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Os procedimentos aqui adotados para a análise da indeterminação em perspectiva histórica serão melhor compreendidos, após uma reflexão inicial sobre a tendência da atualidade pelos usos de sujeitos pronominais expressos, evidências essas apontadas por Tarallo (1983 apud DUARTE; MOURÃO; SANTOS, 2012) e Duarte (1993).

Segundo Duarte, Mourão e Santos (2012, p. 22), a redução do paradigma verbal do português brasileiro se iniciou com a introdução da forma “você” no quadro pronominal, sendo empregado alternadamente com o “tu”, cuja forma verbal reflete a flexão de terceira pessoa do singular; como também a inserção da forma gramaticalizada “a gente”, em concorrência com o pronome “nós”, porém com o verbo sendo empregado da mesma forma que o “você”, portanto, conjugado como se fosse de terceira pessoa do singular também.

Os autores Duarte, Mourão e Santos (2012, p. 23), a partir de sua pesquisa, apontam que havia uma preferência no padrão da língua no Brasil pelo uso do sujeito nulo, ou seja, pela oração sem sujeito expresso, até a segunda metade do século XIX e ao início do século XX. Parece que isso se deu, ainda de acordo com o mesmo estudo, quando da introdução do pronome “você”, em substituição ao pronome “tu”, registrado em 1930, em peças teatrais de Armando Gonzaga, no Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, o pronome “tu” já não era mais encontrado nesse mesmo gênero textual.

A forma “a gente”, como uma forma pronominal, tendo em vista ainda as observações de Duarte, Mourão e Santos (2012, p. 25), passa a figurar em peças teatrais nos anos de 1975 e 1990. Com essas observações, os autores consideram que “a 2ª pessoa aciona a mudança, a 1ª pessoa lhe dá continuidade”.

Vargas (2012, p. 46, grifos da autora) chama a atenção de que “tal mudança atinge também os sujeitos de referência arbitrária (indeterminada), que aparecem preferencialmente expressos pelos pronomes você e a gente”.

Dessa maneira, Duarte, Mourão e Santos (2012, p. 26, sic) retomam as conclusões a que chegou Duarte (1993), afirmando que

[...] a redução no quadro de desinências verbais alterou as características de língua de sujeito nulo do PB e que o comportamento diferenciado da 3ª pessoa revela que o licenciamento e a identificação de um sujeito nulo deixa de depender de um sistema flexional “rico”, passando a depender cada vez mais de um “reforço” externo ao elemento de concordância; o caráter anafórico da 3ª pessoa é, sem dúvida, o elemento a retardar o processo. (DUARTE; MOURÃO; SANTOS, p. 26, sic).

Uma vez perdida a flexão verbal, torna-se difícil a identificação do sujeito ao qual o verbo se refere, exigindo-se, portanto, o preenchimento dessa posição por um pronome sujeito ou qualquer outra forma, ou expressão equivalente que possa exercer essa função sintática. Isso se dá, principalmente, uma vez que “o processo de mudança em direção ao pronome expresso é influenciado fortemente pelo traço [+humano] do antecedente” (DUARTE; MOURÃO; SANTOS, 2012, p. 43).

Sendo assim, Vargas (2012, p. 47) afirma que

[...] o aparecimento dos sujeitos de referência indeterminada/arbitrária expressos [...] não seria outra coisa senão um efeito colateral da mudança que afeta os referenciais definidos, ou seja, um efeito dominó por que passa o PB. (VARGAS, 2012, p. 47).

A partir dessa inferência, Vargas (2012, p. 47) propõe o estudo sobre o sujeito indeterminado, com o objetivo de

[...] observar, ao longo do tempo, como se dá a implementação de formas nominativas expressas para representar os sujeitos indeterminados, em detrimento do uso do se indefinido (apassivador/indeterminador) e do sujeito nulo com verbo na 3ª pessoa do plural. (VARGAS, 2012, p. 47).

Para compreender melhor o tipo de sujeito objeto deste estudo, Cyrino, Duarte e Kato (2000, p. 57) propõem o seguinte esquema:

Hierarquia referencial

não-argumento proposição [-humano] [+humano]

3ªp. 3ªp. 2ªp. 1ªp.

[-espec] [+espec]

[-ref] [+ref]

Figura 16 – Esquema da hierarquia referencial adaptado e traduzido de Cyrino, Duarte e Kato (2000, p. 57)

A partir desse quadro (cf. figura 16 na página anterior), percebe-se que não estão contemplados os sujeitos de referência arbitrária, ou seja, os indeterminados, contudo Vargas (2012, p. 47) menciona que eles possuem um traço inerentemente [+humano], afirmando que

[...] os sujeitos indeterminados deveriam apresentar um preenchimento igual aos da 1ª e 2ª pessoas, situadas no ponto mais alto da hierarquia, justamente por não haver, como na 3ª pessoa, a interação com os traços [+/-humano] e [+/-específico]. (VARGAS, 2012, p. 47).

Com esse panorama, Vargas (2012, p. 48) propôs estudar a indeterminação do sujeito tendo como hipótese principal o fato de que as peças teatrais mais antigas evidenciariam uma preferência pela estratégia “se”, como também a 3ª pessoa do plural sem sujeito expresso ou sujeito nulo. Assim, a autora acreditaria que

[...] a confirmação dessa hipótese permitirá relacionar a tendência ao uso de formas pronominais nominativas expressas à mudança na representação dos sujeitos referenciais definidos, uma evidência do “encaixamento da mudança”. (VARGAS, 2012, p. 48).

Vargas (2012), a partir de seu trabalho, confirmou a sua hipótese inicial anteriormente mencionada. Dessa forma, espera-se que a mesma tendência apontada no português falado no Rio de Janeiro também esteja presente em outros espaços brasileiros, como a Bahia, locus de investigação deste trabalho.

Sendo assim, esta pesquisa analisou todas as estratégias de indeterminação do sujeito que foram encontradas no corpus anteriormente delimitado.

A seleção das ocorrências passou por alguns critérios para estabelecer se elas eram consideradas uma variante das estratégias de indeterminação do sujeito ou não. Assim, algumas restrições para a coleta de dados foram necessárias, tais como:

• Foram descartadas as estratégias cujo referente pode ser recuperado por anáfora ou catáfora tendo em vista a possibilidade de identificação de um sujeito determinado;

• Não foram levadas em consideração também sintagmas nominais compostos por qualquer tipo de elemento que o restringe, tais como

“muitos(as)”, “um(a)” etc.; como também formas indefinidas, como “todo mundo”, “ninguém”, “outro”, entre outras;

• Expressões seguidas de orações relativas/adjetivas restritivas, uma vez que nesses casos a variante perde o aspecto genérico.

Durante a coleta de dados, quando as ocorrências poderiam gerar dúvida quanto ao seu caráter genérico, fato importante para sua definição como uma estratégia de indeterminação do sujeito, optou-se em substituí-la pela forma “se” a fim de assegurar se se trataria de fato de um item a ser analisado ou não. Quando a dúvida persistiu, a ocorrência foi excluída para evitar que os resultados mostrassem uma realidade linguística dos séculos XIX e XX de maneira incerta, o que não se espera de um trabalho de pesquisa com este fim.

Uma vez delineados os procedimentos adotados para seleção das ocorrências nos textos analisados, passa-se a apresentar o que se identificou como sendo uma estratégia de indeterminação do sujeito, sendo essa, portanto, a variável dependente da análise quantitativa.