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65 Este capítulo desenvolve uma base de fundamentos teóricos úteis para a compreensão do trabalho e para a componente prática. Nesta fase abordam­se as temáticas que surgiram no capítulo anterior segundo uma perspectiva quase utópica.

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Imagem 16 ­ Em cima: Teatro Thália, exterior. Note­

se como o edifício é "encapsulado".

Imagem 17 ­ Em cima: Teatro Thália, interior.

Imagem 18 ­ Em baixo: Moinho de Papel, exterior.

Imagem 19 ­ Em baixo: Moinho de Papel, interior.

67 2.1. Tempo, Memória e Valor Patrimonial.

Este é o tema teórico principal / chave do trabalho. Os casos de estudo apresentados são mais do que memórias, pois estão materializados. A memória ainda está presente.

“A noção de permanência é fundamental quando se valoriza a importância da história para a forma urbana. No que permanece se revela a presença do passado, o que quer dizer que não se trata só do passado, mas da presença real desses feitos urbanos, nos quais se cristaliza o conteúdo do que é transmitido.” 26)

O valor patrimonial está presente no território, por um lado fisicamente e por outro, pela memória. Mas é a descrita noção de permanência que se destaca, pois a presença do passado pode ser muito comunicativa. Veja­se por exemplo o Teatro Thalia em Lisboa,dos arquitetos Gonçalo Byrne, Patrícia Barbas e Diogo Seixas Lopes 27). Trata­se de um edifício do século XIX, que foi restaurado. Neste exemplo, o património é "encapsulado", sendo protegido e preservado, fortalecendo a noção permanência. Outro exemplo é a reabilitação do Moinho do Papel em Leiria, levada a cabo por uma equipa multidisciplinar ( desde o reconhecido Arquitecto Álvaro Siza Vieira aos técnicos do Município ) 28), edifício antigo dedicado à indústria do papel que foi restaurado, salientando a noção de permanência e o seu valor patrimonial.

O tempo é assim um elemento chave; é com o passar deste que um qualquer espaço / objeto pode ganhar significado e passar a lugar.

26) RIVAS SANZ, Juan Luis de las ­ El espacio como lugar : sobre la naturaleza de la forma urbana.

Valladolid : Secretariado de Publicaciones, Valladolid, 1992. p. 107. Tradução: César Silva.

27) Disponível em: https://commons.wikimedia.org/

wiki/Category:Teatro_Thalia Acedido em 07/2022.

28) Disponível em: https://www.cm­leiria.pt/areas­

de­atividade/cultura/patrimonio­e­museus/museus/

moinho­do­papel Acedido em 07/2022.

68 Imagem 20 ­ Autor: Paul Klee ­ Space of the Houses.

69 2.2 Conceito de Lugar.

"A ideia de lugar destaca o caráter que este alcançou na sua configuração e compreensão pelo homem ao longo do tempo." 29)

Como foi referido, o passar do tempo é relevante para entender o que significa o conceito de lugar. No contexto deste trabalho, os casos de estudo apresentados possuem um valor patrimonial reconhecido, alcançado com o passar do tempo. Os casos de estudo, de certa forma, caracterizam e explicam os lugares onde se inserem e esse valor que lhes é atribuído contribui para a caracterização dos lugares. Esta visão torna possível um olhar mais consciente de valorização do património.

Os casos de estudo caracterizam e explicam os lugares onde existem e contribuem, como fonte de significado(s). O conceito de lugar é importante porque remete para o encontro entre os objetos ao longo do tempo.

"Mas onde a ideia de lugar assume um relevo singular é na concepção do «genius loci», que corresponde ao que o lugar é ou «quer ser». O mundo dos objetos reunidos por um lugar constituirá o seu Genius, e esse encontro é realizado pela linguagem da arquitetura." 30)

29) RIVAS SANZ, Juan Luis de las ­ El espacio como lugar : sobre la naturaleza de la forma urbana.

Valladolid : Secretariado de Publicaciones, Valladolid, 1992. p. 38. Tradução: César Silva.

30) Ibidém, p. 30.

70 Imagem 21 ­ Edifício Polifuncional em Roma. Note­se a reflexão das antigas muralhas aurelianas.

71 2.3. Linguagem em Arquitetura.

