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2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.4 Fundamentos ontológicos e epistemológicos da associação temática entre GC e IA

A presente tese parte da admissão de que a IA pode contribuir positivamente para a GC, ainda que o estudo esteja limitado ao ambiente de gestão de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico (P&D) no Setor Elétrico Brasileiro (SEB). Dessa perspectiva, pode-se discorrer sobre quais são os fundamentos ontológicos e epistemológicos que dariam sustentação à associação temática sugerida, principalmente no que tange ao processo de gestão de P&D. Para refletir sobre esse assunto, aqui se procede a uma elucidação das bases ontológicas e epistemológica de ambos os temas e, posteriormente, a uma tentativa de convergência dos fundamentos teóricos que justificariam tal associação.

Anteriormente, foi dito que a temática da GC recebe contribuições de diferentes disciplinas, tais como a psicologia, a sociologia e a estratégia, daí o seu caráter

multidisciplinar. Alguns autores, como Argote (2005) e Moustaghfir (2008), reforçam o caráter multidisciplinar da GC e suas consequências, uma delas a dificuldade em se estabelecer uma conceituação definitiva acerca da GC. Para se chegar a uma fundamentação ontológica da GC adota-se o entendimento trazido por Nonaka e Takeuchi (1997), no qual a GC é considerada como um conjunto de processos organizacionais de criação, armazenamento, transferência e uso do conhecimento, que tem como essência o gerenciamento eficaz dos processos de conversão do conhecimento individual em conhecimento organizacional. Dessa forma, a propriedade essencial da GC é sua capacidade de gerenciar os processos de conversão do conhecimento individual em organizacional. Para tal, a GC adota como bases epistemológicas ou como corpo básico de conceitos teóricos, os conceitos a cerca do conhecimento tácito, do conhecimento explícito e dos processos de socialização, externalização, combinação e internalização.

Como já explicitado anteriormente nesta tese, para Nonaka e Takeuchi (1997) o conhecimento tácito é aquele pertencente ao indivíduo na forma de modelos mentais, crenças e destreza informal (know-how). Por outro lado, o conhecimento explícito encontra-se nos manuais, documentos e diferentes tipos de registros. Enquanto que o conhecimento tácito é subjetivo e de difícil registro e formalização, o conhecimento explícito é objetivo, registrável e formalizável. Para os autores, é através dos processos de socialização (conversão do conhecimento tácito em novo conhecimento tácito), externalização (conversão do conhecimento tácito em conhecimento explícito), combinação (conversão do conhecimento explícito em novo conhecimento explícito) e internalização (conversão do conhecimento explícito em novo conhecimento tácito) que o conhecimento é criado e difundido por toda a organização, transformado-se, assim, de conhecimento individual a conhecimento organizacional.

Apresentados os fundamentos da GC, pode-se analisar a IA em relação às suas bases ontológicas e epistemológicas. Semelhantemente à GC, a abordagem da IA se constitui num tema relativamente recente para as ciências sociais e que, consequentemente, caminha para uma maior consolidação conceitual. Na perspectiva de Cooperrider, Whitney e Stavros (2008), a IA baseia-se na suposição de que em toda e qualquer organização humana algo funciona bem e pode se tornar o ponto de partida para uma mudança positiva da organização. Para os autores, um núcleo de mudança positiva para a organização é identificado quando se convida seus membros a participarem de diálogos nos quais são compartilhadas suas histórias de sucesso, suas vivências na organização, seus potenciais inexplorados, seus pontos fortes, seus valores, tradições e competências essenciais; bem como são projetadas suas visões de um futuro possível e desejado.

A base ontológica da IA é expressa ao considerarmos que a essência da abordagem de IA está na geração de conhecimento antecipatório socialmente construído. Segundo Cooperrider, Whitney e Stavros (2008), ao ser baseada no pensamento do construcionismo social, ou seja, ao admitir que o futuro da organização é construído socialmente e que este está interligado ao conhecimento social de seus membros, a IA se propõe a gerar conhecimento de um futuro coletivamente desejado, através de processos de aprendizagem antecipatória. Ao se desenvolver as etapas constituintes da IA, o pesquisador/praticante está, na verdade, realizando uma análise organizacional que conduzirá a geração de conhecimento capaz de ser aplicado e validado na forma de ações de seus membros.

Da mesma forma, a IA possui uma base epistemológica formada por conceitos relacionados ao conhecimento humano, vivências, experiências individuais, linguagem compartilhada e comunicação cooperativa. Conforme afirmam Cooperrider, Whitney e Stavros (2008), durante a aplicação dos ciclos da IA, os participantes são levados a interagirem por meio da comunicação e do compartilhamento de vivências e experiências

individuais, na busca por aquilo que fazem de melhor na organização. Se analisados à luz da teoria da conversão do conhecimento proposta por Nonaka e Takeuchi (1997), os ciclos da IA nada mais são do que processos intensos de socialização, externalização, combinação e internalização, aos quais se entrelaça o conhecimento cultural (CHOO, 2006).

No ciclo de Descoberta, conforme desenvolvido por Cooperrider, Whitney e Stavros (2008), existe uma predominância de processos de socialização de conhecimentos tácitos, através do compartilhamento de crenças pessoais, modelos mentais, histórias individuais e formas particulares de pensar a organização. Por sua vez, os ciclos do Sonho (3- D) e do Planejamento (4-D) guardam estreita relação com os processos de externalização dos conhecimentos tácitos em conhecimentos explícitos, bem como com o processo de combinação. Segundo os autores, é durante os ciclos do Sonho (3-D) e Planejamento (4-D) que os participantes da IA são convidados a externalizar e combinar seus conhecimentos trazidos na forma de seus desejos e sonhos para juntos construírem visões partilhadas da organização. O ciclo de Destino (5-D) conclui a aplicação da IA, no sentido de por em prática os conhecimentos criados e compartilhados nos ciclos anteriores, ou seja, o ciclo de Destino (5-D) se constitui num convite à internalização e prática de todo o conhecimento gerado com a IA.

O principal ponto de convergência entre a GC e a IA está em ambas as temáticas terem nos processos de comunicação e linguagem a essência da construção do conhecimento organizacional. Para Avital e Carlo (2004), ambas as temáticas se utilizam dos processos de comunicação e linguagem com o objetivo de identificar o conhecimento organizacional substantivo e, segundo Citolin (2009), tanto a GC quanto a IA possuem fundamentos consonantes.

Diante do que foi exposto, aponta-se que a associação temática entre GC e IA é possível e que a GC tem a ganhar com as contribuições trazidas pela IA, na medida em que

ambas as temáticas possuem fundamentos teóricos convergentes. Ambas partilham de ontologias semelhantes, pois têm como características essenciais os processos de conversão do conhecimento humano, em um caso (GC) para a criação, armazenamento, transferência e uso do conhecimento organizacional e em outro (IA) para a criação e compartilhamento de conhecimento antecipatório compartilhado. Também ambas as temáticas partem de bases epistemológicas semelhantes, ainda que mascaradas por nomenclaturas distintas, para entender os processos fundamentais de criação, conversão e compartilhamento do conhecimento individual e organizacional. Uma aproximação com o ambiente de conhecimento na perspectiva do processo de gestão de P&D e inovação torna-se necessária como se observa na próxima seção.