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1.5 OBTENÇÃO DA PROVA PARA APURAÇÃO DO CRIME ORGANIZADO

1.5.3 Interceptação das Comunicações Telefônicas

consiste em estratégia de investigação que possibilita aos agentes policiais retardarem suas intervenções em relação a infrações em curso, praticadas por organizações criminosas, para acompanhar os atos de seus membros até o momento mais apropriado para a obtenção da prova e efetuar suas prisões60. Retarda-se a atuação policial em favor de um resultado mais eficaz no campo da produção probatória, configurando-se o que a doutrina costumou denominar de flagrante prorrogado ou retardado. Eduardo Araújo Silva explica que:

O tratamento legal dessa técnica de obtenção de prova, além de evitar que agentes policiais sejam responsabilizados penalmente pelo deliberado retardamento de suas condutas, ante a constatação de práticas delituosas em curso, visa possibilitar maior êxito na colheita dos elementos de prova, pela eleição do melhor momento para intervir nos atos praticados pelos integrantes da organização criminosa. Ademais, se precedida de autorização judicial, permite que o juiz e o representante do Ministério Público tenham o controle sobre a operação policial a ser desenvolvida, evitando eventuais excessos que possam comprometer direitos e garantias individuais assegurados na Constituição da República61.

A nova lei antidrogas  Lei n. 11.343/2006  também regulamentou a utilização desses meios operacionais, mantendo com pequenas alterações o que já havia estabelecido a legislação anterior sobre o mesmo assunto:

Art. 53. Em qualquer fase da persecução criminal relativa aos crimes previstos nesta Lei, são permitidos, além dos previstos em lei, mediante autorização judicial e ouvido o Ministério Público, os seguintes procedimentos investigatórios:

I – a infiltração por agentes de polícia, em tarefas e investigação, constituída pelos órgãos especializados pertinentes;

II – a não-atuação policial sobre os portadores de drogas, seus precursores químicos ou outros produtos utilizados em sua produção, que se encontrem no território brasileiro, com a finalidade de identificar e responsabilizar maior número de integrantes de operações de tráfico e distribuição, sem prejuízo da ação penal cabível.

Parágrafo único. Na hipótese do inciso II deste artigo, a autorização será concedida desde que sejam conhecidos o itinerário provável e a identificação dos agentes do delito ou de colaboradores.62

1.5.3 Interceptação das Comunicações Telefônicas

60SILVA, Eduardo Araújo. Crime organizado: procedimento probatório. São Paulo: Atlas, 2003, p.93. 61Idem, ibidem.

62BRASIL. Lei 11.343 de 23 de agosto de 2006. Institui o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas –

Sisnad; prescreve medidas para prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas; estabelece normas para repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas; define crimes e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2004-2006/Lei/1343.htm>. Acesso em 2 maio 2007.

Mesmo não se tratando de um mecanismo utilizado exclusivamente para a prevenção e repressão de crime organizado, a captação e a interceptação ambiental de sinais eletromagnéticos, óticos ou acústicos, e o seu registro, mediante circunstanciada autorização judicial, podem ser utilizadas com grande eficácia nesse sentido. Sua regulamentação encontra-se na Lei n. 9.296/1996, enquanto a permissão específica para sua utilização em relação à criminalidade organizada verifica-se na Lei n. 9.034/1995, com a nova redação que lhe foi conferida pela Lei n. 10.217/2001. A Constituição Federal de 1988, de seu turno, enalteceu o sigilo das comunicações telefônicas, mas permitiu sua violação “por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”63.

Luiz Flávio Gomes registra que:

Antes da Constituição Federal de 1988, a interceptação telefônica, malgrado sua indiscutível importância, nunca contou no nosso ordenamento jurídico com um estatuto próprio, específico, e sobretudo, “descritivo”. Na Constituição de 1946 não havia nem sequer referência à comunicação telefônica. Entendia-se, no entanto, que estava compreendida na garantia do art. 141, § 6º, que cuidava da inviolabilidade do sigilo de correspondência. Na Constituição de 1969 (art. 153, § 9º) contemplava-se a inviolabilidade do sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas64.

