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Fundamentos históricos e abordagens teóricas dos estudos sobre valores organizacionais

4 Lócus: local.

2 REVISÃO DA LITERATURA

2.1 VALORES ORGANIZACIONAIS

2.1.1 Fundamentos históricos e abordagens teóricas dos estudos sobre valores organizacionais

Como se define o que pode ser considerado um valor? O que explica o fato de que alguns fenômenos sejam definidos como valores em detrimento de outros? Segundo Gouvêa (2008), esses questionamentos estão relacionados à valoração, algo que antecede a pesquisa científica acerca dos valores pessoais, culturais ou organizacionais. O autor identifica valores humanos, valores pessoais e valores compartilhados, valores do trabalho, valores de família, valores éticos, valores religiosos, dentre outros. Ressalta, ainda, a necessidade de distinguir melhor o significado do conceito, contribuindo para que se possa conferir maior precisão a sua utilização nos discursos científicos.

No Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Cunha (1998) explicita que a palavra valor provém do latim válere e, desde o século XIII, o conceito está relacionado à qualificação de pessoas ou produtos sobre o “seu valor”, “seu custo”, “sua importância” e até mesmo, para conferir grau de legitimidade e validade às coisas. Já o uso filosófico do termo, segundo o que consta no Dicionário de Filosofia, só inicia quando seu significado é generalizado para indicar qualquer objeto de preferência ou de escolha, o que acontece pela primeira vez com os estoicos, que introduziram o termo no domínio da ética e chamaram de valor os objetos de escolha moral, ou seja, tinham natureza prescritiva e estavam associados àquilo que moralmente era correto e aceitável. “Por valor, em geral, entenderam qualquer contribuição para uma vida segundo a razão ou o que está em conformidade com a natureza ou é digno de escolha” (ABBAGNANO, 1999, p. 989).

O significado do que venha a ser valor como fenômeno psicossocial é comumente definido pelos pesquisadores como critérios ou princípios utilizados pelas pessoas para distinguir comportamentos e situações desejáveis ou indesejáveis na procura por obter determinados objetivos (ROKEACH, 1979; HOFSTEDE, 1980; ROS; SCHWARTZ; SURKISS, 1999). Os valores representam convicções a respeito do que se considera

importante para o atingimento dos objetivos e, embora nem sempre se tenha clareza desse fator, todas as decisões e ações humanas estão baseadas em valores.

Do ponto de vista histórico, o fenômeno valor passou a ser objeto intenso de estudos científicos entre os anos 1980 e 1990, por meio do desenvolvimento de teorias que permitiram, no plano transcultural, tornar conhecida a dimensão básica da cultura (ROS, 2006). A autora destaca que, embora existam diversas perspectivas para o estudo dos valores (psicológica, sociológica e antropológica), existe um nível psicossocial diferenciado para a análise dos valores, o que implica em conceitos que interagem entre os níveis cultural, grupal e individual.

Um dos precursores dos estudos de valores, Rokeach, em 1973 publicou o artigo “The nature of human values” e criou um instrumento com foco na hierarquia dos valores individuais. Ao se referirem à relevância científica dos estudos de Rokeach, os autores Gouveia, Martinez e Milfont (2001) ressaltaram a diferenciação que este pesquisador estabeleceu entre o significado do conceito de valores de outros construtos associados, como atitudes, interesses e traços de personalidade. Além disto, também destacaram o relevante instrumento construído por Rokeach que, de maneira inédita, objetivava medir os valores como um construto legítimo e específico, demonstrou sua centralidade no sistema cognitivo humano e reuniu dados sobre seus antecedentes e consequentes.

