• Nenhum resultado encontrado

1.2. Distrofia Macular Viteliforme de Best

1.2.2. Fundamentos genéticos e biofísicos

Apesar de sua ocorrência rara na população geral, a DMVB é uma das mais frequentes distrofias retinianas de herança autossômica dominante com envolvimento predominante da mácula (BOON et al., 2009a; NORDSTROM; THORBURN, 1980). A DMVB foi a primeira doença que provou ser causada por mutação no gene BEST1, localizado no cromossomo 11q13 (PETRUKHIN et al., 1998; STONE et al., 1992). Entretanto, amplo espectro de fenótipos oculares se mostrou associado a mutações neste mesmo gene. Pesquisas subsequentes associaram o BEST1 às seguintes doenças heredodistróficas e degenerativas da retina e EPR: distrofia macular viteliforme do adulto (ALLIKMETS et al., 1999; KRAMER et al., 2000; SEDDON et al., 2001; ZHUK; EDWARDS, 2006); bestrofinopatia autossômica recessiva, associada a alta hipermetropia e câmara anterior rasa (BURGESS et al., 2008); vitreorretinocoroidopatia autossômica dominante, associada à nanoftalmo (BURGESS et al., 2009; GOLDBERG et al., 1989; YARDLEY et al., 2004); e à

rara síndrome autossômica dominante de microcórnea, distrofia de bastonete- cone, catarata e estafiloma posterior (MICHAELIDES et al., 2006; REDDY et al., 2003). Enquanto a DMVB e a distrofia macular viteliforme do adulto estão caracteristicamente restritas à região macular, estas outras síndromes podem cursar com alterações oculares mais abrangentes, que se estendem além da retina (BOON et al., 2009a).

Embora se tenha sugerido anteriormente que a DMVB pudesse ser condição geneticamente heterogênea, esta impressão não se confirmou (BOON et al., 2009a; MANSERGH et al., 1998), já que mutações no gene BEST1 são identificadas em praticamente todos os casos de DMVB com história familiar positiva da doença ou esporádicos (KRAMER et al., 2000; LOTERY et al., 2000; PALOMBA et al., 2000; WHITE; MARQUARDT; WEBER, 2000). Os supostos casos de DMVB em que não se relatou mutação associada do BEST1 não tinham história familiar da doença, e podem ter sido erroneamente diagnosticados (BOON et al., 2009a; KRAMER et al., 2000; LOTERY et al., 2000). Até hoje, mais de 100 mutações diferentes no gene BEST1 foram relatadas em pacientes com DMVB (BAKALL et al., 1999; BOON et al., 2009b; CALDWELL et al., 1999; KRAMER et al., 2000; KRAMER et al., 2003; MARCHANT et al., 2001; MARQUARDT et al., 1998; PETRUKHIN et al., 1998; SCHATZ et al., 2006). Em sua maioria, as mutações descritas foram encontradas em apenas uma família; sete mutações foram encontradas em mais de três famílias (ALLIKMETS et al., 1999; APUSHKIN et al., 2006; BAKALL et al., 1999; BOON et al., 2007; KRAMER et al., 2000, KRAMER et al., 2003; LOTERY et al., 2000; MARQUARDT et al., 1998; MULLINS et al., 2005; PETRUKHIN et al., 1998; QUERQUES et al., 2009b; SEDDON et al., 2003; WONG et al., 2010; YANAGI; SEKINI; MORI, 2002). A distrofia viteliforme multifocal é condição clínica e geneticamente heterogênea, de natureza discutível, que parece estar associada a mutações no BEST1 em aproximadamente 60% dos casos (BOON et al., 2007; BOON et al., 2009a). Como a maioria destas mutações está associada, tanto à DMVB quanto à distrofia macular

viteliforme do adulto, não se sabe ao certo de qual doença a distrofia viteliforme multifocal é variante (BOON et al., 2009a).

