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IV. Análise comparativa das conceções de responsabilidade e inimputabilidade

4.1. Os sistemas de justiça anglo-saxónicos

Em Portugal, apesar de a legislação penal regulamentar aspetos ligados ao conceito de inimputabilidade e da aplicação de medidas punitivas e ressocializadoras, ainda não existe um modelo definido para se proceder à avaliação da imputabilidade, tal como existe por exemplo, nos Estados Unidos da América.

Assim, torna-se evidente a necessidade de colmatar esta insuficiência nesta área da avaliação da responsabilidade criminal, para o que será útil recorrer a bases conceituais que outros países já atualmente utilizam. Neste sentido, torna-se relevante compreender os modelos existentes nos sistemas de justiça anglo-saxónicos e, por fim, comparar com o nosso sistema de justiça.

Ao longo de toda a história, quer em Portugal, quer a nível internacional, a defesa por inimputabilidade representa um aspeto controverso do direito penal/criminal. A própria alegação da inimputabilidade tem gerado polémica no público em geral, muitas vezes devido aos crimes violentos que determinados indivíduos perpetram e têm grande divulgação dos meios de comunicação, o que leva muitas pessoas a desejar punições severas. No entanto, permanece a crença de que algumas pessoas não devem

ser responsabilizadas pelo seu comportamento criminal, nomeadamente aquelas que apresentam anomalias psíquicas graves.

O estudo da inimputabilidade trata-se de uma área que se inclui dentro da análise da noção de responsabilidade criminal, visto este último conceito englobar qualquer situação em que alguém carece do estado mental requerido, pela lei, para ser considerado culpado por um determinado crime (Huss, 2011).

A alegação de inimputabilidade é uma forma de defesa que, se atendida, resulta na ausência da responsabilidade criminal, podendo um indivíduo que se encontra nesta situação, de acordo com alguns modelos jurisdicionais, ser declarado Não Culpado por Razão de Insanidade (Not Guilty by Reason of Insanity - NGRI) ou Não Responsável por Motivo de Inimputabilidade (NRRI). Nestas situações a pessoa equipara-se a alguém considerado inocente por um crime, estando previsto este estatuto nas legislações anglo-saxónicas de insanity defense.

O inverso é o mens rea, ou seja, uma mente culpada, em que alguém comete intencionalmente e deliberadamente um ato criminal e, assim, é declarado culpado ou responsável. Nestas situações, quando não existe circunstâncias desculpabilizantes como a doença mental, uma pessoa é considerada mentalmente apta para ser julgada, ou seja, competent to stand trial. Esta exigência remonta às origens medievais da common

law, quando uma pessoa acusada era julgada durante a assembleia da sua tribo, não

sendo possível o julgamento in absentia (Coelho, 2007). Contudo, quando um indivíduo carece de mens rea, ou está pelo menos, reduzida, também a responsabilidade criminal é ausente ou diminuída.

Na situação da inimputabilidade, a doença mental pode ser a causa específica. Porém, inimputabilidade não é sinónimo de doença mental, visto o primeiro ser um conceito jurídico, e não um termo psiquiátrico/psicológico. A sua apreciação engloba também uma dimensão moral, isto é, supõe-se que as pessoas que não sabem o que estão a fazer ou apresentam sérias dificuldades em controlar os seus comportamentos, não devem ser culpadas, pelo menos em comparação com os outros indivíduos que não apresentam estas limitações.

Esta avaliação da inimputabilidade deve focar-se no estado mental de uma determinada pessoa no momento do crime (avaliação retrospetiva e longitudinal –

there-and-then) e, geralmente, a inimputabilidade requer uma especificação maior do

que simplesmente a determinação que a pessoa sofre de uma doença mental, até porque nem todas as perturbações ou doenças mentais são suficientes para estabelecer uma defesa por inimputabilidade.

Neste sentido, vários modelos e padrões foram desenvolvidos, com especial foco nos sistemas de justiça anglo-saxónicos, para tentar dar resposta à preocupação da dificuldade da defesa por inimputabilidade. Em Inglaterra, existem indicações de que as primeiras noções conceptuais da inimputabilidade datam o século XIII (Goldstein, Morse & Shapiro, 2003), mas apenas foram formalizadas no século XVIII.

Em algumas escrituras Hebraicas do século VI já se verificava uma distinção entre atos que estavam associados a culpa ou à ausência desta. Um exemplo destes era os atos de ofensa cometidos por crianças, ou por indivíduos adultos que se comparavam a estas com défice ou doença mental (Giorgi-Guarnieri et al., 2002).

