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3.4 O PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

3.4.1 Fundamentos do Princípio da Proporcionalidade

Depara-se com várias linhas de investigação na doutrina quando o propósito é identificar o fundamento do princípio da proporcionalidade. Muitos autores sustentam que o referido princípio assenta suas bases nos direitos fundamentais, mas também há aqueles que entendem que se trata de uma expressão do próprio Estado de Direito, posto que seu desenvolvimento histórico aparece vinculado ao Poder de Polícia do Estado. Além disso, há uma terceira corrente que atribui suas origens, enquanto postulado jurídico, no direito suprapositivo185.

183MENDES, Gilmar Ferreira et al. p.311. 184Idem, p.312.

Ainda, Mendes, Coelho e Branco citando Bernhard Schlink, observam que a opção adotada para a identificação dos fundamentos do princípio da proporcionalidade não é neutra ou indiferente do ponto de vista dos resultados, de modo que:

Se se cuida de enfatizar o fundamento nos direitos fundamentais, terá esse princípio aplicação na relação entre cidadão e Estado, aqui contemplados os conflitos entre os entes privados que o Estado incumbe solver. Se, ao revés, o princípio em apreço assenta-se na idéia do Estado de Direito, tem-se a sua projeção não só para a relação entre o cidadão e o Estado, mas também para as relações entre os poderes186.

Os referidos autores, antes de realizarem um primoroso inventário dos fundamentos do princípio da proporcionalidade expressos na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal com vistas à confirmação dos diversos impulsos de fundamentação do princípio em estudo, reconhecem que essa diversidade de embasamento é uma realidade que também perpassa as decisões da Corte Constitucional alemã, assim como as são da Suprema Corte Americana, concluindo por sugerir, invocando novamente Bernhard Schlink, que a busca de um denominador comum que possa uniformizar esse modo de compreensão, há de ser “a língua do princípio da proporcionalidade com a indagação sobre a legitimidade dos objetivos do legislador e sobre a necessidade das restrições impostas à liberdade dos cidadãos para a consecução daqueles objetivos”187.

Parece correto afirmar que o princípio da proporcionalidade tem fundamental importância na verificação da constitucionalidade de leis interventivas na esfera da liberdade humana, conforme acentuado por Suzana de Toledo Barros numa invocação das lições de Mauro Cappelletti:

[...] o legislador, mesmo perseguindo fins estabelecidos na Constituição e agindo por autorização desta, poderá editar leis consideradas inconstitucionais, bastando para tanto que intervenha no âmbito dos direitos com a adoção de cargas coativas maiores do que as exigíveis à sua efetividade [...] Estão em jogo questões ligadas à segurança jurídica e à transferência da valoração técnico-social do legislador para o juiz. Deve- se, por isso, enfrentar as conseqüências do reconhecimento de um controle sobre a razoabilidade de uma lei, inquirindo se esta atividade torna o juiz legislador, ou, em outras palavras, se estaria a igualar a função jurisdicional à legislativa188.

186Idem, p.313.

187Idem, p. 314.

188BARROS, Suzana de Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis

Sabe-se que essa proposta de utilização do princípio da proporcionalidade não é recente. Eduardo Araújo da Silva anota que Nicolas Gonzáles-Cueller Serrano e Suzana de Toledo Barros registram que foi na tentativa de se controlar os excessos praticados pelos monarcas que surgiram na Inglaterra, nos séculos XVII e XVIII, sob as luzes do jusnaturalismo, teorias propagadoras da idéia de que contra a autoridade do rei, a qual não conhecia limites naquela época, poderiam ser opostos direitos individuais. Resultou desse esforço teórico a compreensão de que o poder de polícia do Estado somente deveria ser utilizado para restringir direitos individuais em face de interesses coletivos superiores.

Com o surgimento do Estado moderno fundado em lei e não mais na autoridade absoluta do monarca, prossegue o referido autor, sedimentou-se o princípio da legalidade, que por sua fez despertou o pensamento liberal apoiado nas idéias de Beccaria, Bentaham e Hobbes até evoluir no sentido de que não bastava apenas e tão somente a previsão de um crime e sua respectiva pena. Era necessária a imposição de mais uma limitação ao poder punitivo do Estado, para exigir que a gravidade da sanção penal fosse proporcional ao fato delituoso cometido, visando evitar uma exagerada privação da liberdade a ser imposta ao condenado. Como reflexo dessa orientação, no campo do direito processual desenvolveu-se pensamento semelhante no sentido de que o Estado não deveria abusar de seus poderes quando da apuração do crime, devendo restringir os direitos fundamentais do cidadão apenas quando a gravidade do crime autorizasse189.

Com efeito, pontificava Cesare Beccaria:

O interesse geral não é apenas que se cometam poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utilizam a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais freqüente. Deve, portanto, haver proporção entre os crimes e as penas190.

Após essa breve explanação sobre os mais diversos impulsos de fundamentação do princípio da proporcionalidade, em que se procurou ressaltar sua importante articulação no direito penal e processual penal, especialmente na contenção de excessos por parte do direito de punir estatal, defronta-se com a necessidade de identificar os seus principais elementos de formação.

189SILVA, Eduardo Araújo da. Op.cit., p.55.