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O GÊNERO WESTERN SEUS MITOS E HERÓIS

CAPÍTULO 2 A REVELAÇÃO DO SANTO GUERREIRO

2.5 O GÊNERO WESTERN SEUS MITOS E HERÓIS

O historiador Antonio Costa afirma que os gêneros cinematográficos clássicos de Hollywood devem ser averiguados por vários pontos de vista. Primeiro, o gênero pode ser tratado como um modelo do sistema de produção, para confirmar a natureza e a complexidade dos processos que determinam a sua afirmação. Segundo, é possível o gênero ser observado pela representação do figurativo e narrativo, para abarcar os mecanismos de funcionamento e os códigos de composição, que divididos são compartilhados a outras formas expressivas como a literatura e o teatro. Terceiro, o gênero pode ser tratado como fragmentos peculiares do cinema, ou pelo ângulo da composição político-ideológico. Quarto, estudado para entender as ligações entre a evolução dos gêneros e da situação histórica e social267.

Andrew Tudor afirma que a fórmula mais eficaz para uma discussão a respeito do gênero cinematográfico, é saber claramente o que os cineastas querem dizer quando fazem um filme western, um trilher policial ou um filme de terror; e discutir, também, qual a relação entre o filme de autor e o filme de gênero. Assim, o estudo do gênero se entrelaça ao estudo da autoria cinematográfica. Já que o conceito de gênero supõe a ideia de que se um filme é um

western, então ele forma parte de uma tradição, de um conjunto de convenções – temas, ações

265 Cf. James CAMPBELL. À margem esquerda. Rio de Janeiro; São Paulo: Record, 2000, p. 13-51 266 Id., ibid.

267

e elementos –, que devem ser considerados no seu estudo268.

Historicamente, o gênero ficou atrelado ao cinema americano, pois enquanto isso, o cinema europeu trabalhava numa pretensa proposta de filme de autor, apresentada como livre e criativa. O cinema americano, até por embate, era na melhor das proposições aceito apenas como um cinema de gênero. No entanto, segundo Andrew Tudor, “o gênero tornou-se numa das charneiras principais em que se baseia um interesse renovado pela linguagem cinemática, apesar de também levantar questões mais gerais”269

.

Segundo Mauro Baptista, dentro de uma perspectiva histórica, a conceituação do gênero, evoluiu de acepções estruturadas em situar elementos “temáticos e estruturais” para uma demarcação que modificou a importância da relação desses elementos com a audiência e a indústria. Baptista critica os primeiros ensaios analíticos acerca dos gêneros, por sua visão não-histórica, já que os gêneros foram, por muito tempo, vistos como “estruturas fixas, isoladas do contexto econômico, social e cultural”270.

Glauber parece antecipar a esses conceitos, nas suas críticas dedicadas ao gênero

western. Tratou do filme de faroeste associando ao contexto econômico e cultural que o criou.

Observou como um “corpus” em evolução e involução de contínua relação com o público, indústria e crítica, destacou como um ritual composto por mitos contemporâneos, enfatizando a existência de uma abordagem ideológica no seu conteúdo e valorizou a criação autoral existente no modelo.

O gênero western passou a ser sistematizado teoricamente por Glauber Rocha no ano de 1957, e há um considerável número de críticas escritas até os meados dos anos 1960. Seleciono e analiso, entre elas, quatro trabalhos: O western – uma introdução ao estudo do

gênero e do Herói271; A presença de John Ford no filme de western – notas a propósito de

Rastros de Ódio”272; John Sturges: do novo western; e Burguês não é o herói que saca a

pistola e enfrenta a morte no quente meio-dia”273.

268 Cf. Andrew TUDOR. Teorias do cinema. Martins Fontes: Lisboa, s/d, p. 123-154. 269

Id. Ibid.

270

Mauro BAPTISTA. Notas sobre os gêneros cinematográficos. In: Cinemais, n.14, nov./dez. 1998, Rio de Janeiro, p. 112.

271 Publicado, originalmente, na revista Mapa, n. 1, Salvador, ABES, 1957. Esse artigo está reeditado na biografia escrita por João Carlos TEIXEIRA GOMES. Glauber, esse vulcão. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997, p. 588-593. Apenas um trecho foi transcrito no Século do Cinema. Op. Cit., p. 72-73. Uso no meu trabalho a publicação editada por Teixeira Gomes em face da impossibilidade de acesso ao texto original publicado na revista Mapa.

272 Publicado no Diário de Notícias, 1957, revisado e reeditado com o título Rastros de ódio (In: Século do Cinema. Op. Cit., p. 77-80).

