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Fundamentos Jurídicos da Inimputabilidade em Razão de Anomalia Psíquica

IV. Análise comparativa das conceções de responsabilidade e inimputabilidade

4.2. Fundamentos Jurídicos da Inimputabilidade em Razão de Anomalia Psíquica

Inimputabilidade, Fundamentos e Princípios Legais. Apesar de Portugal

ainda não apresentar padrões definidos quanto à avaliação dos aspetos interligados à inimputabilidade, o ordenamento nacional apresenta legislação respeitante à presente temática. Antes de se abordar como o ordenamento jurídico atualmente procede ao tratamento da presente problemática, é necessário compreender o enquadramento histórico.

Segundo Dias Cordeiro (2003) “estas questões não se referem apenas ao mundo dos nossos dias”. O autor salienta que a avaliação psicoforense deu “os primeiros passos na Grécia Antiga e desenvolveu-se no Direito Romano ao ponto de existir, já nessa altura, uma jurisprudência sistematizada”. Da mesma opinião surge Pedro Polónio (1975), que afirma a importância de Aristóteles, defendendo este que um ato só pode ser atribuído ao seu autor (imputado) se este possuísse uma noção exata da natureza e do alcance do ato. Aristóteles instituía assim o Princípio da Liberdade da Vontade, que delineava que a imputabilidade só é aceite quando exista a razão, o discernimento e poder de agir segundo as noções morais, ficando de fora deste critério as crianças, os animais, os idiotas, os loucos e os possessos por força divina.

Posteriormente, as conceções ligadas aos inimputáveis na Idade Média eram diferentes, sendo esta uma época de retrocesso quanto à conceção da doença mental. Os doentes mentais eram considerados possessos e castigados, pois predominava as ideias místicas e ocultas, retornando-se assim aos primórdios da Antiguidade, sob mentalidades regidas pelo sobrenatural e pelas magias, ficando os tratamentos médicos na esfera da Igreja (Coelho, 2007).

Só a partir do Renascimento, com a evolução nestes domínios pela influência dos árabes (em especial na Espanha, a partir do século XIV), que progressivamente se começou a considerar os doentes mentais como verdadeiros doentes (louco, insano).

No entanto, com o Humanismo começa a desaparecer as ideias ligadas à feitiçaria, e começa-se a valorizar a experiência clínica e a descrição dos doentes. Em Portugal, o conhecido S. João de Deus, de nome João Cidade, de Montemor-o-Novo, torna-se um exemplo de um homem dedicado à assistência dos pobres e dos doentes,

dedicando também a sua vida aos loucos (tendo ele também sido considerado numa fase da sua vida de louco), em que os considerava criaturas humanas dignas de piedade e não de castigo (Dias Cordeiro, 2002).

Em Portugal, a primeira noção de imputabilidade aparece no tomo III das Ordenações Afonsinas, publicadas no século XV (1446-1448), por D. Afonso V, referida por Silveira “e se achar que disse mal com bebedice ou sendo desmemoriado ou sandeu deve-o escarmentar de palavra, sem outra pena, pois o que fez estando desapoderado do seu entendimento” (Dias Cordeiro, 2003). No entanto, o termo imputabilidade foi introduzido na filosofia jurídica por Puffendorf em 1660, tendo em linha de conta as ideias de Aristóteles sobre a imputação moral, ou seja, para que um ato possa ser atribuído ao seu autor, este deve ter uma noção exata da natureza e alcance do facto que realizou.

Apenas em 1784, Phillipe Pinel consegue separar os doentes mentais, que assim teriam direito ao tratamento, dos restantes presos (Dias Cordeiro, 2003). É por esta altura que acaba a pena de morte para os doentes mentais, com a influência das reformas sociais e políticas no século XVIII em França. Esta nova perspetiva permitiu aproximar os doentes à comunidade, com a desinstitucionalização, facilitando a sua integração com o desempenho de determinadas tarefas (Coelho, 2007).

Em termos de imputabilidade, o Código Penal Português de 1886, no seu artigo 26.º refere que só os indivíduos que têm a necessária inteligência e liberdade podem ser considerados criminosos. Porém, se uma pessoa, no momento da prática do ato ilícito, não conseguir avaliar a sua ação por motivos de doença mental, não lhe será aplicada tal juízo de censura. Contudo, já no projeto do Código Penal de 1789, o jurista Mello Freire, apresentou a noção de que uma pessoa era inimputável quando era considerada como louca, desde os furiosos e os dementes, e os verdadeiramente melancólicos ou frenéticos, em que apenas podiam cumprir pena quando recuperassem das suas faculdades intelectuais (Rodrigues, 1999).

