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Segundo Becker (2008, p.17), diferentes grupos consideram diferentes coisas desviantes, ou seja, as pessoas nem sempre concordam de forma unânime sobre o julgamento de certo ato como desviante. Beckher diz que existem as regras promulgadas pela lei, e, nesse caso, o poder de polícia do Estado será usado para executá-las; e existem as regras impostas, em que um grupo com mais poder decide qualificar atitudes como certas ou erradas, mesmo que não haja nenhuma lei que tipifique estas atitudes como erro ou infração de uma regra. As manifestações culturais periféricas como o funk, sofrem uma criminalização, como sofreu o samba por ser um ritmo essencialmente do negro, ainda, após 130 anos de abolição da escravatura continua com o estigma de “ inferior”, bem como suas músicas, ou qualquer coisa que venha de sua cultura (Candomblé, Capoeira, Reggie, Afoxé, Rap, Hip Hop, etc.), cultura ainda vista como imoral, errada e demais julgamentos éticos.

O funk, para muitos, é considerado contracultura, porque o jovem negro da periferia que mais o consome está comumente associado à delinquência e criminalidade. Quem se incomoda com o funk, incomoda-se com o fato do jovem negro querer reafirmar sua identidade ao expor seus sentimentos e realidades através da música, da ousadia, do vestuário sensual, utilizando

desse viés para escancarar para a sociedade a miséria e a violência com a qual convive diariamente, resultado da imensa desigualdade social que o permeia. O funk, seja no seu discurso, no vestuário, reboleio e batidão contraria a parcela da sociedade que se autodenomina mais culta, superior e empreendedora da moralidade.

Como já foi exposto, o funk possui várias vertentes, sendo o subgênero proibidão o que mais sofre perseguição pela sociedade. O antropólogo Dennis Novaes (2017), discorre acerca dessas músicas que recebem milhões de visualizações no Youtube e que possui entusiastas, não só nas favelas, mas nas camadas médias e altas. Para Novaes, o problema em relação ao funk não é sobre o que está sendo dito, mas quem está dizendo. Como exemplo do que foi dito por Novaes, raramente vemos o funk ser criticado quando aparece sendo executado em festas glamorosas de celebridades em evidência, aparentemente, parece não haver contestações quando é a elite quem reproduz o funk.

Segundo Possenti (2011) o preconceito linguístico é um preconceito social. É uma discriminação sem fundamento que atende falantes inferiorizados por alguma razão e por algum fato histórico. Para Bagno (1999, p.69-70)

Se um grande fazendeiro que tenha apenas alguns poucos anos de estudo primário, mas que seja dono de milhares de cabeças de gado, de indústrias agrícolas e detentor de grande influência política em sua região vai poder falar à vontade sua língua “caipira”, com todas as formas sintáticas consideradas “erradas” pela gramática tradicional.

Facina (2013, p.71), no livro Tamborzão: olhares sobre a criminalização do funk afirma que

Toda proibição tem uma história e que esta tende a mudar conforme o tempo e os valores culturais do momento [...] O desvio é caracterizado de forma desigual na sociedade, assim nada mais é do que uma regra imposta por quem tem poder para tal. [...] Ao contrário do olhar alheio e discriminador, pessoas que pertencem a tribos em que praticam ações consideradas marginais para a sociedade, consideram suas práticas normais e sem caráter criminal, assim o desviante não seria alguém que está fora da cultura, mas sim, tem uma visão divergente dela. Facina, reitera que criminalizar qualquer tipo de funk, é criminalizar também a cultura negra, os pobres e tornar invisível a perícia do que é ser jovem e favelado, pois o estereótipo de bandido é idealizado na figura de um jovem negro, morador da favela, que cresceu próximo ao tráfico, funkeiro e com orgulho de onde vive, sem procurar sair de onde vive, o que faz aumentar ainda mais o preconceito.

Sobre o funk proibidão, ainda nas palavras de Facina (2013, p.71):

Descrever a vida bandida, falar de corrupção policial, das benesses e objetos de consumo que o dinheiro pode comprar, cantar valores da virilidade e do espírito

guerreiro se transformam em crime quando quem canta não é visto como artista, mas sim como criminoso antes de qualquer coisa.

O funk sofre um preconceito bastante significativo por parte de alguns docentes nas escolas em que já trabalhamos, provavelmente, por falta de informação ou concordância ao senso comum. Ao analisarmos o pensamento da equipe escolar sobre as letras de música que a maioria dos alunos gosta de ouvir, encontramos observações do tipo: ‘música de bandido e prostituta”, ‘mau gosto musical terrível”, “música de drogado”, “mau exemplo”, “pecado”, ‘absurdo”, ‘falta de bom senso”, ‘nojeira’, entre outros termos. Notamos opiniões pré-formadas, cheia de preconceito e bastante desconhecimento sobre o funk, o que acaba estendendo esse posicionamento à pessoa do aluno, como se este tivesse um tipo defeito que precisa de um reparo, sendo que já sofre outros tipos de represália ou reprimenda inconsciente ou intencional da sociedade pelo simples fato de serem quem são, alunos pobres, com problemas sociais graves e adversos, desestrutura familiar, criação em ambientes violentos, enfim, aqueles que vivem constantemente oprimidos, excluídos e silenciados pelas formas de poder e de dominação da sociedade.

Devido a isso, por meio do produto final dessa pesquisa, disponibilizamos links estratégicos com a intenção de despertar uma reflexão por parte dos docentes e de toda a equipe escolar como forma de conscientização, para evitar ou diminuir os rótulos persecutórios ao gosto pessoal do aluno. Esses links consistem em vídeos com entrevistas de especialistas em funk, com propriedade para trazer à luz novos olhares sobre esse gênero musical e tentar elucidar o porquê de o funk exercer tanto fascínio entre nossos jovens.

Também, a pertinência de trabalharmos as variações linguísticas com nossos alunos na sala de aula, pois elas representam os diversos modos de dizer a mesma coisa em variados contextos com o mesmo grau de importância. Assim, estarão resguardados de toda forma de preconceito e exclusão que os permeia devido ao grupo ao qual pertencem. Nossa função como educadores é a de mostrar ao aluno que em dadas situações, a sua fala deve ser mais monitorada, para que possa desempenhar seu papel na sociedade em igualdade àqueles que dominam a norma culta.