273 A crítica John Sturges: do novo western foi publicada originalmente no dia 07 de setembro de 1958, no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, reeditada conservando o subtítulo: Do Novo Western (Século do Cinema. Op. Cit., p. 82-85). Burguês não é herói que saca a sua pistola ao meio-dia foi publicada no Diário de

No ensaio, considerado antológico, O western uma introdução ao estudo do gênero e

do Herói, a primeira premissa exposta pelo crítico Glauber a propósito da origem do gênero

mais popular hollywoodiano é a do ponto de vista do entrelaçamento entre o modelo e o próprio homem americano – esse transformado nas imagens dos filmes do gênero western em herói e mito:

o western surgiu no cinema americano para ganhar raízes profundas nos corações de todos. Poderíamos mesmo, afirmar que o homem do século XX cresceu a sombra do herói criado por Hollywood. O mito do revólver e dos punhos cresceu dominando toda a infância, e ainda não morreu de todo na alma dos adultos [...] os heróis primeiros, os criadores da lenda –simbolizam um momento inesquecível de nobreza, de coragem, de amor aos homens contra o mal se pronunciando para a infelicidade da mulher amada, para o desespero dos trabalhadores pacíficos. Saindo de uma pureza primitiva, quando ainda o cinema era puro em sua nudez, estes heróis criaram a mitologia [grifo meu] cinematográfica, configurando ao cinema o seu primeiro caráter autônomo perante as outras manifestações artísticas274.

Glauber entendeu a construção do mito no gênero cinematográfico e, em particular, no

western, como diferente da constituição do mito no sentido clássico, mas afinado na

construção do mito formada dentro do próprio gênero. Isso porque, para Glauber, apesar de o cinema ser tributário em quase sua totalidade, do teatro, da literatura, da música, das artes plásticas,

no western, todavia, o cinema liberta-se com dignidade, porque o western nasceu e alcançou desenvolvimento paralelo e intrinsecamente ligado com a arte cinematográfica [...] é o filho autêntico e puro do cinema, [...] o cinema poderia viver sem o western, mas só com o western poderia atingir em cheio as massas, e conquistar-lhes esta rendição incondicional que até hoje se verifica aos sonhos de Hollywood275

Glauber admitiu como forma autêntica do gênero western o seu papel na indústria e como fenômeno de massa, mas, apesar de carregar essas duas características, os filmes de gêneros somente tiveram o reconhecimento dos que teorizaram sobre o assunto tardiamente. Mesmo assim, as afirmativas teóricas definidas por Glauber, àquela época, se assemelham ao pensamento de teóricos contemporâneos, como o já citado e, por exemplo, Thomas Schatz, quando este afirma:

Notícias, 1960. No artigo intitulado Matar ou Morrer (Século do Cinema. Op. Cit., p. 80-81) Glauber volta a abordar o filme High Moon (Fred Zinnemann, 1952), recolocando algumas questões expostas na crítica citada; sua nova versão está completamente alterada.

274 Glauber ROCHA. O western – uma introdução ao estudo do gênero e do herói. In: Glauber Rocha, esse vulcão. João Carlos TEIXEIRA GOMES, Op. Cit., p. 589.

275

mito não é definido pela repetição de algum conteúdo clássico a narrativa universal: ele é definido de acordo a sua função como um sistema conceptual que incorpora elementos específicos para a cultura que o realiza [...] Mas a única arte do século XX que tem representado consistemente o ritual de reafirmação de valores grupais tem sido o filme de gênero [...] considerar o filme de gênero como um conto folclórico lhe outorga uma função mítica que gera sua estrutura única, cuja função é a ritualização de ideais coletivos, a celebração de conflitos sociais e culturais temporariamente resolvidos e o encobrimento de conflitos culturais que incomodam sobre a aparência do entretenimento276.

De acordo com Mauro Baptista,

esse enfoque interpretou a necessidade da indústria de dar prazer, como mecanismo pelo qual o público escolhia o tipo de filme que desejava assistir. Através de suas escolhas, a audiência revelava suas preferências e crenças e induzia a Hollywood a produzir os filmes que ela desejava. O cinema oferecia, além da diversão, um ritual, algo parecido com a religião estabelecida. A abordagem ritual tem o mérito de considerar a intensidade das audiências com os filmes de gênero e estimular a análise de textos genéricos num contexto social e cultural, mais amplo que a simples narrativa. A noção de gênero como mitos não seculares e o contrato assumido entre cineasta e espectador277.