Posteriormente, no século XII a lei pré-inglesa começou a distinguir as noções de maldade/incorreção (wrongfulness) e loucura (madness) na sua relação com a culpa. Nestas situações de loucura os condenados por crimes começaram a ser perdoados pelos Lordes, que as remetiam para tratamento em instituições de saúde mental. Também no século XIII a legislação comum inglesa assimilou o conceito de “errado” da moral cristã. No entanto, requeria em simultâneo a presença de um ato criminoso (actus reus) e de uma mente culpada (mens rea). Mas, mesmo nessa época, considerava-se que as crianças e os doentes mentais não eram capazes de formar uma “intenção culpada” (guilty intent) (Coelho, 2007).

O designado “padrão da Besta Selvagem” foi um dos primeiros a ser considerado para a determinação da inimputabilidade (Platt & Diamond, 1965). O juíz inglês Tracy, em 1724, reconheceu legalmente este padrão, considerando que um indivíduo é inimputável quando está totalmente privado da sua compreensão e memória, e não sabe o que está a fazer, comparando-se com um bebé, uma besta selvagem, ou um irracional (Rex v. Arnold, 1724) (Packer, 2009). Assim, uma pessoa que não fosse responsável pelo seu comportamento, ao não ter controlo, equiparava-se a uma besta selvagem (Platt & Diamond, 1965).

Surgiram também outros padrões ingleses, como por exemplo, o offspring of a

delusion verificado no julgamento Hadfield (Rex v. Hadfield, 1800), por Thomas

Erskine, considerando-se neste padrão de avaliação que a insanidade pode ser parcial e não total (dimished capacity). Isaac Ray (médico psiquiatra norte-americano) salienta outro aspeto importante para a determinação da inimputabilidade, nomeadamente a importância da avaliação do aspeto volitivo (para além do aspeto cognitivo, de distinguir o “certo do errado”), no “Treatise on the Medical Jurisprudence of Insanity” em 1838 (Packer, 2009).

Posteriormente, Verger (1992) descreveu que no caso M´Naghten em Inglaterra (1843), o padrão da besta selvagem deu lugar ao primeiro modelo moderno de determinação da inimputabilidade, que se passou a denominar pelo Modelo M’Naghten (“regra do certo ou errado” - “wright-wrong rule”). Observou-se que Daniel M’Naghten apresentava um conjunto de crenças delirantes direcionadas para o partido político que na altura estava no poder. Este indivíduo acreditava que os elementos desse partido o queriam matar e, antes que tal situação acontecesse, decidiu dirigir-se a Londres para matar com uma arma de fogo o Primeiro-ministro britânico, Sir Robert Peel. Contudo, por engano, atirou sobre Edward Drummond, o secretário do Primeiro-ministro. A defesa alegou inimputabilidade e a acusação concordou que M’Naghten era mentalmente doente. Porém, a acusação requereu a aplicação do padrão da besta selvagem, justificando-se que a doença mental não era suficientemente grave para a ausência completa da responsabilidade. O juíz, no entanto, considerou M’Naghten inimputável, porque as suas crenças delirantes o incapacitavam de diferenciar entre o certo e o errado (dizia que obedecia a um “comando da voz de Deus”) (Verger, 1992).

Este caso provocou reação pública, visto ter terminado com o veredicto de inimputabilidade. Esta reação não foi apenas do público em geral, mas também por parte da Rainha Vitória, que anteriormente tinha recebido ameaças de morte e levou o tema da insanidade mental a debate na Câmara dos Lordes. Todavia, o padrão M’Naghten subsistiu como modelo legal, estipulando que para prevalecer a insanidade “deve ser claramente provado que, no momento da prática do ato, o agente agiu sob efeito de raciocínio tal, originado de doença da mente, de forma a não saber a natureza e a qualidade do ato que estava a realizar ou, se soubesse, de não conseguir discriminar que o que fazia era errado”.