O gene BEST1 codifica a bestrofina-1, proteína multifuncional localizada na membrana plasmática basolateral (MARMORSTEIN et al., 2000) e no espaço intracelular do EPR (MILENOVIC et al., 2006; YU et al., 2007), e expressa difusamente na monocamada do EPR (BAKALL et al., 1999; BAKALL et al., 2003; BAKALL et al., 2007; BOON et al., 2009a MARMORSTEIN et al., 2000; STONE et al., 1992; SUN et al., 2002; YU et al., 2007).

Fortes evidências clínicas e experimentais sugerem que a bestrofina-1 esteja envolvida na condutância do estímulo luminoso registrado ao EOG, embora por mecanismo ainda controverso (BOON et al., 2009a; HARTZELL et al., 2008; MARMORSTEIN et al., 2000; MARMORSTEIN et al., 2002; MARMORSTEIN et al., 2004; MARMORSTEIN et al., 2006; STANTON et al., 2006; TSUNENARI et al., 2003; YU et al., 2007; MARMORSTEIN; CROSS; PEACHEY, 2009). Várias linhas de evidência indicam que a bestrofina-1 funciona como canal de cloro (Cl-) (CHIEN; ZHANG; HARTZELL, 2006; HARTZELL et al., 2005; HARTZELL et al., 2008; QU et al., 2006; SUN et al., 2002; TSUNENARI et al., 2003; YU et al., 2006; YU et al., 2007) ativado por cálcio (Ca2+) intracelular (CHIEN et al., 2006; HARTZELL et al., 2008; SUN et al., 2002; YU; CUI; HARTZELL, 2006; YU et al., 2007). Experimentos in vitro sugerem que a atividade da bestrofina-1 como canal de Cl- pode também ser regulada pelo volume celular (BOON et al., 2009a; CHIEN; HARTZELL, 2007; CHIEN; HARTZELL, 2008; FISCHMEISTER; HARTZELL, 2005; HARTZELL et al., 2008). Além disso, a bestrofina-1 age como inibidor de canais de Ca2+ intracelulares voltagem-dependentes (MARMORSTEIN et al., 2006; YU et al., 2008), por efeito ainda discutido (BOON et al., 2009a). A bestrofina-1 humana é altamente permeável também à HCO3-, indicando que talvez funcione também como canal de HCO3- (QU; HARTZELL, 2008). O exame de EOG reflete a condutância iônica do EPR, e presume-se que a resposta à adaptação à luz seja gerada por ativação da condutância de Cl- sensível a Ca2+ (BOON et al., 2009a; HARTZELL et al., 2005). O EOG na DMVB tipicamente mostra redução

importante da resposta à adaptação à luz (DEUTMAN, 1969), que pode ser, ao menos em parte, atribuída à disfunção da bestrofina-1 (HARTZELL et al., 2008). Entretanto, observações conflitantes obtidas em experimentos animais desafiam a hipótese de que a bestrofina-1 seja um canal de Cl- clássico, assim como os mecanismos propostos para a sua influência no resultado do EOG (BOON et al., 2009a; HARTZELL et al., 2008; MARMORSTEIN et al., 2006; MARMORSTEIN; CROSS; PEACHEY, 2009). De toda forma, o resultado anormal ao EOG tem sido considerado um pré-requisito absoluto para o diagnóstico da doença em pacientes com lesão viteliforme, e também para a detecção de pacientes carreadores da doença em estágio subclínico (BOON et al., 2009a). Apesar de a maioria de pacientes com DMVB atender a este critério, alguns estudos sugerem que o EOG talvez possa se mostrar surpreendentemente normal em carreadores de mutação no gene BEST1, ou mesmo em pacientes clinicamente afetados, mas talvez apenas em genótipos específicos (BOON et al., 2007; BOON et al., 2009a; RENNER et al., 2005; TESTA et al., 2008; WABBELS et al., 2006b).

Documentos relacionados