Glauber expôs o processo narrativo do mapa da mitografia própria ao gênero, situando-o em relação à emoção criada no espectador pelo filme,

o chapéu é de largas abas, o revólver de balas intermináveis é sacado com a velocidade de um raio, o cavalo é preto ou branco e é fiel até o último perigo, os punhos são fortes e ágeis. A estrela no peito é o símbolo do bem. [...] O cavalo vem trazendo o homem até o primeiro plano e o mito (grifo meu) cresce e se realiza. Os tiros surgem tão inexplicavelmente quanto ELE. A diligência perseguida leva a mulher bonita, leva o caixeiro-viajante, leva um homem mau, grã-fino da cidade trazendo o pecado para o oeste. Os bandidos mascarados –às vezes com panos pretos nas caras, às vezes com penas e tinturas de guerra-, precisam ser derrotados. ELE saca os revólveres, dispara certeiramente, cada tiro é uma queda certa. A canção agora já não está em seus lábios; saindo da alma do herói, (grifo meu), ganha o tempo domina a pradaria, é uma variação ao ritmo das balas. [...] A aurora em desenvolvimento situa a ruazinha deserta. Aquela música triste volta tremendo pelo herói. ELE surge e caminha firme, os olhos para um direção bem longe. O momento vale um gesto quase imperceptível terminado pelos disparos sucessivos. A música hesita, os corações de homens e de meninos afastados do mundo no refúgio da sala escura param por um segundo278

De acordo com Peter Wollen, quase todos os realizadores se preocuparam com o problema do heroísmo criado no filme do gênero western, no qual o herói enquanto indivíduo tinha a morte como um limite absoluto que não podia ser transcendido, tornando a vida precedida como algo sem significado. Diante dessa questão, indaga Wollen: como podia então

276

Mauro BAPTISTA. Notas sobre os gêneros cinematográficos. Op. Cit., p.124. 277 Id. Op. Cit., p. 122.

278 Glauber ROCHA. O western – uma introdução ao estudo do gênero e do herói. In: Teixeira GOMES. Op. Cit., p. 588.

existir qualquer ação individual, mesmo num filme significativo, durante a suposta vida do personagem herói? Ou como poderia a ação individual ter qualquer valor, por exemplo, ser heroica, se não possuía valores transcendentes, dado o limite absolutamente desvalorizador da morte?

De acordo com Peter Wollen, a resposta a esses questionamentos estava no fato do gênero western ter colocado e situado o indivíduo no seio da sociedade e da história, particularmente da história americana, onde o western descobriu valores transcendentes na vocação histórica da América como nação, ao levar a civilização à terra selvagem e, ao mesmo tempo, considerar estes valores problemáticos arguindo a própria história americana279.

Glauber, na sua formulação sobre o gênero western, esteve também afinado às correntes teóricas que trabalharam a teoria do gênero na sua época, como, por exemplo, o crítico francês André Bazin, que escreveu significativos artigos, no início dos anos 1950, reconhecendo a importância dos filmes de gênero, pois era comum a crítica francesa recepcionar Hollywood, cujos gêneros mais populares foram cortejados como propostas de renovação do próprio cinema. É certo que a teoria do gênero somente veio ter maiores reconhecimentos na atualidade, pelo fato de ter sido sufocada pela teoria do autor, e muito pelos problemas gerados por sua origem, que está arraigada à literatura. Mesmo assim, André Bazin expressou sobre gênero western:

na verdade, não seria vão o esforço de reduzir a essência do western a qualquer um de seus componentes manifestos. Os mesmos elementos são encontrados em outras partes, mas não os privilégios que parecem se ligar a eles. Logo, o western deve ser outra coisa que não a forma. As cavalgadas, as brigas, homens fortes e corajosos numa paisagem de uma austeridade selvagem não poderiam ser suficientes para definir ou resumir o charme do gênero. Tais atributos formais são apenas os signos e símbolos de sua realidade profunda, que é o mito280.

De acordo com Bazin, a história do cinema conheceu dois cinemas épicos: o americano e o russo e esses cinemas engendraram os mitos necessários à confirmação das suas histórias – a conquista do oeste e a revolução soviética –, ambos, também, tiveram que inventar outra moral e “encontrar em sua origem viva, antes de sua mistura ou poluição, o

279 Peter WOLLEN. Signos e significados no cinema. Lisboa: Livros Horizonte, 1984, p.82-83.

280 Escrito originalmente como prefácio do livro de J. L. Rieupeyrout, Le western ou le cinéma americain par excellence, (Coleção 7 o. Paris: Art, Ed. du Cerf, 1953), editado depois na antologia Qu’est-ce que le cinéma (Coleção 7 o. Paris: Art, Editions du Cerf, 1958). Em português (André BAZIN. O cinema – ensaios. São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 199-208), estão editados outros artigos de Bazin a respeito do gênero: Evolução do western” (Cahiers du Cinéma, dezembro, 1955) e Um western exemplar: Sete homens e um destino (Cahiers du Cinéma, agosto/setembro, 1957).

princípio da lei que colocará ordem no caos, separará o céu da terra”. É nesse sentido, segundo Bazin, que o cinema constitui-se como uma linguagem, mas, sobretudo com a condição de proporcionar uma “verdadeira dimensão estética”281

.

