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RECEPÇÃO – Os intelectuais brasileiros na aplicação das propostas

CAPÍTULO 3 A concepção de modernização na política da cooperação entre o

3.5. RECEPÇÃO – Os intelectuais brasileiros na aplicação das propostas

Vários foram os intelectuais brasileiros responsáveis pela aplicação das propostas da USAID nas políticas educacionais do Estado. Na sua maioria economistas, muitos eram ligados à iniciativa privada e constituíam grupos de classe, como foi o caso do IPES. Com a análise de documentos, evidenciou-se que havia muito mais que uma

unidade doutrinária entre os membros do IPES e os agentes da política pública estatal. Além de uma identidade daqueles que a propõem, foram vários os membros do IPES que assumiram os cargos centrais dos governos militares, e várias figuras exponenciais da esfera estatal que compuseram o amplo espectro de colaboradores do IPES60.

3.5.1. O IPES e “a educação que nos convêm”

O Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) foi fundado em 29 de novembro de 1961 por um grupo de empresários das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Constituiu-se como um singular grupo de pressão e de propaganda ideológica, que integrava diversos movimentos da direita, com vias a desestabilizar o governo de João Goulart. Com a nova conjuntura político-militar instaurada após o golpe de 1964, teve um predominante papel na formulação e elaboração de todo o quadro institucional do País.

Entre as diversas propostas que apresentou ao novo governo figurava a da reforma da política educacional. Algumas de suas contribuições foram logo aproveitadas, sobretudo aquelas que se referiam a projetos de reforma na área econômica. Entretanto, o projeto educacional do IPES continuou a ser desenvolvido e estruturado em novas propostas (Souza, 1981:15).

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Ver exemplos no Anexo VII.

Entre os mais influentes, destacaram-se: - Roberto de Oliveira Campos

Economista, foi um dos personagens mais presentes na cena político-institucional brasileira após 1964; já ocupara cargos nos governos de Getúlio Vargas (assessoria econômica), Juscelino Kubitscheck (Diretor-Superintendente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), Jânio Quadros e João Goulart (Embaixador em Washington).

À frente do Ministério do Planejamento e Coordenação Econômica, foi o responsável pela elaboração do Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) (1964-1966). Tal como o PAEG, coube ao ministro Roberto Campos a elaboração do Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico e Social (1967-1976), elaborado durante o governo Castello Branco e publicado no final do seu mandato (março de 1967). Fazia parte do amplo arcabouço institucional preparado por Castello Branco para o seu sucessor. Apesar de parcialmente abandonado por este último, constituiu-se como vigoroso elemento de planejamento das ações estatais do regime militar.

- João Paulo dos Reis Velloso

Economista, técnico do EPEA, depois chefe do IPEA, coordenou todos os trabalhos de elaboração dos planos setoriais enquanto representante do Ministério do Planejamento. Fez parte ainda do Conselho Federal de Educação, além de ser assessor do MEC para os assuntos financeiros referentes à reforma universitária. A partir de 1969, integrou o Ministério, como titular da pasta do Planejamento, que coordenava toda a planificação do Estado.

Em fins de 1964 o IPES realizou um longo simpósio sobre a reforma da Educação, contando com a colaboração de diversos especialistas na área da educação, empresários e militares. Para esse simpósio, dois documentos foram apresentados para fundamentar as discussões: um “Documento básico” e o “Delineamento geral de um plano de educação para a democracia no Brasil”, elaborado por João Roberto Moreira.

Após vários outros debates, no segundo semestre de 1968, juntamente com a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, o IPES organizou o fórum “A educação que nos convêm”, que teve um relatório, com a mesma denominação, publicado em 1969, contendo as conferências, debates e conclusões desse encontro, onde estiveram representados diferentes segmentos das elites econômica, política e tecnoburocrata.

Estes dois espaços e os documentos frutos dos mesmos constituíram o núcleo dos elementos de pressão utilizados pelo IPES e pelos empresários em geral, para influenciar na política educacional do governo militar.

Propunham a revogação da vitaliciedade da cátedra, a conscientização das despesas com educação como um investimento rentável, o combate à hipertrofia da escola pública (sic), participação compulsória dos educandos e suas famílias, além dos poderes públicos e instituições privadas, no financiamento do ensino particular em troca dos benefícios de diferencial de renda proporcionados pela escola (Souza, 1981:47).

O propósito essencial do fórum A educação que nos convém era, segundo definição dos próprios organizadores, “preparar a mocidade para a vida de seu tempo – educação, em obediência ao seu programa que é servir ao desenvolvimento social da empresa brasileira (...). Façamos os estudantes estudarem mesmo, e com isso haveremos de esvaziar o seu potencial revolucionário” (IPES, 1969).

