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FUNDAMENTAÇÃO – Instrumentos teóricos da proposta da

CAPÍTULO 3 A concepção de modernização na política da cooperação entre o

3.3. FUNDAMENTAÇÃO – Instrumentos teóricos da proposta da

As propostas de reformulação da educação brasileira que ganharam força a partir da década de 1960, continham modelos e fórmulas relativamente bem definidas, apesar de um certo sincretismo de idéias. Entretanto, o quadro programático fundamental destas propostas estava impregnado dos pressupostos ideológicos que compunham o

utilitarismo e o economicismo estadunidenses, que acabaram se tornando hegemônicos nas práticas institucionais referentes à educação. Nestas circunstâncias, segundo Santos (2005:84), emergiu no bojo da teoria educacional uma matéria que há anos vinha se gestando e, no momento de agudização da crise estrutural do capitalismo monopolista, aparece como alternativa de entendimento do fenômeno educacional, a Economia da Educação. Os economistas se voltam para a educação, buscando respostas para os problemas de desenvolvimento econômico.

A reformulação das políticas educacionais por técnicos da área da economia obedece à lógica da racionalidade modernizadora. Assim, se a educação é um dos subsistemas (segundo a linguagem técnica) que integra o sistema-mor do planejamento, e, mais ainda, um setor considerado de alta prioridade na estratégia do desenvolvimento econômico, nada mais natural para os dirigentes do Estado modernizador que dela se ocupasse um economista, mais afeto aos princípios técnicos que devem nortear sua política.

Com isso, a política educacional tem, também, os seus suportes teóricos advindos da economia. Nas políticas propostas pela USAID, pelas conferências e implementadas pelos governos no período de 1963 a 1971, uma teoria advinda da economia adquire centralidade: a teoria do capital humano.

3.3.1. Teoria do Capital Humano

A teoria do capital humano, fundamentação teórica hegemônica nos discursos e nas produções dos intelectuais ligados à USAID, tenta constituir-se em uma resposta à crise vivida pelo modelo Taylorista/Fordista. Para Schultz, um dos mais influentes ideólogos e formuladores dessa teoria,

a recusa em considerar as habilidades adquiridas pelo homem (habilidades que ampliam a produtividade econômica desse homem) como uma forma de capital, como bens produzidos da produção, como resultado de um investimento, tem estimulado o conceito restritivo, patentemente errôneo, de que o trabalho prescinde do capital e de que somente importa o número de homens-hora. (...) os trabalhadores vêm-se tornando capitalistas, no sentido de que têm adquirido muito conhecimento e diversas habilidades que representam valor econômico. (...) O valor econômico da educação depende,

predominantemente, da procura e da oferta da instrução, considerada como um investimento (Schultz, 1973:13).

Para as empresas, limitar-se a explorar a força de trabalho muscular dos trabalhadores, privando-os de qualquer iniciativa e mantendo-os sob as condições rígidas e estritas do taylorismo e do fordismo já não era mais vista tão positivamente do ponto de vista organizativo, pois podiam multiplicar seu lucro explorando-lhes a imaginação, os dotes organizativos, a capacidade de cooperação, enfim, todas as virtudes da inteligência.

Para Schultz, educar significa, etimologicamente, revelar ou extrair de uma pessoa algo potencial e latente; significa aperfeiçoá-la moral e mentalmente, de maneira a torná-la suscetível de escolhas individuais e sociais, e capaz de agir em consonância; significa prepará-la para uma profissão, por meio de instrução sistemática; e, por fim, significa exercitar, disciplinar ou formar habilidades, como, por exemplo, aperfeiçoar o gosto de uma pessoa. “A ação ou processo de atingir um ou mais destes objetivos é, em primeira aproximação, o que se pode entender por educação” (Schultz, 1973:18) (grifo nosso).

Assim, a educação, seria entendida como “produto” e, ao mesmo tempo, “bem de produção” ou, conforme definido por Schultz, “meio de produção produzido”. Tem também, neste sentido, função reguladora, absorvendo alguns “recursos adicionais” (estudantes adultos), durante as depressões, à medida que o desemprego aumenta, liberando outros nos períodos de recuperação.

A educação teria, desta forma, seu valor econômico na medida em que agregaria valor à força de trabalho. As habilidades que o indivíduo adquire através da educação e do treinamento ampliariam sua produtividade e, em conseqüência, sua cota de participação nas rendas. Assim, o próprio conceito de capital é ampliado para nele se incorporar as habilidades humanas também como um bem de produção produzido, ou seja, um bem capaz de produzir outros bens. Na Teoria do Capital Humano o conceito de capital é elástico e heterogêneo, e não linear e estático, como queriam os economistas clássicos. Há, em Schultz, a distinção entre capital humano e não humano, como se a existência própria do capital e do capitalismo não fosse determinada por relações

humanas. Dá-se a falsa impressão que a riqueza é produzida independente da forma como é produzida, ou seja, não é o tempo de trabalho socialmente necessário que determina o valor da mercadoria. A mesma possui um valor em si regulado pela lei da oferta e da procura.

