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Noções dos níveis de variação linguística no funk

O cancioneiro popular nordestino com o ritmo dançante dos morros cariocas, conhecido como brega funk, traz os diversos gêneros contemporâneos como o arrocha e o pagodão baiano unidos ao Pancadão do Rio de Janeiro. MC Loma, codinome da pernambucana Paloma Roberta Santos, ganhou repercussão nacional em 2018 com o hit Envolvimento (anexo 19). Nesse Funk nordestino, aparecem gírias, as quais ela chama de “pernambuquês em vídeo do Youtube; a saber: “escama de peixe” para se referir a pessoa marginalizada, maloqueira; “cebruthius” para se referir ao dispositivo bluetoofh, que quando pronunciado era entendido pela MC Loma como “cebruthius”. Inclusive ela repete essas gírias nas músicas “Envolvimento”(anexo21), “Malévola” (anexo 22), “Paralisa” (anexo 23), “Rebola” (anexo 24), “ O rei mandou” (anexo 25), entre outras. Suas letras também estão repletas de traços regionais como “mai mininu”, “bebê”, “Visse” etc. À medida em que pesquisávamos fomos encontrando o alcance da popularidade da gíria “cebruthius”.

No dicionário informal da internet encontramos a definição do termo:

Cebruthius significa “The Bluetooth”. A gíria foi popularizada pela cantora MC Loma, que tinha um aparelho de som que emparelhava com dispositivos Bluetooth. Ao ligar o aparelho, a seguinte frase era dita: “The bluetooth device is ready to pair”. No entanto, a parte “The Bluetooth” era compreendida pela jovem como “cebruthius”. Alguns internautas chegaram a pensar que a MC falava “é grúteos”, fazendo referência aos músculos do bumbum (glúteos.) (CEBRUTHIOS. Dicionário informal, 2018. Disponível em: <http//dicionarioinformal.com.br/cebruthius/> Acesso em: 20 de dez. 2019

A gíria “cebruthius” se tornou tão popular que o site Capricho.abril de fevereiro de 2018 escreveu uma matéria sobre a apresentadora Maísa do SBT intitulada: MC Loma: Maísa está chocada com o significado de “cebruthius”. Maísa escreveu em seu Twitter: “alguém sabe o

significa cebruthius??????????? Cara isso tá impedindo a minha evolução espiritual” (MAÍSA, 2018)25.

Pudemos perceber que no exemplo citado, tanto na música de MC Loma e no Twitter de Maísa ocorrem diferenças de uso da língua a partir da localização geográfica do falante, indicando o nível de variação diatópica; no caso o estado de Pernambuco de MC Paloma, onde ela apresenta um sotaque muito acentuado de sua região e perda de fonemas nas palavras; e o estado de São Paulo onde a apresentadora Maísa reside, com seu sotaque paulista provavelmente influenciado por imigrantes de variadas partes do mundo.

Diferenças entre os estratos socioculturais, a classe social, idade, sexo indicando o nível diastrático da variação sociolinguística; MC Loma é de origem humilde, moradora de bairro periférico e deixou de frequentar a escola enquanto fazia shows, segundo Soares (2019); e, Maísa é moradora de um bairro nobre e já terminou o ensino médio em 2019. Ambas nasceram em 2002 e utilizam-se da gíria para se expressarem, usando um léxico particular de acordo com determinados fatores já elencados: sociocultural, socioeconômico e regional.

De acordo com o grau de monitoramento que o falante opera, não só na língua falada, mas também na língua escrita, em determinadas situações, temos o nível de variação diafásica ou estilística. De acordo com Bagno (2007), essas situações podem ser:

De maior ou menor formalidade, de maior ou menor tensão psicológica, de maior ou menor pressão da parte do (s) interlocutores e do ambiente, de maior ou menor segurança ou autoconfiança, de maior ou menor intimidade com a tarefa comunicativa que temos a desempenhar etc. [...] No caso do monitoramento da escrita, ele vai depender, é claro, do grau de letramento do indivíduo, isto é, de sua inserção na cultura da leitura e da escrita (BAGNO, 2007, p.46).

