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3.3.1 Implementação coercitiva da prática em ambiente cultural dissonante: reflexão sobre os métodos ágeis em projetos

Ansari, Fiss e Zajak (2010) argumentaram que a adoção de uma prática na organização passaria por sua adaptação em padrões, que estariam relacionado com o fit entre a prática e o

contexto organizacional, que inclui o Cultural Fit. A compatibilidade entre uma nova prática e a cultura organizacional existente pode ser definida como Cultural Fit (Ansari, Fiss, & Zajac, 2010). No entanto, se a prática a ser implementada tem como finalidade uma mudança significativa, como acontece usualmente na implementação de métodos ágeis em projetos, entra em conflito com a cultura e com outras práticas dominantes (por exemplo, Hobbs & Petit, 2017;

Sithambaram, Nasir, & Ahmad, 2021).

O trabalho de Canato, Ravasi e Philips (2013) examinou empiricamente a implementação de práticas culturalmente dissonantes. Os autores propuseram que a falta de Cultural Fit poderia ser resolvida, seja pela adaptação das novas práticas, mas também pela adaptação mútua das práticas organizacionais e da cultura organizacional. Nesse artigo, os autores estudaram a implementação coercitiva do Six Sigma na 3M. A partir do estudo, os autores propuseram o framework da Figura 3, que considera a implementação da prática, a aprendizagem coercitiva e a mudança cultural. Como mencionado, o aspecto fundamental do trabalho de Canato, Ravasi e Philips (2013) é que a cultura predominante preconiza que a prática é adaptada, quando existe desajuste cultural (Ansari et al., 2010). No entanto, seu trabalho indica que, quando existe baixo grau de Cultural Fit com a implementação de práticas coercitivamente impostas, existe a adaptação tanto da prática como da cultura, ao longo do tempo.

A melhor compreensão desta situação é especialmente importante na implementação de métodos ágeis em projetos. Apesar de ter melhorado a percepção do sucesso dos projetos ágeis, em relação aos conduzidos pelo gerenciamento de projetos tradicionais, a maior parte dos projetos ágeis falham (The Standish Group International, 2020).

Em seu estudo, Canato, Ravasi e Philips (2013, p. 1747) concordam com a influência simbólica dos líderes e com as práticas discursivas, mas ressaltam a “importância do engajamento profundo e amplo engajamento nas novas práticas, encorajando a mudança cultural”. Isso porque a implementação de uma prática que é desajustada em relação à cultura acontece pela exposição de narrativas que busquem justificar e mostrar a importância de uma nova forma de fazer, pela exposição dos conceitos e da ideia, mas que é imposta coercivamente.

Figura 3 - Framework da relação da implementação da prática, aprendizagem coercitiva e mudança cultural

Fonte: Canato, Ravasi e Phillips (2013, p. 1746)

Na implementação de métodos ágeis em projetos, há uma recomendação comum da necessidade de apoio do alto escalão e de um patrocinador relevante (por exemplo, Kaufmann, Alexander, & Gemünden, 2020; Hennel & Rosenkranz, 2021). No entanto, estas atividades vão além das meras declarações de apoio, com um papel muito mais atuante e perene, visto que, mesmo em situações como a apontada no trabalho de Canato, Ravasi e Philips (2013), a mudança do senso coletivo para implementação de práticas ágeis leva um tempo significativo (Moe, Dingsøyr, & Dybå, 2010; Lindskog & Netz, 2021).

Essa imposição vai levar a um processo de aprendizagem coercitiva, que pode “resultar em novas crenças ou na revisão de crenças existentes” (Canato, Ravasi, & Philips, 2013, p.

1746-1747). Forçados a incorporar a nova prática, os membros são colocados em posição de selecionar e rejeitar elementos de forma ativa, em vez de defensivamente. Os autores sugerem que a exposição prolongada aos diversos aspectos da implementação de práticas organizacionais pode, eventualmente, induzir os membros a internalizarem padrões de ação (Canato, Ravasi, & Phillips, 2013). A mudança cultural considera, como o argumento, que as pessoas podem, efetivamente, integrar crenças culturais potencialmente contraditórias, elaborando novos entendimentos das organizações que acomodam essas crenças dentro de uma narrativa autorreferencial coerente (Rindova et al., 2011). Esse processo não está bem compreendido, embora a abordagem de sensemaking tenha sido bastante utilizada para compreender situações em contextos semelhantes e mesmos em projetos (Alderman, Ivory, McLoughlin, & Vaughan, 2005; Fellows & Liu, 2016; Kutsch, Djabbarov, & Hall, 2021). A abordagem parece ser adequada também para a compreensão da implementação de práticas

coercitivas, além de métodos ágeis, em ambiente culturalmente dissonante (Canato, Ravasi, &

Philips, 2013).