No Brasil, em 1996, o psicólogo e professor Alvaro Tamayo, que posteriormente tornou-se um dos grandes representantes dos estudos sobre valores, iniciou suas pesquisas e foi o pioneiro de diferentes publicações sobre o tema no contexto brasileiro. A primeira pesquisa na área de valores foi realizada com o inventário de valores de Rokeach, adaptado para o Brasil por Günter (1981), utilizado para conhecer, por exemplo, em que medida os valores estariam relacionados com o sexo e a idade das pessoas. As contribuições de Tamayo para as pesquisas sobre valores pessoais situam-se em diferentes níveis, ou seja, ao nível da medida, dos instrumentos para avaliação dos valores; na identificação dos valores característicos da sociedade brasileira e também, no estudo sistemático da relação entre valores e comportamento. O autor revela que os valores pessoais estão estruturados em duas categorias: a primeira pode ser associada a uma estrutura geral e integra os valores relacionados com todos

os aspectos da vida. A segunda compreende estruturas de valores associados a contextos específicos da vida, como, por exemplo, a religião, a família e o trabalho.

Em 1987, Schwartz e Bilsky publicaram um artigo intitulado “Toward a universal psychological structure of human values” e, nesse mesmo ano, o professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, Schwartz, lançou um projeto para estudar os valores, a fim de tentar identificar uma possível estrutura universal dos valores. Em 1989, ao integrar a equipe de pesquisa transcultural, Tamayo (2007) observou que, embora exista um consenso entre os pesquisadores de que os valores são representações cognitivas das necessidades humanas, foi Schwartz o pioneiro nos estudos que versam sobre os tipos motivacionais de valores. Schwartz (1992) sugeriu uma tipologia universal de valores baseada nas necessidades básicas dos indivíduos e propôs tipos motivacionais que, segundo Porto e Tamayo (2007), podem ser resumidos da seguinte forma: Universalismo (compreensão e proteção do bem-estar de todos e da natureza), Benevolência (preocupação com o bem-estar de pessoas próximas), Conformidade (restrição de ações e impulsos que podem magoar outros ou violar as expectativas sociais e normas), Tradição (respeito, compromisso e aceitação dos costumes e ideias de uma cultura ou religião), Segurança (segurança, harmonia e estabilidade da sociedade, dos relacionamentos e do self), Poder (preservação de uma posição social dentro de um sistema social), Realização (procura do sucesso pessoal por meio de demonstração de competência de acordo com as regras sociais), Hedonismo (prazer e gratificação para si mesmo) e Estimulação (novidade e estimulação na vida). De acordo com Porto e Tamayo (2007), esse modelo também prevê uma estrutura dinâmica entre os tipos motivacionais de forma que as pessoas tendam a apresentar alta prioridade para tipos motivacionais mutuamente compatíveis e baixa prioridade para tipos motivacionais conflitivos, isto é, a priorização simultânea de alguns domínios incompatíveis levaria a conflitos.

Especificamente no âmbito do trabalho, enquanto categoria central na sociedade em que vivemos, identifica-se uma inquietação dos pesquisadores com a necessidade de compreender os comportamentos das pessoas nas organizações, tendo como consequência, o aumento do número de pesquisas voltadas para a temática valores organizacionais. De acordo com

Porto e Pilati (2010), diversos modelos teóricos sobre valores do trabalho são encontrados na literatura, mas somente a partir de 1990 surgiram esforços para compreender essa temática a partir de teorias sobre valores gerais.

Os valores organizacionais compõem um conjunto específico no universo dos valores humanos e fazem alusão especificamente às organizações. O estudo desse fenômeno é de grande relevância, tanto na área de pesquisa acadêmica, quanto no escopo do diagnóstico e da gestão organizacional, pois, de acordo com Tamayo (2007), é por meio dos valores que as pessoas nas organizações expressam seus objetivos e as firmam como singulares na sociedade e no mercado. Segundo Porto e Pilati (2010), o estudo sobre valores do trabalho, no Brasil, tem se estruturado como uma forma de compreensão dos elementos motivacionais que influenciam a escolha laboral dos seres humanos, suas satisfações e inquietações com as atividades ocupacionais e o comportamento produtivo.

Porto e Tamayo (2006) constataram que em 1960 a relação entre valores gerais e valores organizacionais já era interesse de pesquisa para alguns estudiosos, como Kinnane e Gaubinger (1963), que realizaram um estudo para testar a hipótese de correlação positiva entre valores pessoais e organizacionais. Porém, os autores identificam uma lacuna no tempo, em relação aos estudos de valores organizacionais, que somente ressurgiram nos anos de 1990 com as pesquisas de Elizur e Sagie e de Ros, Schwartz e Surkiss, publicadas em 1999.