Como acontece nos modelos modernos, o padrão M’Naghten afirma que uma pessoa deve em primeiro lugar sofrer de uma doença mental, acrescentando a ideia da incapacidade da própria natureza (aspetos físicos do crime) ou qualidade do ato (o sujeito deve conhecer o potencial prejuízo que pode ocorrer) (Shapiro, 1999). De igual modo, focaliza a diferenciação entre o certo e o errado (Zapf, Golding & Roesch, 2006), sem acrescentar, contudo, se a intenção era focar as diferenças a nível legal ou moral. O padrão M’Naghten disseminou-se rapidamente pelos Estados Unidos da América, vigorando em quase todos os tribunais estaduais no final do século XIX. Brooks (1974, cit. in Rogers, 1984) resume os conceitos específicos deste modelo: (a) defeito de razão ou “defect of reason”, que se traduz num defeito do pensamento racional;

(b) conhecimento ou “know”, referente à consciência dos acontecimentos numa perspetiva “cognitiva” ou “intelectual”; (c) natureza e qualidade do ato, que se refere à consciência e compreensão que um indivíduo tem daquilo que está a fazer; e (d) incorreção ou “wrongfulness”, que define os aspetos legais ou morais.

Apesar deste avanço, o Modelo M’Naghten foi considerado muito restritivo e conservador, considerando exclusivamente os aspetos cognitivos da inimputabilidade ao enfatizar a capacidade intelectual do acusado sem ter em conta os aspetos volitivos que podem ser afetados por uma determinada doença mental. Ou seja, não tem em conta a capacidade de um indivíduo optar ou não por uma determinada ação e, consequentemente, a importância do controlo dos impulsos. Devido a esta limitação, nos Estados Unidos da América procurou-se reconsiderar uma hipótese diferente. Assim, surgiu o “Teste do Impulso Irresistível”, no Estado de Ohio, em 1834, que sugere que mesmo que uma pessoa conheça a natureza e qualidade de um determinado ato e esteja consciente do que está errado, ela pode ser incapaz de interromper o seu comportamento, não controlando as suas ações (Shapiro, 1999). Este teste foi habitualmente usado como complemento ao padrão M´Naghten, passando-se a desculpar os indivíduos que não entendessem a natureza e a qualidade do acto que praticaram, não sabiam se o ato praticado era certo ou errado ou, ainda, não controlassem os impulsos ou desejos patológicos que levaram a cometer do ato criminoso. Verificou-se assim um outro avanço histórico-legal, incluindo este teste no Modelo M’Naghten, ou substituindo-o por um novo modelo na primeira década do

século XX, designadamente o Modelo da Regra do Produto (“teste do produto” –

“product test”) (Crotty, 1924).

No entanto, o padrão M’Naghten continua a ser o mais proeminente nos EUA. Quanto ao Canadá, existe um padrão semelhante ao dos EUA., em que se declara inimputável um acusado quando este sofre de uma perturbação mental que resultou no seu fracasso em entender a natureza do ato ou saber que ele estava errado (Viljoen, Roesch, Ogloff & Zapf, 2003).

Para além do padrão M’Naghten, vigoram nos EUA dois outros padrões de determinação da inimputabilidade. Nestes padrões modernos, os peritos forenses em saúde mental devem ter a capacidade de avaliar a presença de uma doença mental, especialmente a nível retrospetivo, aquando da prática do crime. Neste sentido surgem algumas dificuldades, não tanto em determinar as capacidades cognitivas (por exemplo, a inteligência e a memória), mas na avaliação da determinação de um indivíduo em saber se este diferenciava entre o certo e o errado.

Um dos padrões significativos é a referida “regra do produto”, aplicada pela primeira vez em New Hampshire no ano de 1869 (Estado v. Pike, 1869) (Packer, 2009). Este modelo foi declarado quando o tribunal recusou a abordagem mais complexa especificada em M’Naghten, considerando que uma pessoa seria insana se o crime fosse o produto de uma doença mental no acusado (Shapiro, 1999). Em 1954, a regra do produto também ficou conhecida como a regra de Durham, quando o Tribunal de Apelação dos Estados Unidos da América (Apeal Court), em Columbia, adotou este modelo no caso Durham v. Estados Unidos da América. Monte Durham era acusado de invasão de domicílio e roubo de pequeno valor. O juíz David Bazelon declarou que os peritos deviam receber uma liberdade significativa na avaliação deste caso e que o acusado seria inimputável se o crime fosse produto de uma doença ou defeito mental. Apesar desta regra ter uma influência na época, ela apenas se aplicava aos tribunais federais (Goldstein et al., 2003).

