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Os estudos sobre a língua/linguagem que passaram a vigorar a partir do início do século XX, se definiram como do âmbito da Linguística, ciência definida a partir da obra póstuma de Ferdinand de Saussure, em 1916, o Cours de linguistique générale, no qual se apresentam os fundamentos que fizeram com que essa área se tornasse de fato uma ciência autônoma.

Para tanto, a principal contribuição foi definir seu objeto de pesquisa: a língua, essa vista como um sistema independente, estruturado, que funciona independente de seus usuários. Por outro lado, a fala, a parte que diz respeito aos usos concretos de uma língua, tendo em vista as formas como a língua é empregada numa sociedade e que serve como meio de comunicação, foi deixada de lado.

Essa é uma crítica que não pode ser levada a cabo como negativa sobre o mestre genebrino, uma vez que era necessário, naquele momento, definir um objeto que fosse capaz de ser investigado por uma ciência exclusiva da linguagem.

A fala, pensada como os usos reais de uma dada língua, por sua vez, tornou- se alvo de outros estudiosos, os quais buscaram compreendê-la sobre diferentes perspectivas, incluída aí os estudos voltados para os aspectos pragmático- discursivos, portanto, a função.

O termo “função” parece não demonstrar consenso em relação ao seu conceito, por apresentar um caráter polissêmico. De acordo com Martelotta e Kenedy (2015, p. 12), citando Nichols (1984),

[...] função é um termo polissêmico e não uma coleção de

homônimos. Todos os sentidos do termo de certa forma se relacionam, por um lado, com a dependência de um elemento estrutural com elementos de outra ordem ou domínio (estrutural ou não estrutural) e, por outro lado, como o papel desempenhado por um elemento estrutural no processo comunicativo, ou seja, função comunicativa do elemento (NICHOLS, 1984, apud MARTELOTTA; KENEDY, 2015, p. 12).

Ainda sobre o termo “função”, Castilho (2012, p. 17) declara que esse termo se refere a, pelo menos, três concepções distintas. A primeira ao uso das línguas com o objetivo específico; a segunda diz respeito às relações que os signos linguísticos

estabelecem entre si; e a terceira que reflete sobre “os papéis assumidos pelos constituintes de uma sentença”. Ainda segundo esse estudioso, é a primeira concepção que é atribuída ao funcionalismo, ou seja, aos estudos que se voltam aos usos linguísticos com propósitos definidos, evidenciando-se, portanto, a competência comunicativa do falante, uma vez que é através da linguagem que a comunicação se efetiva.

Nessa perspectiva, houve vários estudiosos que levaram em consideração a função comunicativa da linguagem, no qual repensar o contexto de uso de uma língua passou a ser o centro das preocupações, dentre eles destaca-se Martinet (apud NEVES, 1997, p. 5, grifo da autora), para o qual o termo “funcional só tem sentido para os linguistas ‘em referência ao papel que a língua desempenha para os homens, na comunicação de sua experiência uns aos outros’”.

Neves (1997, p. 2) acrescenta que

[...] qualquer abordagem funcionalista de uma língua natural, na verdade, tem como questão básica de interesse a verificação de como se obtém a comunicação com essa língua, isto é, a verificação do modo como os usuários da língua se comunicam diferentemente (NEVES, 1997, p. 2).

Percebe-se que há uma distinção significativa aos ideais propostos por Saussure, enquadrando-se seus pensamentos no que se convencionou chamar de formalismo, em oposição ao funcionalismo.

Conceber a língua como um sistema autônomo, fechado em si mesmo, era a principal concepção formalista, ou seja, preocupava-se com a “forma”, as estruturas linguísticas, a língua em si mesma. O funcionalismo, por sua vez, “privilegia a função comunicativa como papel predominante das línguas” (REGO, 2009, p. 53).

Sendo assim, pode-se entender o funcionalismo como uma corrente linguística que

[...] se preocupa em estudar a relação entre a estrutura gramatical das línguas e os diferentes contextos comunicativos em que elas são usadas. Assim, a abordagem funcionalista apresenta não apenas propostas teóricas distintas acerca da natureza geral da linguagem, mas diferentes concepções no que diz respeito aos objetivos da análise linguística, aos métodos nela utilizados e ao tipo dos dados utilizados como evidência empírica (CUNHA, 2008, p. 158).

O Funcionalismo, a partir de 1970, nos Estados Unidos ganhou vários adeptos, entre eles Sandra Thompson, Paul Hopper e Talmy Givón. O pensar nos usos de uma língua passou a ser o centro dos estudos linguísticos considerados funcionalistas, principalmente por haver uma concepção de língua/linguagem comum a todos os trabalhos que se inserem nessa área, conforme aponta Givón (1995, p. xv) no prefácio de sua obra,

All functionalists subscribe to at least one fundamental assumption

sine qua non, the non-autonomy postulate: that language (and

grammar) can be neither described nor explained adequately as an autonomous system (GIVÓN, 1995, p. xv)35.

Além disso, segundo Givón (1995, p. 9), algumas premissas são frequentemente mencionadas pelos linguistas que se consideram funcionalistas. São elas:

• language is a socio-cultural activity

• structure serves cognitive or communicative function • structure is non-arbitrary, motivated, iconic

• change and variation are ever-present

• meaning is context-dependent an non-atomic • categories are less-than-discrete

• structure is malleable, not rigid • grammars are emergent

• rules of grammar allow some leakage (GIVÓN, 1995, p. 9)36

Pensar nos usos linguísticos é pensar na competência comunicativa dos falantes e nos contextos de uso, sejam eles internamente (ou seja, refletir sobre a estrutura linguística e de que maneira ela se modifica para dar conta dos mais variados objetivos de realização) e externamente (considerando os papéis sociais experimentados por seus usuários).

Com essa breve reflexão sobre o funcionalismo, percebe-se que há vários caminhos de observação, tendo em vista os objetivos pretendidos por qualquer estudioso dos fenômenos da língua. Evidentemente, há uma base comum nessa

35 Todos os funcionalistas subscrevem pelo menos um pressuposto fundamental sine qua non, o

postulado de não-autonomia: que a língua/linguagem (e a gramática) não podem ser nem descritas nem explicadas adequadamente como um sistema autônomo (GIVÓN, 1995, p. xv).

36 “● a linguagem é uma atividade sociocultural; ● a estrutura serve a funções cognitivas e

comunicativas; ● a estrutura é não arbitrária, motivada, icônica; ● mudança e variação estão sempre presentes; ● o sentido é contextualmente dependente e não atômico; ● as categorias não são discretas; ● a estrutura é maleável e não rígida; ● as gramáticas são emergentes; ● as regras de gramática permitem algumas exceções.” (MARTELOTTA; KENEDY, 2015, p. 11).

corrente para classificar os mais diversos estudos como pertencentes a ela: a interação social, ou seja, “a consideração metodológica de que o componente discursivo desempenha um papel preponderante na gramática de uma língua” (PEZATTI, 2004, p. 176).

Uma vez compreendido como se dão os estudos sociolinguísticos de forma breve, e apresentados os pressupostos do funcionalismo, cabe pensar na relação existente nessas duas áreas, culminando no que se denomina como Sociofuncionalismo, a ser tratado no tópico seguinte.