3.3.2 Sensemaking e Sensegiving na implementação de práticas

Os métodos ágeis têm se consolidado como os preferidos para os projetos de software e tecnologia (The Standish Report, 2020; Bustard, 2012). A pressão pelo digital (Scholkmann, 2021; Tronvoll, Sklyar, Sörhammar, & Kowalkowski, 2020) e os resultados promissores da aplicação de métodos ágeis levaram à busca por sua utilização de forma mais ampla, com a intenção de tornar as organizações mais ágeis (Morgan, 2018; Conforto, Amaral, Silva, Di Felippo, & Kamikawachi, 2016; Conforto, Salum, Amaral, Silva, Almeida, 2014). No entanto, mesmo com este potencial, a maior parte dos projetos ágeis ainda falham. Um dos principais aspectos apontados é a incompatibilidade com a cultura organizacional e a resistência cultural (Bosch & Bosch-Sijtsema, 2011; The Standish Group International, 2020). A mudança do gerenciamento de projetos tradicional, para o uso de métodos ágeis, ou evolução para métodos híbridos em gerenciamento de projetos, parece ser complicada (PMI, 2017). O trabalho de Canato, Ravasi e Philips (2013) considera a mudança organizacional como um desdobramento de processos de sensemaking.

Neste trabalho, seguimos a definição proposta por Maitlis e Christianson (2014, p. 67), na qual sensemaking é “um processo, motivado por expectativas violadas, que envolve atender e delimitando pistas no ambiente, criando significado por meio de ciclos de interpretação e ação e, assim, encenando um ambiente mais ordenado a partir do qual outras pistas podem ser extraídas”. O impacto usual dos métodos ágeis na sua implementação parece implicar no começo do sensemaking. As pessoas experimentam uma ameaça para rotinas estabelecidas, levando-as a questionarem premissas organizacionais de como devem agir.

A pesquisa em sensemaking levou ao desenvolvimento de outros construtos mais específicos. Sensegiving pode ser definido como “a tentativa de influenciar o sensemaking e a construção de significado dos outros em direção a uma redefinição preferida da realidade organizacional” (Gioia & Chittipeddi, 1991, p. 442). Tradicionalmente, o sensegiving remete a como o alto escalão e os gestores influenciam o sensemaking das pessoas na organização e as ferramentas que usam para esse fim (Maitlis & Lawrence, 2007). Apesar do papel fundamental do alto escalão e dos gestores no sensegiving, aqueles que são impactados interpretam e podem resistir à mudança desejada pela liderança (Sonenshein, 2010). A necessidade de suporte dos

executivos e da liderança é, usualmente, apontada como importante para a implementação do ágil (Kaufmann, Alexander, & Gemünden, 2020; Sithambaram, Nasir, & Ahmad, 2021).

Entretanto, como argumentado, o suporte por si só pode não bastar e vai depender de outros aspectos que precisam ser considerados (Maitlis & Lawrence, 2007).

O sensebreaking é definido como “a destruição ou decomposição do significado” (Pratt, 2000, p. 464). Nesse processo, as pessoas podem rever o sentido do que fazem e as premissas, além de reverem os seus atos, práticas e processos (Maitlis & Lawrence, 2007). Na lacuna do sensebreaking, o alto escalão e os gestores podem buscar um novo significado pelo sensegiving (Pratt, 2000). O mesmo poderia ser considerado na implementação de métodos ágeis, havendo a percepção de valor em relação aos métodos tradicionais (Serrador & Pinto, 2015).

Ansari et al. (2010) categorizam os alinhamentos que podem trazer incompatibilidades para a implementação das práticas: (1) Technical Fit; (2) Cultural Fit; e (3) Political Fit.