Para Tamayo (1996, p. 164), os valores organizacionais podem ser definidos como “princípios ou crenças organizados hierarquicamente, relativos a metas organizacionais desejáveis que orientam a vida da organização e estão a serviço de interesses individuais, coletivos ou mistos”. A concepção de valores organizacionais do autor tangencia o arcabouço teórico proposto por Schwartz, ficando isto explícito quando Tamayo (2006) afirma que os valores constituem o núcleo fundamental da cultura organizacional. Nessa mesma perspectiva, Hofstede (1980) expõe que o sistema de valores é responsável pela “programação mental” das pessoas, uma vez que constitui a centralidade da cultura organizacional e é orientador de comportamentos.

À guisa de complemento, Tamayo e Gondim (1996) acrescentam à definição de valores organizacionais as dimensões

cognitiva, motivacional, hierárquica e funcional. De acordo com os autores, o aspecto cognitivo constitui um elemento básico, expresso em formas de conhecer a realidade organizacional, sobre o que é e o que não é desejável na organização. A dimensão motivacional está relacionada à expressão de interesses e desejos e à representação das metas da organização. Já a dimensão hierárquica, por sua vez, diz respeito às preferências, distinções entre o importante e o secundário, entre o que tem valor e o que não tem. Por fim, os autores expressam que os valores possuem a função de orientar e guiar os comportamentos dos membros de uma organização, o julgamento que eles fazem do comportamento dos outros e de eventos organizacionais, aproximando essa perspectiva à de Katz e Kahn (1974), os quais defendem que os valores têm a função de vincular as pessoas, de modo que elas permaneçam dentro do sistema e executem as funções que lhes foram atribuídas.

De acordo com Tamayo (2008), na literatura nacional e internacional não há um modelo padrão e único para estudar e avaliar os valores organizacionais. Mas, de maneira geral, é possível identificar que os estudos de valores organizacionais são representados por meio de três diferentes abordagens, descritas na literatura. A primeira, com um enfoque nos valores pessoais, representada pelos estudos de Rokeach, consiste em identificar os valores organizacionais a partir dos valores individuais dos seus membros. Conforme o autor, existe um "isomorfismo motivacional" entre os valores pessoais e organizacionais, o que implica na correspondência de metas entre o trabalhador e a organização, sendo esta última compreendida como um empreendimento definido por metas grupais e pessoais. No referido modelo é postulado que os valores organizacionais se arranjam em torno do conjunto das motivações pessoais, mas com metas coletivas em detrimento de propósitos pessoais. Portanto, de acordo com esta perspectiva, os valores de uma organização poderiam ser identificados levantando os valores pessoais dos membros dessa organização ou de uma amostra significativa dos mesmos.

Na segunda abordagem é proposto avaliar os valores por meio de documentos oficiais da organização (relatórios anuais, estatutos, etc.) e por meio da análise do discurso da direção e dos gerentes. A maioria dos estudos sobre valores organizacionais que utiliza essa abordagem é do tipo qualitativo, sendo que, esse

método é considerado adequado para identificar os valores proclamados pela organização. Porém, os valores oficializados em textos podem não ser intensamente compartilhados pelos membros da comunidade organizacional (TAMAYO, 2008).

A terceira perspectiva, desenvolvida particularmente no Brasil (TAMAYO, 1996; TAMAYO; GONDIM, 1996; TAMAYO; MENDES; PAZ, 2000; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004), consiste em empregar a percepção dos funcionários para avaliar os valores organizacionais. De acordo com Tamayo (2008), por meio dessa abordagem estudam-se os valores da organização e a sua hierarquia de acordo com a percepção dos funcionários, resultado do que é transmitido por meio dos discursos, dos documentos oficiais e das atitudes dos diretores, dos gerentes e dos colegas. O autor salienta ainda que os valores compartilhados pelos membros da organização estão imbricados nas práticas e influenciam o comportamento de gestores e funcionários. Essa abordagem adota uma perspectiva de integração das informações derivadas da organização e da literatura científica, pois os valores e o seu conteúdo são definidos a partir da realidade organizacional e do que já existe na literatura. É importante ressaltar que a terceira abordagem tem origem no modelo cultural dos valores organizacionais de Schwartz (1992), que se baseia na premissa de que toda organização possui uma cultura e, assim como as sociedades em geral, as organizações encontram exigências universais que precisam ser atendidas para a garantia da sua sobrevivência. Esse modelo está organizado em três dimensões bipolares que representam as alternativas de resposta da organização aos seguintes dilemas: autonomia versus conservadorismo, igualitarismo versus hierarquia e harmonia versus domínio.

