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4. Prescrição retroativa

4.1. Fundamento e requisitos

A prescrição retroativa, cria do direito brasileiro, repousa sobre a premissa, longe de ser pacífica, de que pena justa é a aplicada, e não a cominada. A lei, por padecer, dada a sua abstração, de um déficit natural de adequação ao caso concreto, só atenderia aos anseios da sociedade quando compensasse tal insuficiência o que, no processo de aplicação da lei penal, seria ajustado com a concretização da pena. Aloysio de Carvalho Filho, ao se perfilhar aos penalistas que enxergam maior grau de justiça na pena efetivamente aplicada, defende que:

“Não se perca de vista, principalmente, que o fato de ser isolado esse recurso exprime que a sociedade, por seus órgãos, se conformou com o grau da condenação. E com a sociedade, a parte ofendida, se for o caso. Nada justificaria, em face dessas circunstâncias, o apego, quase fetichista, à pena legal, quando, na hipótese, a pena judicial é conclusão a que a justiça chegou, depois de exame presumidamente cuidadoso, e conclusão inalterável, a não ser para benefício do acusado” (CARVALHO FILHO, 1979, p. 368).

Vai além a inovação promovida pelo direito pátrio: o prazo prescricional, uma vez fixado por sentença ou acórdão, deveria ter sua contagem aferida em espaços temporais pretéritos, respeitadas as causas de interrupção.

Três são os requisitos para a configuração da prescrição retroativa, quais sejam, a não-ocorrência da prescrição da pretensão punitiva in abstracto, a existência de condenação com a consequente fixação de pena in concreto e o trânsito em julgado da decisão para a acusação, seja por esta não se irresignar com o patamar fixado, seja por ver improvido o recurso – e aqui se incluem apenas os recursos que tenham por intenção o agravamento quantitativo da pena. Será reconhecida também quando, apesar do provimento do recurso acusatório, este não tenha fôlego suficiente para ensejar a ampliação da sanção penal que ultrapasse o patamar prescricional anterior ou ainda quando ocorrer a anulação da sentença condenatória em decorrência de descontentamento da defesa, dada a vedação da

A discussão sobre a existência da prescrição retroativa e a maneira como deveria ser calculada passa necessariamente por considerações acerca de sua natureza jurídica – se seria modalidade de extinção da pretensão punitiva ou da pretensão executória. Antônio Lopes Baltazar entende que configuraria um tertium genus, na medida em que reuniria características de cada uma das modalidades prescricionais: o surgimento anterior ao trânsito em julgado para ambas as partes e a orientação pela pena fixada na sentença (BALTAZAR, 2003, p. 81).

Há quem defenda que a resposta à questão variará a depender do conteúdo da apelação do acusado: se esta versar sobre o mérito em si da condenação, ensejará o reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva. Ao revés, se tiver por objeto atacar o montante da pena ou nos casos em que, independentemente da matéria que tratar, for a insatisfação defensiva improvida, estar-se-ia diante de hipótese de prescrição da pretensão executória.

Com a lei no 6.416, de 24 de maio de 1977, contudo, ficou consagrado o enquadramento da prescrição retroativa como instituto extintivo da pretensão executória. De fato, ao modificar o art. 110 do Código Penal, a lei estabeleceu expressamente que: “A

prescrição, de que trata o parágrafo anterior, importa, tão-somente, em renúncia do Estado à pretensão executória da pena principal, não podendo, em qualquer hipótese, ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia”45. O parágrafo anterior referido estabelecia que a prescrição, após o trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, regular-se-ia pela pena aplicada.

Um argumento inicial em sentido diverso ao proposto pela lei pode ser apresentado com base nos efeitos das duas modalidades prescricionais. Enquanto a prescrição da pretensão executória não altera os efeitos acessórios da condenação, a prescrição da pretensão punitiva atua como se não houvesse condenação, expurgando quaisquer mazelas que poderiam existir em desfavor do réu em decorrência da sentença condenatória. Ressalte-se, em um segundo enfoque argumentativo, que a prescrição da pretensão punitiva fulmina a atividade estatal em momento anterior à pretensão executória:

atinge o próprio jus puniendi e não somente a prerrogativa estatal de materializar a pena anteriormente imposta. Há, ainda, uma incongruência terminológica: como se falar em prescrição executória, quando, bem ou mal, o processo penal de conhecimento tem prosseguimento normal?

Heleno Cláudio Fragoso, ao criticar a redação proposta pela lei no 6.416/77, foi contundente quando afirmou que

O antigo art. 110, §2o, do CP de 1940, dispunha que a prescrição retroativa era prescrição da pretensão executória. A impropriedade, porém, era evidente. Como é possível que a prescrição da pretensão executória se verifique no lapso de tempo relativo à ação penal? A diferença entre uma e outra espécies de prescrição é da maior importância. Na prescrição da pretensão punitiva não há condenação, e o réu, portanto, mantém a primariedade, não podendo, no caso de cometimento de outro crime, ser considerado reincidente. Já o mesmo não ocorre se se trata de prescrição da pretensão executória, pois neste caso subsistem os efeitos secundários da condenação.

A prescrição pela pena em concreto, seja ou não retroativa, só pode ser prescrição da pretensão punitiva (FRAGOSO, 2004, p. 519).

Não há que se confundir, também, prescrição retroativa e prescrição superveniente (ou intercorrente). A prescrição retroativa parte “para trás”, como sugere o próprio nome, alcançando os períodos anteriores à sentença, ao passo que a prescrição superveniente apenas considera os períodos “para frente” da sentença condenatória recorrível. Apesar da clareza da diferenciação, registre-se, como faz José Júlio Lozano Júnior, a imprecisão corrente no meio jurídico na utilização do termo “prescrição retroativa intercorrente” para disciplinar espécies de prescrição surgidas após a condenação (LOZANO JÚNIOR, 2002, p. 167) o que representa, a bem da verdade, uma contradição em termos.