Pouco tempo depois, em 1889, é promulgada a 1ª Lei sobre os Doentes Mentais, ou a denominada Lei “Sena” (lei com um nome do primeiro psiquiatra português, António Maria de Sena), tendo em conta os doentes criminosos, e criando assim a assistência a alienados em Portugal, com anexos psiquiátricos nas cadeias. Também nesta linha de pensamento, Miguel Bombarda publica inúmeros relatórios periciais,

defendendo a irresponsabilidade criminal dos doentes mentais; e Júlio de Matos teve um papel importante ao publicar “Manual de Doenças Mentais”, em 1884, defendendo a utilização de métodos positivos e experimentais, e criticando a noção de responsabilidade e livre arbítrio. Este autor seguia as ideias de Lombroso e outros seus colaboradores da época, da Escola Criminológica Italiana (Morgado e Santos-Costa, 2003; Coelho, 2007).

Esta escola defendia que um delinquente era o resultado não apenas de um determinismo biológico, mas também psicológico e social, classificando estes indivíduos como doentes que necessitavam de tratamento psiquiátrico. Este pensamento de valorizar o homem delinquente e a prevenção da sua perigosidade, mais do que o crime ou a própria punição, influenciaram o pensamento jurídico-penal da época. Como principais obras desta abordagem, surge o “Génio e Loucura” (1864) e “O Criminoso Nato” (1876) de Lombroso, apresentando uma conceção antropológica do crime, “A Sociologia Criminal” (1881), de Ferri, demonstrando as condicionantes sociológicas, e “A Criminologia” (1881), de Garófalo, salientando o elemento psicológico no crime.

Com a aprovação do primeiro Código Penal Português (1886) e com a regulamentação do Hospital de Rilhafoles em 1852 (posteriormente denominado de Hospital Miguel Bombarda) criado pelo Marechal Saldanha (em 1848), observou-se a intenção de aplicação de uma versão da Lei de Reforma Hospitalar Francesa (de 1838 cujo principal responsável pela publicação foi Esquirol – discípulo de Pinel), que abordava a questão da alienação mental e a sua relação com a prática de atos criminais, preconizando o primórdio da proteção dos indivíduos que perdiam a razão. Esta lei fundamentalmente procurava proteger a sociedade e a defesa dos “direitos inalienáveis do cidadão”, sendo este apenas responsável pelo seu comportamento quando demonstrasse lucidez de consciência e integridade da sua vontade (Fonseca, 1987).

Como atrás se referiu, e desde a influência das teses lombrosianas, que a problemática da perigosidade tem vindo ao longo dos tempos a demonstrar uma especial importância. Por exemplo, verificou-se a publicação da Lei de 3 de abril de 1896, que obrigava a uma realização de um exame médico-legal em todas as situações em que o crime ou delito tivesse sido praticado por indivíduos supostamente alienados; a publicação da Carta de Lei de 17 de agosto de 1899 como definidora das perícias médico-legais, constituindo o primeiro diploma legislativo sobre realização destas

perícias no nosso país, subdividindo Portugal em três circunscrições médico-legais, com sede em Lisboa, Porto e Coimbra; e a publicação das Instruções Regulamentares de 8 de fevereiro de 1900, cujo primeiro capítulo da Secção I, tratava exclusivamente dos chamados “Exames de Alienação Mental”, procurando reunir todos os factos e dados que indicassem doença (Decreto-lei n.º 11/98 de 24 de janeiro; Coelho, 2007).

Posteriormente, já no século XX, surge a Lei n.º 2006, de 30 de maio de 1945, atribuindo assistência psiquiátrica aos doentes com anomalia psíquica, quer ao nível profilático, terapêutico e de reabilitação. Também em 1954, o Decreto-Lei 39688 de 5 de junho, aborda pela primeira vez a questão da perigosidade em razão de anomalia mental. Na década seguinte, surge no diploma legal denominado de “Lei de Saúde Mental” (Lei n.º 2118, de 13 de abril de 1963) a criação do Instituto de Saúde Mental, que reorganizava em três sedes, a assistência psiquiátrica nos serviços de saúde mental em Portugal.