No Brasil já foram validados três instrumentos para mensuração dos valores organizacionais e todos, sem exceção, utilizam a percepção dos trabalhadores para avaliação. São eles: Escala de Valores Organizacionais (TAMAYO; GONDIM, 1996); Inventário de Valores Organizacionais (TAMAYO; MENDES; PAZ, 2000) e Inventário de Perfis de Valores Organizacionais (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).

A Escala de Valores Organizacionais (EVO) foi elaborada e validada por Tamayo e Gondim (1996) de forma empírica e sem um modelo teórico explícito. Isto é, os autores não utilizaram um modelo teórico específico e definições operacionais para

representar a estrutura dos valores organizacionais, sendo que a base para a construção foi identificar a estrutura dos valores por meio de uma amostra representativa de valores organizacionais. Com referência ao instrumento, Porto e Tamayo (2006) salientam que no questionário solicita-se aos sujeitos que relacionem, no espaço previsto, cinco valores da sua organização e, para orientar os sujeitos, os valores foram definidos como princípios ou crenças que guiam e orientam a vida na organização. Também era solicitado aos sujeitos que dessem uma curta descrição de cada um dos valores. Após essa etapa, os pesquisadores obtiveram uma lista de mais de 500 valores que, após análise de conteúdo e eliminação dos sinônimos, foram reduzidos a 48 valores, que por sua vez, foram arranjados de forma aleatória em um folheto de instruções adequadas para autoadministração.

O Inventário de Valores Organizacionais (IVO) foi construído e validado por Tamayo, Mendes e Paz (2000) e teve como objetivo superar a deficiência teórica apontada no primeiro instrumento, ao integrar as abordagens empírica e teórica. De acordo com Porto e Tamayo (2008), foi utilizado o modelo cultural de Schwartz que postula três aspectos bipolares: autonomia versus conservadorismo; hierarquia versus igualitarismo e harmonia versus domínio. Os valores que haviam sido levantados por Tamayo e Gondim (1996) para a construção da primeira escala foram utilizados para esse novo instrumento e, para representar de maneira apropriada os tipos motivacionais de valores que não foram suficientemente representados na EVO, foram construídos novos itens a partir de pressupostos teóricos, procurando valores que expressassem de maneira adequada os polos de igualitarismo e autonomia. Tamayo (2007) identifica que a análise multidimensional confirmou os pressupostos teóricos, uma vez que as três dimensões propostas foram encontradas.

O Inventário de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO), construído e validado por Oliveira e Tamayo (2004) teve por base o modelo dos valores pessoais composto por 10 tipos motivacionais de valores, o que implica em realizar associações entre os valores pessoais e organizacionais. De acordo com Tamayo (2007), o paralelismo axiológico postulado para a construção do IPVO consiste na correspondência biunívoca dos tipos motivacionais de valores do trabalhador e da organização, o que implica na correspondência ou alinhamento entre metas pessoais e organizacionais.

Para Borges et al. (2002), a linha de estudos sobre valores humanos na Psicologia Social contempla os valores como elementos centrais da cultura, porém ao se dispor de um diagnóstico de valores organizacionais, embora se traduza apenas uma visão parcial da cultura organizacional, o foco está em uma parte de importância central. No entanto, contrapondo os autores que consideram a historicidade dos estudos sobre valores de maneira “desarticulada” com os estudos que versam sobre a cultura organizacional, os autores defendem que, por ser constituinte essencial da cultura, o conceito de valor começa a ser discutido indiretamente a partir do início dos estudos sobre cultura