Linguagem em arquitetura, como em muitas outras áreas disciplinares, encerra entendimentos subjetivos, na medida em que não existe um padrão universal... Porém, é possível retirar algumas interpretações do seguinte exemplo ­ Edifício Polifuncional na Via Campania em Roma, da autoria do gabinete Passarelli ( Imagem 21 ). Este edifício é muito elucidativo quanto à comunicação da arquitetura entre si, mais concretamente com o que se passa do outro lado da rua. No livro "A Linguagem Moderna da Arquitetura", Bruno Zevi refere acerca do Edifício Polifuncional:

"Nos sextos vítreos espelham­se as construções dos lados opostos das ruas, e em particular as antigas muralhas aurelianas, nas diversas gradações do seu castanho­avermelhado." 31)

Este exemplo permite fazer uma reflexão acerca do tema linguagem em arquitetura e como se pode comunicar, particularmente na presença de elementos de valor histórico e patrimonial.

31) ZEVI, Bruno ­ A Linguagem Moderna da Arquitectura: Guia ao código anticlássico. EDIÇÕES 70, Lisboa, 1997. p. 156.

72 Imagem 22 ­ Le Modulor de Le Corbusier. A escala humana.

73 2.4. Elemento Natural.

“À escala do homem, e com todas as limitações que uma classificação sempre implica, é possível, talvez, distinguir fundamentalmente os casos­tipo de formas naturais ­ isto é, aquelas em cuja definição ou criação o homem não participa ­ e formas artificiais ou aquelas em cuja existência o homem toma parte activa. Casos­limite, sem dúvida, pois que o próprio homem, enquanto forma, isto é na sua realidade física, é um misto de obra da natureza e de obra de si próprio, sendo difícil distinguir o que a uma e a outro cabem, mesmo examinando o fenómeno a uma escala humana, como já foi referido, pois que de outro modo haverá que considerar o homem, na sua forma, como obra total da natureza, premissa esta a pôr de parte visto que fundamentalmente nos propomos a estudar fenómenos da organização do espaço tendo por agente o próprio homem.” 32)

Primeiramente pode retirar­se desta afirmação que o homem é sim parte da biodiversidade da natureza, mas fica claro que age sobre ela, ou seja, ganha uma autonomia que a permite modificar.

Deste ponto de vista fica clara a posição do homem na natureza, como dominador, agente. Ora, como se tem vindo a descobrir ao longo dos anos, o equilíbrio da natureza encontra­se mais e mais ameaçado, sendo enorme a urgência de abordar este tema.

"Neste ponto, cabe esclarecer dois conceitos de referência: ecologia e sustentabilidade, que correspondem a momentos históricos distintos e a diferentes concepções.

A ecologia, surgida em meados do século XIX com as teorias da evolução de Charles Darwin, e definida por Ernst Haeckel, é a ciência que trata dos ecossistemas, os quais incluem a biocenose ­ ou seres vivos ­ e os biótipos ­ ou sistemas em equilíbrio. O

32) TÁVORA, Fernando ­ Da Organização Do Espaço.

FAUP publicações, Porto, 2006. p. 13.

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conhecimento de que dispomos pode ser aplicado na distribuição dos recursos naturais de modo a beneficiar todas a sociedades humanas, respeitando­se o equilíbrio. A base da ecologia é a consciência holística de que, na natureza, tudo está inter­relacionado.

Sustentabilidade é um conceito recente, que foi necessário criar para que se enfrentassem os graves problemas de escassez de recursos e de contaminação do planeta, além da mudança climática. Nesse sentido, a proposta de um desenvolvimento sustentável baseia­se em critérios mensuráveis como a “pegada ecológica”, estabelecida pelos cientistas canadenses Mathis Wackernagel e William Rees, em 1995, ou os indicadores de sustentabilidade que, seguindo as Agendas locais propostas a partir do encontro no Rio de Janeiro em 1992, vêm sendo revisados e aplicados." 33)

De facto, com a industrialização e com a explosão das cidades deu­se uma ocupação massiva da natureza, criou­se um desequilíbrio, proporcionado por um crescimento exponêncial da forma como utilizamos os recursos ao nosso dispor. A sustentabilidade é um dos pontos chave para a relação homem­

natureza; relação sem a qual não podemos existir.

“Eu sou pessimista em relação ao ser humano porque ele é demasiado inteligente para o seu próprio bem. A nossa abordagem à natureza é domina­la. Teríamos mais chances de sobrevivência se aceitássemos este planeta e se o víssemos apreciativamente ao invés de ceticamente e ditatorialmente.” 34)

33) MONTANER, Josep Maria ­ A Modernidade Superada.

Ensaios sobre arquitetura contemporânea. Editora G Gili, SL, Barcelona, 2013. p. 158.