No ordenamento jurídico-penal português, o Código Penal de 1982 seguia o princípio fundamental de que toda a pena tinha como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, remetendo assim a imputabilidade do agente. Também no sentido de colmatar o prejudicial atraso na resposta aos processos judiciais, o Decreto-lei n.º 326/86, de 29 de setembro de 1986, impulsionou assistência de uma prática eficaz e mais rápida dos exames periciais.

Atualmente, e após uma introdução histórica do ordenamento jurídico-penal português, verifica-se uma série de comportamentos que se pretende prevenir e que para tal se aplicam consequências penais que variam segundo a sua gravidade e perigosidade. No entanto, o próprio CP prevê uma série de cláusulas que excluem a responsabilidade penal de quem realiza atos como os mencionados – por exemplo, é o que sucede com as causas de justificação – deixando o ato de ser ilícito. Contudo existe outras defesas que excluem a responsabilidade penal, não porque seja lícito ou se justifique o ato, mas porque, e apesar de este se encontrar proibido pela lei penal, o seu autor comete-o em circunstâncias pessoais tais que o impede de afirmar a sua culpabilidade.

Quer fatores individuais ou situacionais podem ser responsáveis pela ausência de culpabilidade. Como fatores individuais que excluem a culpabilidade, encontra-se a doença mental, a deficiência intelectual, em razão da idade penal (menor de idade), e a alteração da perceção desde o nascimento/infância que supõe uma alteração grave da

consciência da realidade. Quanto aos fatores situacionais, pode-se exemplificar com o medo insuperável de um mal igual ou maior. Por exemplo Monteiro (2012) argumenta que é de extrema importância a situação dos transtornos mentais transitórios, ou seja que se inserem numa zona intermédia entre fatores individuais e situacionais.

Deve-se contudo compreender que ambos os fatores não surgem isolados um do outro, mas sim que se pode observar aquando uma avaliação quais os fatores determinantes num determinado contexto. Quando a culpabilidade não pode ser atribuída por fatores individuais ou quando ocorre numa situação de transtorno mental transitório, diz-se que existe inimputabilidade. Assim, os sujeitos considerados inimputáveis têm em comum a existência de condições psíquicas distintas das de um adulto normal (Lozano, 2006).

Contudo, o conceito de inimputabilidade é um conceito puramente normativo e, como atrás se descreveu, relaciona-se com o termo jurídico de culpa, questionando-se assim as conceções sobre a viabilidade da liberdade humana e sobre o fundamento do direito de punir.

Visto a ilicitude não se mostrar suficiente para fundamentar a punição de uma conduta, será sempre necessário verificar a culpa do agente, ou seja, a possibilidade de a conduta ser censurável ao respetivo agente. No entanto, enquanto o conceito formal de culpa reporta para o juízo de censura que é possível dirigir ao comportamento penalmente relevante de determinado agente – a culpa é censurabilidade – o conceito material de culpa, enquanto pressupostos substanciais necessários ao juízo de censura, é objeto das mais díspares conceções (Monteiro, 2012).

Quanto à conceção material de culpa, (Roxin, 1991) distinguiu cinco possíveis conceções existentes: culpa como poder agir de outra maneira, culpa como atitude interna interior reprovada pelo direito; culpa como o ter de responder pelo seu próprio caráter; culpa como atribuição, em função de necessidades de prevenção geral; e, culpa como atuação contrária ao direito, a despeito da existência de permeabilidade ao apelo normativo. Para além destas conceções, Roxin (1991) introduz uma nova categoria sistemática, ou seja, o elemento responsabilidade. De acordo com o autor, esta “depende de dois lados, que terão de se acrescer ao facto ilícito: a culpa do agente e a necessidade preventiva de uma sanção penal, necessidade que deve ser extraída da lei” (p. 504). Ou seja, “só reconhecendo que a culpa e a necessidade de prevenção são pressupostos,

igualmente importantes, da responsabilidade penal é que a dogmática do direito penal pode harmonizar-se com a teoria dos fins da pena, relativamente à qual se reconhece hoje que só a culpa e a necessidade de prevenção, em conjunto, podem desencadear uma sanção penal” (Roxin, 1991, p. 505).