Para exemplificar o nível de variação diafásica apresentamos duas entrevistas (endereço disponível no anexo de sites pesquisados) de MC Loma e as Gêmeas da Lacração e da apresentadora Maísa para o programa The Noite26 de Danilo Gentili. Pudemos observar que o trio MC Loma e as Gêmeas da Lacração não monitoram a linguagem durante a entrevista, dirigindo-se ao interlocutor de maneira bastante informal, fazendo uso das expressões regionalistas, das gírias e do sotaque nordestino bem acentuado. O programa é informal, não exigindo um recurso de monitoramento estilístico dos entrevistados. Observando o histórico de

25 Disponível em: <http//capricho.abril.com.br/famosos/mc-loma-maisa-esta-chocada-com-osifnificado- de-cebruthius/> Acesso em: 20 de dez. 2019)

26 Noite, The com Danilo Gentili. Entrevista com MC Loma e as Gêmeas Lacração. 2018. Disponível em :<https//Youtube.com/watch?v=nexCtZJ9b4> Acesso em 20 de dez. 2019.

letramento do trio, talvez utilizem-se do mesmo discurso informal na maioria dos contextos de interação verbal e usos linguísticos.

Já a apresentadora Maísa monitora sua linguagem dirigindo-se ao entrevistador num estilo menos despojado daquele que costuma utilizar em seu programa de televisão, o talk show “Programa da Maísa”. Nesse programa, Maísa e o humorista Oscar Filho recebem convidados famosos para interagirem em conversas bastante informais. Considerando o nível de letramento da artista, percebemos que ela consegue transitar tranquilamente em diversos níveis da linguagem, comprovando que o grau de escolarização e o status socioeconômico interfere nos fenômenos da variação linguística.

Convém complementar que toda e qualquer variedade linguística é plenamente funcional e não existe uma melhor ou superior a outra, as que são consideradas menos prestigiadas, como as de MC Loma e as Gêmeas da Lacração, quase sempre têm a ver com julgamentos socioculturais sustentados pelas relações de poder e de discriminação da sociedade.

Para tratarmos do nível da variação diamésica (variação associada ao uso de diferentes meios ou veículos) podemos usar como exemplo o veículo utilizado pela apresentadora Maísa, para fazer uso da linguagem escrita de maneira informal. Em seu Twitter ela escreveu: “ quando cê tá matching buts e com a calça do conjunto do “jaco” do seu NAMO kkkkkkk” (MAÍSA, 2018)27.

Em outra situação, ela poderia utilizar outro meio; como a fala, de maneira mais monitorada, por exemplo, numa palestra que exigisse mais formalidade. Percebemos que a oralidade possui particularidades que a diferenciam da escrita. Por exemplo, se a apresentadora, em vez de usar o Twitter, utilizasse a fala para esse mesmo texto da postagem, abriria a possibilidade de fazer-se entender melhor para os seguidores que não decodificaram suas gírias. Na oralidade ela poderia fazer uma correção instantânea e até recorrer a gestos, expressões faciais, mímicas, no entanto ao utilizar a linguagem escrita, teve que fazer outra postagem para explicitar o significado das gírias. Isso ocorre porque a oralidade possui particularidades que a diferenciam da escrita. Em respaldo ao exemplo utilizado, de acordo com Firmino (2002), na linguagem oral é possível negociar o sentido com o interlocutor e, também, corrigir-se; além do texto ser coconstruído, ou seja, para comunicar-se melhor, os interlocutores interagem o tempo todo, usando tanto a linguagem verbal quanto não verbal. Já na linguagem

27 Disponível em: <http//metropolitanafm.com.br/novidades/famosos/maisa-confunde-seguidores-com- mensagem-secreta-nas-redes-socias> Acesso em: 20 de dez. 2019.

escrita, o autor produz o texto solitariamente e, depois o leitor deve reconstruir seus significados também sozinho, e é possível ao autor revisar o texto quantas vezes for necessário.

Após essa breve abordagem sobre as classificações das variações linguísticas, adentraremos no capítulo seguinte ao tema que lhe é correspondente, os gêneros discursivos, mais especificamente o gênero funk.