Mesmo depois da promulgação da Constituição Federal, a utilização legítima desse recurso de produção de provas ficou inviabilizada por quase oito anos à espera da lei regulamentadora, tendo o Supremo Tribunal Federal reconhecido em reiterados julgados que o artigo 57 do então Código Brasileiro de Telecomunicações não atendia os pressupostos constitucionais para dar suporte à aplicação do instituto, por não descrever as hipóteses e a forma da interceptação. Até poucos meses antes da edição da lei em comento, mantinha o Supremo Tribunal Federal o mesmo entendimento, conforme restou decidido no Habeas Corpus n. 73.351-4-SP, relatado pelo Ministro Ilmar Galvão: “[...] sem a edição de lei definidora das hipóteses e da forma indicada no art. 5º, inc. XII, da Constituição, não pode o Juiz autorizar a interceptação telefônica para fins de investigação criminal”65.

Com a edição da Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, ficou estabelecido que “a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação

63BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

64GOMES, Luiz Flávio; CERVINI, Raúl. Interceptação telefônica: lei 9.296, de 24.07.96. São Paulo: Revista

dos Tribunais, 1997, p.86.

criminal e em instrução penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça”66, devendo as mesmas regras serem observadas em relação à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Nesse contexto, a utilização desse meio de prova exige prévia autorização judicial com característica de matéria afeta à “reserva de jurisdição”, o que significa dizer que não podem as Comissões Parlamentares de Inquérito adotar tal procedimento, apesar dos poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, que lhes foram conferidos pelo parágrafo terceiro do artigo 58 da Constituição Federal. Necessita-se, também, de uma investigação criminal ou instrução processual penal, sendo ilegítima a autorização da interceptação em outros processos, de natureza civil ou administrativa, por exemplo. Entretanto, necessário observar que o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu, por maioria, autorizar o envio de cópias do acervo de provas reunidas em Inquérito, atendendo solicitação do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho Nacional de Justiça. Entendeu o Ministro Cezar Peluso que

[...] a prova oriunda de interceptação lícita, autorizada em investigação criminal, contra certa pessoa, na condição de suspeito indiciado ou réu pode ser-lhe oposta na esfera própria pelo mesmo Estado encarnado por órgão administrativo ou judiciário a que esteja o agente submisso como prova do mesmíssimo ato, visto sobre a qualificação jurídica de ilícito administrativo ou disciplinar 67.

A interceptação de comunicações telefônicas ou em sistema de informática ou telemática, como toda medida cautelar, vincula-se aos requisitos da plausibilidade do direito invocado (fumus bonis iuris) e do perigo da medida definitiva se tornar ineficaz (periculum in mora), consubstanciando-se o primeiro na existência de indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal punida com reclusão e, o segundo, na impossibilidade da prova ser produzida por outros meios disponíveis. Luiz Flávio Gomes e Raúl Cervini anotam que “a ‘necessidade’ e a ‘urgência’ (esta evidenciada na natureza mesma da medida, assim como no prazo exíguo com que conta o Juiz para decidir o pedido de interceptação: vinte e quatro horas, conforme o artigo 4º, § 2º), destarte, são as características essenciais do periculum in mora”68.

66BRASIL. Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996. Regulamenta o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição

Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9296.htm>. Acesso em 18 maio 2007.

67BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Notícias. Disponível em <http://www.stf.gov.br>. Acesso em 18 maio

2007.

As provas colhidas serão submetidas posteriormente à defesa, diferindo-se, portanto, o contraditório para não prejudicar as investigações, mas todos os que tiveram acesso a elas estão obrigados à manutenção do sigilo das diligências, gravações e transcrições respectivas, cuja violação implica em crime apenado com reclusão, de dois a quatro anos, e multa.

1.5.4 O Acesso a Dados, Documentos E Informações Fiscais, Bancárias, Financeiras E