34) RAPOPORT, Amos ­ house form and culture. Philip L. Wagner, Editor, s/ local, s/ data. p. 83.

Tradução: César Silva.

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“É preciso almejar uma arquitetura que construa sem destruir, que ative o existente, que recicle o construído, que restitua as coberturas vegetais ao território urbanizado, que entenda os recursos como patrimônio e que interprete o meio existente como um complexo sistema de relações entre os seres humanos e o entorno construído.” 35)

Bernardo Secchi, tal como diversos outros autores, aborda as questões ambientais e de acessibilidade como materiais de projeto. Utiliza termos como permeabilidade, porosidade, perculação, isotropia... Estes são conceitos distintos, mas associados. Pode­se verificar o desenho do chão objetivado no sentido da conformação de sistemas, e correspondentes significados socio­culturais. Este estudo também pretende dar essa relevância ao elemento natural, numa procura de harmonia entre o humano a natureza.

35) MONTANER, Josep Maria ­ A Modernidade Superada.

Ensaios sobre arquitetura contemporânea. Editora G Gili, SL, Barcelona, 2013. p. 159.

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Fernando Pessoa

Paisagens, quero­as comigo.

Paisagens, quero­as comigo.

Paisagens, quadros que são...

Ondular louro do trigo, Faróis de sóis que sigo, Céu mau, juncos, solidão...

Umas pela mão de Deus, Outras pelas mãos das fadas, Outras por acasos meus,

Outras por lembranças dadas...

Paisagens... Recordações, Porque até o que se vê Com primeiras impressões Algures foi o que é, No ciclo das sensações.

Paisagens... Enfim, o teor Da que está aqui é a rua Onde ao sol bom do torpor Que na alma se me insinua Não vejo nada melhor.

Poema 1 ­ PESSOA, Fernando ­ Paisagens, quero­as comigo.

77 2.5. Paisagem.

O conceito de paisagem teve concepções diferentes ao longo do tempo no mundo ocidental. A evolução do sentido da palavra paisagem tem início no século XV:

"Nesta altura, a 'paisagem' nasceu como uma representação e perceção estética e personalisada de uma parte da terra e da natureza, e foi um manifesto da 'grande divisão' que foi fundada pela razão moderna entre o humano e o mundo, objeto e sujeito, natureza e cultura." 36)

O conceito de paisagem nasceu como algo que se contrapunha ao Homem. No século século XVIII, o Romantismo propôs uma nova concepção do sentido da palavra paisagem:

"Nesta altura, a 'paisagem' representa a perceção do sujeito baseada no seu sentido do mundo inteiro, e é o contexto de uma experiência sensual. A paisagem propõe um novo tipo de relação entre o humano e o mundo, que já não é simbólica ou dedutiva mas estética e sensual."37)

Deste modo, a paisagem foi de certa forma romantizada, na medida em que a relação entre o Homem e o mundo se torna em algo estético e sensual. Na primeira metade do seculo XX o conceito volta­se a transformar:

36) ALEHASHEMI, A., MANSOURI, S. "Landscape; a Shifting Concept; The Evolution of the Concept of Landscape from Renaissance". The Monthly Scientific Journal of Bagh­e Nazar, 2018. p. 36. Tradução:

César Silva. Disponível em: https://

www.researchgate.net/publication/

323345346_Landscape_a_Shifting_Concept_The_Evolution _of_the_Concept_of_Landscape_in_the_West_from_Renais sance Acedido em 07/2022

37) Ibidém, p. 37.

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"Nesta altura, considerando as conquistas da fenomenologia em negar o dualismo entre sujeito e objeto, a 'paisagem' já não é o resultado da análise lógica e inteletual dos seus componentes, mas sim um reconhecimento sintético das relações que os unificam. De acordo com o experimento sensato que foi estabelecido pela fenomenologia, a paisagem transforma­se no conceito totalmente subjetivo baseado em como a nossa interpretação se forma através do contexto cultural, religioso e histórico." 38)

Assim, a paisagem perde o sentido lógico e passa a ser algo subjetivo que depende da interpretação e do contexto. Na segunda metade do século XX há uma nova alteração:

"Nesta altura, a 'paisagem' emergiu como um símbolo da nova realidade que não é nem totalmente objetivo nem totalmente subjetivo, mas sim um novo tipo que é resultado da interação entre objetividade e subjetividade. Esta relação de trajetória cuja definição é impossível exceto pela linguagem da arte passa pelo mundo da fenomenologia e encontra o seu caminho para o intermédio entre humano, sociedade, história e ecúmeno." 39)

O conceito chegou a um intermédio entre objetividade e subjetividade. No século XXI há um novo sentido:

"Nesta altura, a 'paisagem', como mediadora que torna o conceito de ecúmeno é uma das principais chaves que desenvolve as soluções globais para a monodimensionalidade no campo do planeamento ambiental. Em primeiro lugar deve superar as abordagens positivistas que regem a arquitetura paisagística e suas disciplinas cognatas e os quadros científicos da disciplina devem ser definidos." 40)

38) Ibidém, p. 39.