As propostas apresentadas pelo fórum para solucionar o problema do financiamento da educação foram, segundo Souza (1981:101-103) de três gêneros: a primeira linha de propostas, que teve como conferencista no fórum o Padre Fernando

Bastos D’Ávila61 (IPES, 1969:1-5), é objetiva e sucinta, voltando-se mais para o esquema racionalizador. As recomendações são as seguintes:

- solucionar a questão da expansão de ensino, face à escassez dos recursos disponíveis, por meio de uma planificação racional;

- através de erradicação das causas da evasão escolar, procurar um aumento da produtividade, sem maiores investimentos;

- estabelecer métodos racionais de administração tais como orçamento- programa, que acompanhados por técnicos de análise conjuntural, determinarão o melhor emprego dos recursos humanos.

A segunda linha, representada pelos conferencistas Paulo de Assis Ribeiro62 (IPES, 1969:9-26) e Roberto de Oliveira Campos63 (IPES, 1969:73-76), preocupou-se em estabelecer fórmulas que estendessem o financiamento àqueles que usufruem do sistema educacional. Em síntese, propunham:

- financiamento integral apenas para o nível elementar obrigatório;

- distribuição de bolsas a alunos verdadeiramente necessitados do nível médio, buscando atender o maior número possível de solicitantes;

- financiamento do ensino superior, pela clientela que participa dos seus benefícios, proporcional aos diferenciais do rendimento dessa clientela;

- extinção da gratuidade do ensino superior para as classes de renda média e alta;

- estabelecimento de um sistema de bolsas ou auxílios reembolsáveis segundo contrato de responsabilidade.

A terceira linha oferece poucas soluções concretas, embora também critique a política adotada quanto aos recursos financeiros para a educação. Presente no fórum no pronunciamento do ex-ministro da Fazenda Lucas Lopes (IPES, 1969:119-130), era contra a isenção das taxas escolares, porém tratava com reticências e cautelas a questão do auxílio em forma de bolsas ofertadas pelas empresas. A justificativa alegada para a

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Integrante do Grupo de Trabalho da Reforma Universitária no Governo Costa e Silva; conferencista da ESG; membro do Conselho do Planejamento do Governo Castello Branco.

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Presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária no Governo Castello Branco. 63

falta de integração da empresa na vida universitária é o entendimento de que “não é a empresa que precisa da universidade e sim esta, que dela necessita”:

Todos sabem que a indústria brasileira, em grande parte, é indústria de vinculação estrangeira, e, assim, não tem uma necessidade tamanha e urgente de utilizar a universidade e a tecnologia nacionais, porém, está certo de que ela colaborará em programas corretos e de mérito (Lopes in IPES, 1969:127).

Lopes foi o conferencista responsável pelo pronunciamento mais sintomático daquele fórum, incluindo na sua fala uma longa explanação sobre o que chamou de “uma tese de Spengler”64. Para ele,

Em relação aos povos subdesenvolvidos, o problema não é, tampouco o monopólio de saber científico, é essencialmente, de aceleração do processo de acumulação e emprego das conquistas da ciência, da tecnologia, do “scientific management” (...), podendo, se forem dirigidos com inteligência, queimar etapas no processo de acumulação e domínio de conhecimentos científicos e tecnológicos.

A aceleração do nosso progresso ocorrerá na medida em que nos libertarmos do temor

da ameaça de um tipo novo de imperialismo científico e nos concentrarmos na incorporação de uma cultura adequada ao nosso estágio de desenvolvimento.

Não devemos perder de vista que a tarefa de aquisição e incorporação imediata da tecnologia da ciência já descoberta por outros povos é, por si só, uma tarefa imensa e a forma mais rápida de avanço tecnológico e científico (Lopes in IPES, 1969:120-121) (grifo nosso).

A idéia de modernização, desta forma, encontra-se explícita em todo o fórum, ao comparar nosso atraso em relação às nações tidas modernas. E o papel da educação torna-se, pois, o de aprimorar a qualidade dos recursos humanos num sistema econômico voltado para o crescimento da produtividade e superação desse atraso.

A partir dessa vinculação entre educação e desenvolvimento postulada pelo IPES, previa-se a adoção do planejamento educacional de modo a fixar “uma estratégia de desenvolvimento dos recursos humanos, no plano geral do desenvolvimento

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Pela inconveniência de citá-la por completa, mas pela relevância de seu conteúdo, colocamos-na em anexo (Anexo VIII).

nacional”. Segundo Souza (1981:98) pode-se resumir a relação entre educação e desenvolvimento nos seguintes postulados:

- é uma tarefa da universidade a apropriação de ensinamentos, metodologias e pesquisas dos países desenvolvidos, a fim de que possa ser reduzido o distanciamento científico e tecnológico que nos separa;

- para o processo de desenvolvimento são necessárias não apenas a expansão e qualificação do ensino em todos os níveis, mas a introdução das modernas técnicas de gerência, ou seja, a administração científica e a racionalização do sistema educacional, das empresas e de todas as atividades econômicas e do governo; - como País ainda “em desenvolvimento”, não deve o Brasil se lançar à pesquisa

científica e tecnológica, que é própria dos desenvolvidos, mas tratar de adaptar a tecnologia importada.

3.6. EFETIVAÇÃO – A modernização da educação nas políticas públicas