Embora o foco desta revisão seja o Cultural Fit, aspectos de desalinhamento técnico e político, além de influentes diretamente, podem influenciar o desalinhamento cultural. Em uma situação de implementação coercitiva, no caso de métodos ágeis, existe um desajuste em relação à cultura, ou seja, existe uma possível maior incompatibilidade aparente entre a prática e a cultura (Canato, Ravasi, & Philips, 2013). Mesmo que não seja de forma coercitiva, os métodos ágeis criam resistências culturais em geral. Ainda assim, autores argumentam que o gerenciamento de projetos efetivo depende do alinhamento do sensemaking, com as rotinas determinadas pelas práticas (Alderman et al., 2005). No entanto, o que se espera é que se consigam obter os benefícios do uso das abordagens ágeis, e que uma mudança aconteça, para que a agilidade aconteça (Conforto et al., 2014).

O Technical Fit está relacionado ao grau no qual “as características da prática são compatíveis com as tecnologias já utilizadas pelos potenciais adotantes” (Ansari, Fiss, & Zajac, 2010, p. 75). Resistências diversas podem advir, por exemplo, do desconhecimento, ou mesmo de expertise consolidada em relação a outras práticas predominantes e concorrentes. No ágil, além do desalinhamento com a abordagem tradicional de gerenciamento de projetos em relação à essa abordagem, pode-se aumentar as resistências culturais (Lappi & Aaltonen, 2017).

Political Fit é definido como “o grau em que as características normativas de uma prática são compatíveis com os interesses e agendas dos adotantes potenciais” (Ansari, Fiss, &

Zajac, 2010, p. 77). Em especial, independentemente de outros adotantes, o alto escalão é importante neste caso, também em relação às abordagens ágeis.

O conceito de fit também é importante. Neste trabalho, segue-se a proposta de Morgulis-Yakushev (2015, p. 4), na qual fit não é o mesmo que similaridade, mas que: (i) é dependente

do resultado desejado; (ii) é um critério específico; e (iii) permite comparar duas entidades que conceitualmente não são iguais. Esta definição possibilita comparar entidades de naturezas distintas (Morgulis-Yakushev, 2015). Isso cria diversas possibilidades, em relação à implementação de práticas coercitivas culturalmente dissonantes. Como depende do resultado desejado, traz uma possibilidade de atividades e discursos que pode ajudar na coerência da prática, com demandas que podem vir da necessidade de mudança. Sendo um critério específico, não é necessariamente mandatório, como no caso da imposição coercitiva da prática e, possivelmente, implicará num processo de adaptação mútua. Finalmente, a definição permite comparar a prática com aspectos da cultura.

O desalinhamento com o método ágil implica em ações para criar sensemaking. Estas ações acontecem pelo sensegiving. O significado nas pessoas é construído pelos processos, que têm sentido na organização, e pela interpretação dos sinais percebidos (Fellows & Liu, 2016).

Nas mudanças, como argumentado para a implementação dos métodos ágeis neste trabalho, os envolvidos vão experimentar situações ambíguas, associadas com a dificuldade de compreensão do que está acontecendo, devido a perspectivas confusas e contraditórias (Kutsch, Djabbarov, & Hall, 2021).

Como Canato et al. (2013), sigo a definição de prática introduzida por Westphal, Gulati e Shortell (1997), como um conjunto de rotinas comportamentais, ferramentas e conceitos usados para realizar uma determinada tarefa. Em especial, o aspecto de rotina comportamental é importante para a uma prática, como o ágil, se imposta coercivamente, visto que indica um processo de enculturação.

O termo coerção na implementação das práticas deve ser considerado como o empenho deliberado dos líderes organizacionais em “forçar a implementação extensiva de uma nova prática com pouca ou nenhuma adaptação, mesmo que a nova prática tenha um baixo grau de fit com a cultura organizacional” (Canato, Ravasi, & Philips, 2013, p. 1725). Originalmente, os processos de implementação de métodos ágeis têm sido predominantemente bottom-up, mas também com top-down (Kaufmann, Alexander, & Gemünden, 2020). O interesse a partir dos benefícios e da divulgação extensa da implementação dos métodos ágeis tende a crescer a implementação coercitiva.