso do código, das regras gramaticais de ortografia e sintaxe, enfim, uma atividade sem uma reflexão sobre o uso da língua escrita, uma tarefa enfadonha, sem atrativos, que não desperta o interesse do aluno. O que acontece, nessas atividades, é a retirada do aluno de um contexto de interação, a serviço de um

aparato de construção lingüística artificial e descontextualizado, que não desenvolve sua capacidade para que se torne um produtor e um leitor proficiente.Tal é o modelo favorecido em muitas instituições escolares, descontextualizado e com ênfase no alto grau de informatividade, já que o que se busca nessas atividades é capacitar o aluno a construir um texto escrito, cuja função é a satisfação de um objetivo escolar. A escola não reconhece, assinala Brito (1995), que, além do exercício da gramática normativa da frase, há outros aspectos mais responsáveis do que esses pelo grau de argumentação, de informatividade e propósitos intersubjetivos do texto.

Dessa forma, o que se pratica nas instituições escolares, vale ressaltar, é, geralmente, a realização de um evento de escrita artificial, que, obedecendo a um ritual, não desperta o interesse do aluno, já que a motivação para a interação é ditada de fora, do exterior. Não havendo uma interação natural, o aluno participa do processo de produção sem ser instado por uma situação consentida de interlocução. Ele não sabe para quem está escrevendo, com quem está interagindo, tampouco sabe por quê e para quê está escrevendo. Escreve-se num ritual escolar, para cumprir objetivos escolares: o aluno só sabe que está escrevendo porque o professor (seu interlocutor primeiro) mandou que escrevesse. Assim, conforme assinala Britto (2004), a linguagem deixa de cumprir qualquer função real e passa a construir uma situação artificial em que o aluno se vê obrigado a escrever sobre um assunto em que não havia pensado e num momento que não escolheu e ainda tendo que demonstrar que sabe escrever.

Como esperar êxito de uma atividade mutilada de seus componentes fundamentais (interlocutores, razões de dizer), subtraída de motivações internas, uma atividade em que o aluno não se vê inscrito e que não lhe faz nenhum sentido? Assim, é razoável defender que enquanto a escola insistir em ensinar ao aluno formas funcionalmente não motivadas, a prática de produção textual continuará fadada ao fracasso. Nesse caso, advoga Kato (2003), é preciso criar situações que levem o próprio aluno a buscar novas formas em função daquilo que ele quer comunicar. Entendemos, aqui, que é a necessidade que dá forma às estratégias do dizer. As práticas de comunicação configuram os diversos gêneros de textos apropriados para cada situação específica. É isso que a autora (Ibid., p. 106) postula ao tratar da aquisição da escrita por crianças não alfabetizadas, conforme trecho transcrito:

Na história do homem, vimos ainda que foi a necessidade de transmissão de conhecimentos coletivos que o levou a “inventar” a forma escrita dissertativa, substituindo a forma homílica. Portanto, são necessidades reais funcionais que levam o homem a escrever e a procurar novas formas dentro dessa modalidade.

Em sintonia com esse pensamento, Kleiman (2000, p. 242) defende que “[...] a dificuldade do processo de ensino aprendizagem da escrita reside, em parte, na ausência de funções relevantes, dentro do contexto de sala de aula, para os usos sociais da escrita[...]”. A autora advoga ainda que o ensino da escrita para preencher funções sociais que a língua oral já preenchia, sem a inserção numa prática social significativa, pode ser extremamente confuso para o aluno, porque não lhe faz sentido.

O que se nota é que falta, nas aulas de produção textual, inserir a escrita em eventos reais, concretos, de comunicação, situações que motivem o ato lingüístico, fazendo com que as expressões verbais fluam naturalmente, realizando o propósito a que se destinam na interação: de uma comunicação bem sucedida. É evidente a necessidade de se pensar estratégias de escrita que forneçam as ferramentas de que o aluno-escritor precisa para fazer o texto avançar – o texto progride quando há na sua construção uma finalidade, um objetivo que se persegue. Nesse sentido, Mendonça (2001) enfatiza a necessidade de se criar para a atividade de escrita uma situação de uso real, uma situação de vida que condicione o uso lingüístico. Enquanto isso não acontecer, não vai existir uma produção real de texto na escola, e os alunos vão continuar produzindo redações para o professor, preenchendo um arcabouço que nada sustenta, sem função. Isso vem conferir atualidade à afirmação de Geraldi (2004, p. 90) de que “na escola não se escrevem textos, produzem-se redações. E estas nada mais são do que a simulação do uso da língua escrita”. Ou seja, a situação de produção é artificial, fictícia, sem um caráter interlocutório.

Enquanto não for dada uma dimensão dialógica à atividade de escrita, inserindo-a em um contexto de interação social em que se considerem interlocutores reais e motivação interna para essa atividade, vai continuar havendo uma atividade monológica e artificial que anula a presença de um leitor, e os alunos continuarão

sem nenhum interesse de produzir linguagem. Assim, o que se postula é a recuperação da atividade de produção de textos como um trabalho dialógico, como uma atividade em que o aluno deseja dizer alguma coisa para alguém. Nessa perspectiva, há de a escola valorizar o que dizer e para quem dizer.

Koch (1997, p. 22) postula a produção textual como uma atividade interacional, criativa e consciente. Segundo ela, a produção textual é uma atividade verbal, a serviço de fins sociais e, portanto, inserida em contextos mais complexos de atividades; trata-se de uma atividade consciente, criativa, que compreende o desenvolvimento de estratégias concretas de ação e a escolha de meios adequados à realização dos objetivos; isto é, trata-se de uma atividade intencional que o falante, em conformidade com as condições sob as quais o texto é produzido, empreende, tentando dar a entender seus propósitos ao destinatário através da manifestação verbal; é uma atividade interacional, visto que os interactantes, de maneiras diversas, se acham envolvidos na atividade de produção textual.

É esse modelo de escrita – postulado por Kleiman (2000), Mendonça (2001), Antunes, (2003), Britto (2004) e muitos outros autores que se ocupam da produção de textos – que deve ser ensinado na escola: uma atividade com objetivo, não apenas o preenchimento de um arcabouço; uma atividade consciente e inserida em um contexto real de interação, não um modelo aleatório e artificial – um “faz-de- conta” da escrita; enfim, uma atividade interlocutiva, com propósito, destinada a um interlocutor real, e não uma atividade fortuita que independe das intenções do autor.

Assim, defende-se, em harmonia com os ensinamentos de Kleiman (2000), que, para um trabalho produtivo com texto, é necessário, antes de tudo, considerar o aluno como figura central do processo de ensino-aprendizagem. Colocando o aluno como foco do processo, a atividade de produção de textos melhor fluirá na escola, uma vez que serão considerados os saberes e experiências desses alunos (o que eles têm a dizer); suas intenções, motivações e objetivos para interagir com um interlocutor real (razões para dizer e a quem dizer). Infere-se daí que, quando se trata de produção de texto, necessário se faz construir funções sociais para o ato de escrever, mediante a inserção das atividades em práticas significativas. O produtor deve ter conhecimento das estratégias de construção do texto, bem como ser preparado para saber que tipo de linguagem, e de texto, é adequado dentro de cada prática social. Essa competência leva-o a diferenciar os diversos gêneros de texto e

optar pela forma mais adequada em cada contexto de comunicação. Só mediante essa prática, a escrita passará a constituir um processo de interação verbal, portanto uma atividade natural, fincada numa situação de vida real, que motiva o uso lingüístico.

2 MODALIZAÇÃO: MANIFESTAÇÃO DA SUBJETIVIDADE NA