Também Dias (2004) se pronunciou sobre a conceção da culpa, em que defende dois pressupostos essenciais nesta: o princípio da culpa e a liberdade. Na sua conceção, impõe-se a aceitação da culpa como pressuposto necessário e limite inultrapassável da pena, ou seja, não há pena sem culpa (nulla poena sine culpa) e a medida da pena não pode nunca ultrapassar a medida da culpa (Dias, 2004). Segundo o autor, na conceção material da culpa deve-se ter em atenção o conceito de liberdade, pois “onde quer que se fale de responsabilidade ou de culpa em sentido moderno, aí se pressupõe sempre a liberdade do homem que age” (p. 19). No entanto não se refere a uma liberdade ligada ao livre-arbítrio ou indeterminista de escolha, mas sim uma liberdade “da decisão existencial pelo próprio ser e sentido e, assim, a opção fundamental pela própria conformação” (p. 147), ou seja, uma liberdade em que projeta o próprio ser no ato.

Mas para além da liberdade como fundamento da culpa, Dias (2004) acrescenta a ideia de responsabilidade, sendo esta “o substrato que permite imputar ao existir, e ao ser-livre, o seu próprio comportamento” (p. 152). Segundo esta interpretação, a culpa deriva da violação de um dever-ser pelo qual o homem é responsável, de uma “violação pelo homem do dever de conformar o seu existir para que, na sua atuação na vida, não viole ou ponha em perigo bens juridicamente (jurídico-penalmente) protegidos” (Dias, 2004, p. 159). Assim, segundo o autor, toda a culpa é materialmente o ter que responder pela personalidade que fundamenta um facto ilícito típico e nele se exprime, ou seja, a culpa jurídico-penal é constituída por três elementos: o facto, os bens jurídicos protegidos e a personalidade.

Segundo as palavras de Mezger, a culpa é o conjunto dos pressupostos que fundamentam a censurabilidade pessoal ao autor pelo facto ilícito que cometeu, logo está indissociavelmente ligado ao conceito de imputabilidade, tratando-se este na capacidade de cometer culposamente factos ilícitos culposos (cit. in Monteiro, 2012). Ou ainda, segundo (Correia, 1996), a imputabilidade consiste “naquele conjunto de qualidades pessoais que são necessárias para ser possível a censura ao agente por ele não ter agido de outra maneira” (p. 331).

No entanto, enquanto antigamente vigorava a não punição dos inimputáveis com base na justificação de que a pena visava uma função retributiva e, assim, não fazia sentido punir quem não entendia o alcance dos seus atos – não sendo capaz de culpa – agora vigora a teoria da prevenção e, assim, observam-se diferenças substanciais entre as várias situações de inimputabilidade.

Observa-se ao longo dos tempos que a inimputabilidade tem como objetivo a não punição de quem é declarado inimputável, alguém insuscetível de responsabilidade e de censura penal. No caso específico da inimputabilidade por anomalia psíquica, observa-se uma relação desta com os fins das penas. Mas, para além da finalidade das penas, “a nossa formação jurídica e moral leva-nos a considerar não ser justo punir quem não tem culpa” (Beleza dos Santos, 1949, p. 89).

Assim, a conceção geral é de que a inimputabilidade corresponde à incapacidade de culpa, sendo que a pena corresponde à culpa, constituindo esta o seu limite. Mas também neste sentido o fundamento da retribuição como fim da pena podia justificar o tratamento dado aos inimputáveis. Contudo, como afirma Almeida (2000), a pena ao destinar-se a punir um crime e ao realizar da justiça, deve tal indivíduo que é punido, compreender o próprio efeito da sanção, pois caso contrário, não seria lógico punir alguém que é incapaz de compreender o significado do mal praticado ou que não foi livre nas suas ações.

Uma outra crítica à doutrina jurídica da retribuição é a questão da legitimidade da pena recair sobre a liberdade de se autodeterminar, incidindo-se sobre o tema do livre arbítrio. Ora, sabe-se que para excluir a culpa, determinadas circunstâncias que propiciam determinados atos podem variar de sujeito para sujeito, de contexto para contexto, com motivações também elas diferentes. Assim, esta legitimidade da doutrina jurídica da retribuição pode não apresentar uma solução concreta para a aplicação de uma pena, o que coloca em causa os próprios fundamentos do direito penal.

Mas mesmo que se conceba a retribuição como um imperativo de expiação, pode-se alegar que quem não procedeu com culpa nada tem a expiar, o que assim não lhe deve ser imputado qualquer pena, não podendo nestes casos ser imputado algum tipo de sanção a quem não é responsável por falta de auto-determinação.

