• Nenhum resultado encontrado

Fundamentos da Análise do Discurso e de sua vertente crítica

Novelas de onde se origina o corpus de análise

O QUE Telenovela invade

3. A Construção de Sentidos na Telenovela

3.1 Fundamentos da Análise do Discurso e de sua vertente crítica

O reconhecimento da dualidade constitutiva da linguagem, do seu caráter ao mesmo tempo formal e atravessado por entradas subjetivas e sociais, provocou um deslocamento dos estudos lingüísticos centrados, até então, na língua, para a busca por operar a ligação entre o que é dito e as condições históricas para a constituição desse dizer, o ponto de articulação dos processos ideológicos e dos fenômenos lingüísticos ao qual convencionou-se chamar discurso. A Análise do Discurso (AD) é a disciplina que se ocupa em investigar as relações de uma linguagem agora não mais entendida como neutra e natural.

Dentro da ampla bibliografia de Análise do Discurso, escrita ao longo dos mais de quarenta anos desde o surgimento da disciplina iniciada por autores franceses na década de 1960 e desenvolvida por estudiosos de diversas nacionalidades, a obra a ser destacada aqui, por oferecer um referencial bastante adequado ao problema em questão, é a do inglês Norman Fairclough, pioneiro e principal teórico de uma linha da AD que se diferencia da vertente francesa pelo privilégio dado ao caráter social da construção de um discurso, além de prever a possibilidade de contribuição de outras áreas capazes de

favorecer o trabalho do analista, seguindo uma tendência de enfraquecimento dos limites entre as Ciências Sociais.

No livro Discurso e Mudança Social, Fairclogh (2001) postula o que chama de Análise Crítica do Discurso (ACD), um planejamento de análise da fala e da escrita oriunda da lingüística crítica, da crítica semiótica e de um modo de investigação sócio-politicamente oposicionista de pesquisa da linguagem, do discurso e da comunicação, que vê sentido no discurso como linguagem e prática social. Isso porque, para o autor, o discurso é um poderoso modo de ação, para além da representação.

Para dar corpo a essa teoria, Fairclough defende que estrutura social e discurso mantêm uma relação dialética, sendo a primeira, ao mesmo tempo, constitutiva e constituída pelo segundo.

O discurso contribui para a constituição de todas as dimensões da estrutura social que, direta ou indiretamente, o moldam e o restringem: suas próprias normas e convenções, como também as relações, identidades e instituições que lhe são subjacentes. O discurso é uma prática, não apenas de representação do mundo, mas de significação do mundo, constituindo e construindo o mundo em significado (FAIRCLOUGH, 2001, p. 91).

Ao contribuir para a construção da estrutura social, o discurso passa a ser um importante condutor do fenômeno da mudança. É a partir dessa constatação que o projeto da ACD se volta para a identificação das estratégias de manipulação, legitimação, criação de consenso e outros mecanismos influenciadores do pensamento e das ações em benefício da manutenção do poder (FAIRCLOUGH, 2001). No caso do presente estudo, essa propriedade da ACD pode contribuir para compreender até que ponto o discurso sobre a Ciência nas novelas promove mudança – que pode ser notada desde a simples inclusão de um termo no vocabulário cotidiano, como ocorreu com a palavra ‘clone’, saído da esfera da Genética para a ‘boca do povo’ como sinônimo de cópia, até marcas mais complexas como mudanças de comportamento e ideologia – e continuidade.

De ingênuo divertimento, o discurso telenovelesco toma vulto do ponto de vista da possibilidade de mudança social ao abordar assuntos

cotidianos mesmo que com o objetivo primordial de entretenimento. Como é pretensão de toda comunicação convencer o interlocutor (VANOYE, 1993), fica fácil perceber que, ao ser a mais massiva das atrações, é ampla a possibilidade de contribuir para mudanças sociais ou para a garantia da manutenção do discurso difuso sobre Ciência na sociedade.

O autor define seus conceitos de discurso e análise do discurso tridimensionais, ponto principal de sua teoria:

Qualquer ‘evento’ discursivo (isto é, qualquer exemplo de discurso) deve ser considerado como simultaneamente um texto, um exemplo de prática discursiva e um exemplo de prática social. A dimensão do ‘texto’ cuida da análise lingüística de textos. A dimensão da ‘prática discursiva’, como ‘interação’, na concepção ‘texto e interação’ de discurso, especifica a natureza dos processos de produção e interpretação textual – por exemplo, que tipos de discurso são derivados e como se combinam. A dimensão de ‘prática social’ cuida de questões de interesse na análise social, tais como as circunstâncias institucionais e organizacionais do evento discursivo e como elas moldam a natureza da prática discursiva e os efeitos constitutivos/construtivos referidos anteriormente (FAIRCLOUGH, 2001, p. 22)

A figura 2 é a representação gráfica do discurso tridimensional de Fairclough, no qual um exemplo de texto só pode ser compreendido sob a condição de representar, também, um exemplo de prática discursiva e prática social. As dimensões representativas de prática social, prática discursiva e texto são reproduzidas na figura 2 tal como propostas por Fairclough.

FIGURA 2: reprodução do quadro representativo da concepção tridimensional do discurso (Fairclough, 2001, p. 101).

Prática Social Prática discursiva

(produção, distribuição, consumo)

TEXTO

Como a análise de cada uma das três esferas não ocorre de forma independe, as setas acrescentadas ao modelo de Fairclough na figura 3 chamam atenção para a inter-relação entre as análises do texto, da prática discursiva de que é originário e da prática social que explica a sua existência tal como é.

FIGURA 3: adaptação do quadro tridimensional do discurso (Fairclough, 2001)

Concepção tridimensional de discurso significa, portanto, considerar o discurso não apenas como um ente fechado em si, apenas textos, palavras, mas como o produto de um determinado contexto, que o molda ao mesmo tempo em que é por ele moldado. O autor faz ainda uma ressalva quanto ao risco de compreensão errônea sobre a relação entre duas as dimensões do discurso: “prática discursiva aqui não se opõe à prática social: a primeira é uma forma particular da última” (FAIRCLOUGH, 2001, p.99). Semelhante observação abre caminho para a complementação da figura apresentada pelo teórico como a representação gráfica da tridimensionalidade do discurso (que corresponde apenas aos campos Prática Social – Prática Discursiva – Texto da figura 2) que implica a necessidade de combinar as três análises para a compreensão satisfatória do evento observado. Assim, a prática social é importante para o entendimento de como se dá a prática discursiva, necessária, por sua vez, na descrição, ou análise textual. Esta, entretanto, também oferece importantes pistas para a análise da prática discursiva, que deixa suas marcas na materialidade

Prática Social Prática discursiva

(produção, distribuição, consumo)

TEXTO

Interpretação da prática discursiva

Explicação (análise social) Descrição (análise do texto)

do discurso – o texto; e sendo a prática discursiva pertecente à prática social, é também importante para o entendimento global do evento.

3.2 Elementos para uma análise das telenovelas baseada