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O tratamento da Ciência nas novelas O Clone e Barriga de

Novelas de onde se origina o corpus de análise

1 – FEIRANTE NEGRO AO FUNDO, BANCA DE FRUTAS

8- Senhor barbudo com camisa do Vasco:

4.3 O tratamento da Ciência nas novelas O Clone e Barriga de

Aluguel

Analisadas as cenas que apresentam e resolvem os conflitos retratados em Ciência nos primeiros e últimos capítulos de cada uma das tramas, é possível retomar agora algumas das colocações dos capítulos anteriores com o objetivo de discutir os possíveis efeitos de sentido ecoados pelo discurso veiculado.

Percebe-se, inicialmente, que a Ciência é retratada como uma instância em que tudo é possível. Ao antecipar os possíveis efeitos dos avanços tecnológicos na vida das pessoas, as telenovelas enfocadas respondem ao que Giddens (1991) classifica como riscos fundamentais da Modernidade em relação aos sistemas peritos: a consciência do risco como risco, pois, ao contrário do domínio da religião, no qual o conhecimento não tem lacunas, a Ciência está sempre em busca de dominar os fenômenos mais rebeldes, o que nem sempre é possível ou por vezes demora; além disso, os perigos corridos coletivamente são conhecidos por todos, ao menos em tese, principalmente, devido à propriedade da divulgação científica em fazer circular as informações.

As novelas também contribuíram para levar o conhecimento científico para além da comunidade científica (REIS, 2002), a partir de uma comunicação não formal (TARGINO, 2001), e ainda com a vantagem de possuir um espaço para discussão bem maior em extensão que os gêneros tradicionais de divulgação da Ciência. Além disso, possuem um amplo público cativo, que claramente aprovou, pelos resultados dos índices de audiência, a forma de abordagem do tema nas duas tramas.

As observações feitas até agora permitiriam classificar facilmente o discurso sobre a Ciência nas novelas analisadas como divulgação científica, não fosse a pertinência de mais um fator: a relação Real X Ficcional.

A liberdade garantida à telenovela pelo fato de ser obra de ficção faz com que as situações retratadas nas cenas resultem em equívocos, sobretudo, para os que porventura não tenham conhecimento prévio dos assuntos tratados. Como foi emblemática a cena CL1, a intertextualidade Novela X Jornalismo, duas formações discursivas distintas, com rotinas de produção completamente diversas, pode confundir o receptor de forma que ele não seja capaz de estabelecer a diferença entre o real e o fictício, inviabilizando o cumprimento dos requisitos básicos da divulgação científica evidenciado por Reis47: “Divulgação científica é a veiculação em termos

simples da Ciência como processo, dos princípios nela estabelecidos, das metodologias que emprega”.

Isso porque, por meio da ficção, as novelas podem preencher as tais lacunas apontadas por Giddens (1991) que tornam arriscado o sistema social baseado na perícia técnica. Assim é que o simulacro de metodologia retratado para a clonagem de animais (por meio de uma simplificação extrema) é dado como capaz de ser empregado também na clonagem de seres humanos, embora, na vida real, não haja evidência segura disso. Ao trilhar por esse caminho, a novelista não parece querer negar ou resolver o problema do risco, o que pode ser visto pelo modo como a Ciência é retratada nas duas produções: ao mesmo tempo em que é retratada como instituição capaz de tornar realidade o impossível, a Ciência – assim como outros sistemas peritos - não consegue resolver os problemas que cria, como fica claro com a análise do julgamento que decidiu sobre a guarda do bebê disputado por Ana e Clara. A aplicação dos conhecimentos científicos pela Engenharia Genética passa de celebrada pela capacidade de resolver os problemas da humanidade a acusada de criar novos problemas para os quais não é capaz de encontrar uma solução.

Esse possível efeito de insegurança confirma a hipótese formulada por Giddens (1991) de que o conhecimento técnico pode ser

47 Entrevista com José Reis. MASSARANI, Luisa et alli. Ciência e Público. Rio de Janeiro: Casa da

Ciência – Centro Cultural de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 2002. pág. 76.

abalado pela maior quantidade de conhecimentos sobre ele, com a consciência sobre o risco.

O preenchimento das lacunas do conhecimento científico parece ter o objetivo, portanto, de permitir o exercício de profetizar, discutir o que aconteceria se a Ciência chegasse a utilizar determinados recursos, do que resulta um ambiente igualmente arriscado. Apesar de trabalhar no campo da imaginação, a pauta real confere às produções uma certa confiabilidade quanto ao que profetiza, afinal, a experiência com o clone humano por vezes não parece estar muito distante – que o digam as diversas matérias sobre experiências bem-sucedidas de cópias de animais de porte cada vez maior. Os casos de aluguel de útero logo chegaram às páginas dos jornais, exigindo decisões como a de alguns países que proíbem a prática ou permitem apenas um acordo não-remunerado entre parentes próximos.

Outro ponto interessante a ser observado quando do confronto das análises de cenas das duas novelas tratadas é a evolução do ethos do cientista, construído, tal como postula Fairclough (2001), não só pelas palavras proferidas, mas pelo comportamento adotado, expressões, fragilidades. Em Barriga de Aluguel, os personagens são construídos com menos ambivalências. Baroni possui uma Ética duvidosa na vida profissional – parece ter como únicas preocupações lucro e prestígio – enquanto Molina é seu contraponto, um abnegado. Em O Clone, há uma preocupação muito maior em compor um personagem com maiores nuanças e contradições: Albiéri, o personagem principal do núcleo científico, tem seus momentos de crise pela experiência de clonar o afilhado, principalmente pelo envolvimento emocional com as partes envolvidas, tendo sido, inclusive, a dor pela perda do afilhado que o fez tomar, definitivamente, a decisão de clonar um ser humano. Apesar da vaidade que revela a personalidade para ele construída, trata-se de um cientista preocupado com o rumo que tomará a Ciência, tanto que demora duas décadas para tomar a decisão de anunciar a experiência da Clonagem, o que faz somente devido a pressões de Deusa, mãe do clone, e do próprio Leo, interessado em saber a sua origem.