39) Ibidém, p. 40.

40) Ibidém, p. 41.

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36) ALEHASHEMI, A., MANSOURI, S. "Landscape; a Shifting Concept; The Evolution of the Concept of Landscape from Renaissance". The Monthly Scientific Journal of Bagh­e Nazar, 2018. p. 36. Tradução:

César Silva. Disponível em: https://

www.researchgate.net/publication/

323345346_Landscape_a_Shifting_Concept_The_Evolution _of_the_Concept_of_Landscape_in_the_West_from_Renais sance Acedido em 07/2022

37) Ibidém, p. 37.

Dada a complexidade do conceito, a paisagem pode ser encarada como uma disciplina própria:

"A revisão histórica sobre a evolução do conceito de 'paisagem' ao longo de cinco séculos, revela que o século XXI trará a nova estrutura para a paisagem como disciplina científica." 41)

O conceito de paisagem foi inventado e é dinâmico. Também pode ser interpretado como base para um entendimento operativo do território:

"A Paisagem assume­se como uma construção cultural que faz a mediação entre o lugar e o sujeito (individual ou colectivo) mas também entre o lugar e o Projecto (proposta), para o qual é meio e instrumento." 42)

A paisagem é um substrato conceptual de todo o território em estudo. É multidisciplinar, envolve e cruza aspetos como a geologia, o recobrimento vegetal, o suporte físico, a morfologia, entre outros. No âmbito deste estudo, a paisagem é fundamental porque é o suporte das atividades praticadas ­ é o que as modela e é também ela modelada.

41) Ibidém, p. 43.

42) LABASTIDA, Marta – El Paisaje Próximo.

Fragmentos do Vale do Ave, 2013. p. 53 Tradução:

César Silva. Disponível em: https://hdl.handle.net/

1822/27185 Acedido em 07/2022

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Imagem 23 ­ Quinta da Malagueira em Évora da autoria de Álvaro Siza Vieira. Note­se as condutas elevadas.

81 2.6 Infraestrutura.

A infraestrutura é relevante para este trabalho porque é o suporte da urbanização. Atua como meio de fixação no território e como fator de desenvolvimento socio­económico. Um exemplo é o projeto da Quinta da Malagueira onde a infraestrutura ganha relevância:

"O abastecimento de água, energia, telefones e televisão é feito a partir de condutas elevadas, as quais constituem cobertura de protecção das principais vias de peões." 43)

A infraestrutura ganha forma num elemento arquitetónico que unifica o projeto ( Imagem 23 ).

No contexto deste estudo e da relação com o caminho de ferro em meio urbano destaca­se o seguinte exemplo:

"A necessária funcionalidade aliada à procura do sucesso comercial do caminho de ferro, em Inglaterra, fizeram com que a construção do edifício de embarque para passageiros se tivesse convertido num dos programas arquitetónicos mais estimulantes para os arquitetos da época. O edifício da estação ferroviária passou a ser encarado como equipamento fundamental dentro da organização urbana e a sua fachada principal constituía, à partida, uma passagem para o mundo da velocidade e do progresso. Em sentido inverso, na chegada do comboio a estação era vista como a própria fachada principal da cidade, a primeira grande porta panorâmica sobre o coração da urbe." 44)

O edifício de embarque de passageiros assumiu assim uma grande relevância ­ ganhou um significado. Não só como infra­

estrutura, mas como edifício no meio urbano e como local de entrada e saída.

43) SIZA, Álvaro. 01 Textos. Parceria A.M. Pereira;

2019. p. 82.

44) ALVES, Rui Manuel Vaz ­ Arquitetura, cidade e caminho de ferro : as transformações urbanas planeadas sob a influência do caminho de ferro.

Coimbra : [s.n.], 2015, p. 31 Tese de doutoramento.

Disponível em: http://hdl.handle.net/10316/29052 Acedido em 07/2022.

3. LABORATÓRIO DE

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