Esta regra apresentou, no entanto, alguns problemas, pois presumia que os profissionais de saúde mental pudessem concordar com os construtos que constituíam uma doença ou defeito mental. Assim, o tribunal do Distrito de Columbia tentou erradicar este problema no caso McDonald v. Estados Unidos da América em 1962. Neste caso o tribunal decidiu que a doença ou o defeito mental devia prejudicar

substancialmente o indivíduo. Outro problema tinha a ver com a dificuldade em determinar se um ato criminoso era produto de uma doença mental, sendo sugerido por alguns peritos que se devia apresentar uma definição restrita que sugerisse que na ausência da doença mental o acusado não teria cometido este ato, ou que se observasse toda a história de vida do acusado como uma possível causa motivadora para o crime.

Esta regra não foi bem aceite pelos juristas, que argumentavam que este modelo dava uma interferência excessiva aos peritos na avaliação da inimputabilidade e que cada vez mais os acusados eram declarados inimputáveis nestas avaliações (Weiner, 1985). Apesar de se considerar este modelo demasiado liberal para avaliar a inimputabilidade, ainda continua a ser significativo em algumas regiões. Contudo, desde o caso Washington v. Estados Unidos da América, de 1967, que refere que os profissionais de saúde mental não podem testemunhar a respeito da conexão entre a doença mental e o comportamento criminoso, retirando deste modo a responsabilidade da decisão ao perito e passando-a para o cargo do juíz. Visto este padrão apenas ser utilizado em New Hampshire e Maine, e apresentando muitas oposições, começaram a elaborar-se outros modelos alternativos para avaliação da inimputabilidade (Weiner, 1985).

Outro caso de importância acrescida, foi o caso de McDonald v. Estados Unidos

da América (1962), em que o Tribunal procurou definir o conceito de “doença ou

defeito mental”. O conceito ficou delimitado como qualquer condição anormal da mente que afete substancialmente processos mentais ou emocionais e que perturbe substancialmente o controlo comportamental (Shapiro, 1999). Neste sentido, ficou saliente que nem todas as situações diagnosticadas podem resultar na desresponsabilização criminal de um indivíduo; apenas aquelas que revelem evidência acrescida de doença mental.

Em 1967, no caso Washington v. Estados Unidos da América referiu-se que os peritos em avaliação psicoforense podem testemunhar sobre o funcionamento de um determinado indivíduo e a relação com a sua doença, o modo como perturba o seu controlo comportamental. No entanto, não podem emitir juízos de valor sobre se o comportamento criminal é ou não “produto dessa doença ou defeito mental” (Coelho, 2007).

Após a regra de Durham e os casos acima referidos, o Instituto Americano de Direito (ALI) construiu um padrão que procurava evitar os problemas dos padrões M ´Naghten e Durham, expresso no Modelo de Código Penal de ALI.

Sendo o ALI constituído por um conjunto de juristas (principalmente advogados) que redigem propostas de leis e sugerem reformas legais, falta-lhes uma autoridade legal plena para que os seus pareceres se transformem em Lei. No entanto, o Modelo ALI expressa que uma pessoa não é responsável por um comportamento criminal se no momento de tal comportamento, como consequência de doença ou defeito mental, não tiver capacidade substancial de avaliar a criminalidade (iniquidade) do seu comportamento ou de o adequar às exigências da lei (Secção 4.01). Porém, esta legislação penal defende que a doença ou o defeito mental caraterizado por repetidos comportamentos criminais, é excluído de consideração.

Este padrão diferencia-se significativamente dos modelos formulados anteriormente, enquanto o padrão M’Naghten dá uma relevância exclusiva à parte cognitiva, o padrão ALI utiliza a palavra “discernir” para sugerir uma componente mais emocional/afetiva na inimputabilidade. De igual modo, para que o indivíduo se considere inimputável, não precisa de apresentar uma ausência total de discernimento, mas apenas um discernimento substancialmente reduzido. Neste sentido, quando se refere “adequar o seu comportamento às exigências da lei”, observa-se uma semelhança com o teste do impulso irresistível, sugerindo uma componente volitiva.

A partir do caso EUA v. Brawner (1972), o padrão ALI (ou a regra de Brawner) passou a ser adotado em todos os tribunais federais dos Estados Unidos da América e em muitos estados. Este modelo integra aspetos cognitivos, afetivos e volitivos da doença mental, dando relevância ao papel dos profissionais de saúde mental no diagnóstico, embora salientando que a decisão final deve ser elaborada pelo juíz.