Para Frigotto (1986:36), a Teoria do Capital Humano se constitui num poderoso instrumento de manutenção do senso comum. Mostra-se fecunda enquanto uma ideologia, tanto no sentido de falseamento da realidade quanto no de organização de uma consciência alienada. Trata-se de uma teoria concretamente produzida, quer para evadir as relações imperialistas, quer para acobertar o intervencionismo do Estado, quer finalmente para mascarar as verdadeiras relações entre educação, trabalho e produção.

O processo educativo, escolar ou não, é reduzido à função de produzir um conjunto de habilidades intelectuais, desenvolvimento de determinadas atitudes, transmissão de um determinado volume de conhecimentos que funcionam como geradores de capacidades de trabalho e, conseqüentemente, de produção. As camadas dominantes vêem a educação dos trabalhadores como um processo que deve habilitá-los para o trabalho na sociedade capitalista, do ponto de vista técnico, social e ideológico.

Essa educação poderia ser ofertada de acordo com a complexidade e especificidade das tarefas exercidas pelo trabalhador e se constituiria num elemento fundamental para explicar economicamente as diferenças de capacidade de trabalho, de produtividade e de renda. O investimento na educação passa a significar um dos elementos determinantes para o aumento da produtividade e constitui-se, ao mesmo tempo, no fator explicativo das diferenças individuais de produtividade e de renda e, conseqüentemente, de mobilidade social.

A educação, na Teoria do Capital Humano, é vista como uma propriedade do indivíduo, cuja posse lhe garante poder de ascensão social e mudança da situação de detentor de força de trabalho simplesmente, para detentor de capital, já que o trabalho qualificado, sendo um meio de produção produzido pela educação, é uma forma nova de capital. Nesse horizonte teórico, não aparece a questão da divisão de classes, uma vez que, para Schultz, indubitavelmente não há, pois quando trata das desigualdades sociais

as explica através do índice de formação individual, ou da quantidade de capital humano que o indivíduo investe em si e seria capaz de acumular.

A incoerência fundamental da teoria está no fato de que o conceito de capital que utiliza, é somente da perspectiva do modo de produção capitalista, a partir dos detentores dos meios de produção, da geração de sobretrabalho, e não da perspectiva de exercício da força de trabalho, do trabalhador enquanto indivíduo. Na perspectiva do trabalhador, sua força de trabalho não proporciona a constituição de um meio de produção. Para o assalariado, o exercício do trabalho no modo de produção capitalista é sempre considerado como uma mercadoria a ser vendida ao proprietário dos meios de produção. Mesmo o trabalho altamente qualificado, ligado aos bens de produção técnico-científicos, embora sejam resultado da elaboração inteligente dos operários ou dos trabalhadores científicos, não lhes pertencem por que esses não dispõem de recursos necessários para usar reprodutivamente um produto de natureza científica. Não dispondo dos meios, resta ao trabalhador vender a sua força de trabalho qualificada. Nessa perspectiva, Freitag afirma que

a economia da educação, baseada nos princípios da economia neoclássica, nada mais faz que explicar “o crescimento econômico” por manipulações feitas com o auxílio da intervenção estatal na composição orgânica do capital. É mais, através do seu manpower approach torna-se uma disciplina normativa. Ela propõe ao Estado as formas de investimentos. Os gastos educacionais devem ser feitos com um mínimo de desperdício e desajustamentos entre o output do sistema educacional e as necessidades do mercado de trabalho. Essas são, em verdade as necessidades das empresas privadas em ter uma força de trabalho adequadamente treinada. A força de trabalho devidamente treinada, [...], funciona como capital variável, no processo produtivo, sendo o verdadeiro produtor da mais-valia (FREITAG, 1986:22-23)

A economia da educação, segundo Freitag, procurou estabelecer normas de modernização da conduta administrativa a qual o Estado deveria seguir para que se alcançasse a maximização dos resultados produtivos. Os modelos da economia e do planejamento educacional nada mais fazem que ajustar o pessoal formado pelas escolas aos ciclos e as crises geradas pela economia capitalista. Nesta perspectiva, é essa a tarefa modernizadora dessa teoria. Modernização compreendida como maior

racionalização e eficácia do planejamento educacional na sua relação com o mercado de trabalho e com a lógica capitalista.