Recentemente, esta doutrina retributiva tem adquirido alguma força na medida em que remete a punição para uma necessidade de vingança, de restauração do equilíbrio quebrado pelo ato criminoso e sentido pela comunidade. No entanto, segundo Almeida (2000), este mecanismo aproxima-se já muito da prevenção geral positiva ou de integração.

Um conceito relacionado com as presentes temáticas é a ideia de prevenção geral de intimidação. Esta ideia tem presente que a ameaça da pena e o seu próprio cumprimento, intimida as pessoas na prática de crimes. No entanto, no caso dos inimputáveis, este efeito intimidatório perde-se, pois estes indivíduos são incapazes de culpa (responsabilidade subjetiva) e diferem da própria sociedade pelas suas caraterísticas.

Todavia, caso o efeito da prevenção geral se obtivesse pela responsabilidade objetiva, ou seja, somente através do objeto, ao indivíduo que praticou o ato ser-lhe-ia imposta uma pena para servir de exemplo e instrumento de terror, nada obstando a que a culpa fosse desprezada.

Quanto à prevenção geral negativa, procura-se que a sociedade tome consciência da verdadeira dimensão e valor da ameaça penal, influenciando também o indivíduo que sofre uma punição. Porém, também neste ponto se exclui a punição aos inimputáveis, pois deve-se salvaguardar os princípios que respeitam a dignidade humana e o princípio da culpa.

Numa posição contrária a Almeia, surge Monteiro (2012) que refere que “é indiscutível que a comunidade não se reverá em alguém que padece de graves distúrbios mentais” (p. 76), ou seja, “assim, evidente se torna que através da aplicação de uma pena a um inimputável não se lograria o objeto de dissuadir a comunidade da prática de novos crimes” (p. 161). Continua a autora que “ao que se julga, a aplicação de uma pena a um inimputável é insuscetível de influenciar a comunidade para o não cometimento desse mesmo crime, uma vez que é evidente que a comunidade não se revê naquela violação”. Quanto à “finalidade de prevenção geral positiva, de acordo com a qual a punição do agente de um crime torna-se imperiosa para restabelecer a confiança da comunidade nas normas e restaurar a segurança jurídica” (p. 77), também neste caso, Monteiro (2012) defende que “afigura-se evidente que não se impõe a aplicação de uma pena a um inimputável. Na verdade, apesar da violação da norma jurídica, a

comunidade não sente a sua segurança abalada, uma vez que não toma como exemplo um inimputável” (p. 77).

Ainda neste sentido, Roxin (1991), referindo-se às pessoas com doenças psíquicas, diz que “na generalidade dos casos, não se espera dessas pessoas que sigam a norma. Se violam a lei, e se não faz gorar expetativas sociais nem perturba a consciência jurídica da generalidade dos indivíduos. Ninguém se sente impelido a imitar tais pessoas porque, aos olhos do público, a validade da norma não é restringida por factos como esses” (p. 529).

Para além da prevenção geral, a doutrina também refere o conceito de prevenção especial. No caso dos inimputáveis torna-se logo à partida evidente que estes indivíduos devem ter um tratamento adequado, de acordo com os seus condicionalismos específicos e com o seu estado atual. Quanto à prevenção especial positiva, visa evitar a reincidência e incutir nos sujeitos novos valores que o levem a adequar o seu comportamento às disposições normativas. Mas apenas se atinge esta meta quando os sujeitos tiverem as competências necessárias para corrigir as suas limitações. É neste sentido que apenas se aplicam penas aos doentes mentais quando estes têm sensibilidade à punição, ou seja, podem ser influenciados pelas penas.

Mesmo nestes casos, Dias (2012) refere que não estariam presentes os imperativos da prevenção geral, pois os atos praticados não põem em causa as expetativas comunitárias na validade da norma violada – pois o indivíduo normal não tende a tomar como exemplo o inimputável. Contudo, esta perspetiva não é assim tão linear, pois a comunidade não deixa de ter em certa parte o desejo de punição dos inimputáveis e quando se ofende um direito com um ato ilícito praticado por um inimputável, a ilicitude mantém-se. Assim, o único pilar é o princípio da culpa traduzido na falta de autodeterminação do agente e nas próprias convicções vigentes em cada

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