Contudo, na segunda parte do padrão ALI determina-se a exclusão de anormalidade quando esta apenas se manifesta por comportamentos criminais repetidos e outros comportamentos antissociais. Neste elenco enquadram-se as personalidades psicopáticas. Todavia, também neste ponto se observou algumas críticas, pois estas perturbações de personalidade podem incluir sintomatologia adicional e, deste modo, seria necessária uma maior especificação do conceito; para além de que, mesmo nos dias de hoje, ainda não há certezas científicas que os “verdadeiros” psicopatas não

apresentam nenhum distúrbio mental subjacente às suas manifestações comportamentais.

Trata-se de um padrão considerado como meio-termo entre o padrão M´Naghten e o padrão Durham. No entanto, ainda é considerado por alguns críticos como demasiado abrangente, levando à classificação de muitos indivíduos como inimputáveis. Nas diversas mudanças de paradigmas, que consequentemente fizeram surgir novos padrões, a crítica pública sempre teve um papel importante. Em 1981, numa tentativa de homicídio do Presidente Norte-Americano Reagan, após um compromisso político, John Hinckley disparou seis tiros que atingiram o próprio Presidente e alguns elementos da sua equipa de segurança. A defesa de Hinckley argumentou que a sua motivação para este ato estava relacionada com a obsessão pelo filme Táxi Driver e pela atriz Jodie Foster. Neste filme uma personagem tenta matar um candidato presidencial, de forma a impressionar Foster e conquistar o seu amor. Como consequência, Hinckley foi internado no Hospital St. Elizabeth em Washington DC., após ter sido considerado NGRI (Inocente por Motivo de Inimputabilidade). Com o presente caso, observaram-se muitas críticas à defesa por inimputabilidade, sendo sugerido que os padrões de inimputabilidade deviam ser mais rígidos, que se removesse o aspeto volitivo da regra de Brawner ou, por outro lado, que se operasse a uma mudança legislativa nos aspetos probatórios (Finkel, 1989). Em termos de prova, alguns críticos sugeriram que se modificasse “além de uma dúvida razoável” para as menos rigorosas “evidência clara e convincente” ou “preponderância da evidência” (Shapiro, 1999).

Como consequência de uma evolução marcada pelo conhecimento e pelas reações públicas, surgiu uma nova lei, aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos em 1984, denominada Lei de Reforma da Defesa por Inimputabilidade (IDRA – “Insanity

Defense Reform Act”). Esta lei dificulta mais a defesa por inimputabilidade. Como

resultado, alteraram-se significativamente quatro aspetos: remoção do aspeto volitivo de Brawner que foi retirado do padrão federal de inimputabilidade, enfatizando os aspetos cognitivos e afetivos; a retirada dos peritos de saúde mental do testemunho final; atribuição do ónus da prova ao acusado, ou seja, que passou a ter de provar a sua inimputabilidade; e alteração do padrão de prova para “evidência clara e convincente”, que se torna mais difícil de sustentar do que a “preponderância da evidência” (Goldstein et al., 2003). De certo modo, é basicamente um retorno ao modelo M´Naghten e, em

certa medida é ainda é mais restritivo, quando menciona que o defeito ou a doença mental deve ser grave.

Uma das críticas a este novo modelo assenta na impossibilidade de se verificar a figura da capacidade diminuída, não considerando também como causa de insanidade a perda de controlo de impulsos. Em muitos casos, estas restrições podem não se adequar corretamente àquilo que se entende por defesa de insanidade. Por exemplo, uma pessoa que pratica um determinado crime motivada por um delírio, pode ainda assim reconhecer o erro daquele comportamento, mas o seu pensamento delirante e o seu efeito no comportamento criminal leva-a a praticar essa mesma ação. Ora, caso ainda permanecesse a vertente volitiva neste modelo, o resultado da respetiva avaliação seria diferente e a própria pessoa seria adequadamente tratada (Shapiro, 1999). Por sua vez, Brooks (cit. in Rogers, 1984) resumiu em cinco conceitos específicos o padrão ALI: (a) Doença ou Defeito Mental – condição anormal que afete substancialmente processos mentais ou emocionais e afete substancialmente o controlo do comportamento (Rogers, 1984); (b) Falta Substancial de Capacidade – traduzível numa incapacidade de avaliar o ato criminal; (c) Avaliação (“Appreciation”) – noção da incorreção do comportamento criminal, ou seja, ser mentalmente capaz de saber o que estava a fazer, e que esse ato estava errado (englobando uma componente cognitiva e também emocional e de compreensão); (d) Incorreção (“Wrongfulness”) – corresponde à noção dos indivíduos de que o seu comportamento é de natureza criminal, mas, como consequência da

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