Glauber acerca da construção do gênero western e da sua “dimensão estética”, assegurou a sua assertiva, traçando um breve relato do início da história:

de The Great Train Robbery (O grande roubo do trem, Edwin S. Porter, 1903) até a fórmula sofisticada do western de hoje – herói barbeado, tomando uísque e atirando pelas costas – o gênero perpetuou-se como elemento essencial à pesquisa estética, lingüística e industrial do cinema americano. Por uma decorrência lógica, foi o filme-revista o suporte básico para o primeiro impulso do sonoro, um choque em si mesmo, posto que necessitou sair da ingenuidade primitiva para uma situação onde participava um elemento exterior a sua concepção artística. No entanto, posteriormente, quando os revólveres passaram a atirar com equilíbrio técnico e a música valeu como agente captador do folclore americano, o gênero, [grifo meu] adquirindo de fora contribuições, superou a fase de choque inicial e assumiu o caráter requintado que passou a dignificá-lo sob o ponto de vista forma, surgindo desta evolução uma segunda conseqüência: a primeira grande característica, agora não mais temática, mas sim estética [grifo meu] do cinema americano282.

O filme western havia nascido quase análogo ao boom territorial e à colonização americana; transmitiu ao cinema hollywoodiano a singular possibilidade de trabalhar com a matéria, que, dado o seu caráter local, parecia que não teria nunca a viabilidade de ser explorado por outro cinema, ao contrário de outros gêneros, pois,

conservou-se, nesse sentido, praticamente puro; e justamente por este fato, foi o tema que proporcionou aos melhores diretores as pesquisas estilísticas [...] não deixando também de ser a principal especulação financeira dos produtores283.

Na crítica “A presença de John Ford no filme de western – notas a propósito de

Rastros de Ódio”284, Glauber mostra que John Ford é quem melhor tratou o gênero como

fonte criativa, expondo um estilo autoral de realização,

discutir John Ford e a sua presença no western implica de antemão, um método que disseque primeiramente seus múltiplos aspectos saídos do tema em suas múltiplas particularidades que se identificam com o binômio homem-natureza e sua conseqüente heroicidade, [sic] seja na sua forma poética, seja na sua apresentação sociológica285.

281 André BAZIN. Op. Cit., p. 208.

282 Glauber ROCHA. O western – uma introdução ao estudo do gênero e do herói. In: Teixeira GOMES. Op. Cit., p. 588.

283 Glauber não incluiu nesse artigo o spaghetti western, porque esse fenômeno de massas somente foi produzido na Itália no final dos anos 1960 e começo dos 70.

284 Diário de Notícias, 1957.

285

Glauber ROCHA. A presença de John Ford no filme de Wester – Notas a propósito de Rastro de Ódio. Diário de Notíciais, 1957.

Glauber destacou John Ford – entre os cineastas que trabalharam o gênero –, como o principal responsável por sua evolução e por sua maturidade, e por afirmar os postulados fundamentais: os mitos sociais, a evocação histórica, a verdade psicológica e a temática tradicional da mise en scène western286. Glauber indagou como se revela Ford: poeta ou sociólogo? Optava o crítico fazendo uma revisão da sua própria análise e enquadrando o cineasta americano na categoria de inventor, usado, nesse caso, como sinônimo de autor, definindo aquele que atingiu o clímax da poética cinematográfica.

Para Glauber, Ford tinha obtido nos seus filmes o equilíbrio perfeito na transposição dos mitos sociais, na evocação histórica, na verdade psicológica dos personagens e na construção da narrativa. Sendo essa narrativa expressa em todos os seus elementos constitutivos: movimentos de câmera, enquadramentos, planos e angulações, som e montagem, traduzidos num perfeita mise em scène, onde nenhum desses elementos fundamentais à estrutura do filme levava vantagem sobre o outro. Também, destacou o estilo fordiano expresso na sua perfeita maturidade de realizador:

em Rastros de ódio (The Seachers, John Ford, 1956), os caracteres agem como peças resistentes do seu artesanato muito além do exercício técnico, pois Ford já é o homem maduro que dominou a vida e apreendeu a arte, não de especulações formais, mas de essência humanística que espontaneamente se diz linguagem que traz a marca do estilista maduro, do inventor realizado287.

De acordo com Glauber, em Rastros de ódio (1956) o inventor John Ford fez a poética ultrapassar a realidade social, porque ao passo que a situa, consequentemente, mostra e explica uma ação e nesse contexto a sua narrativa poética vai gradativamente caracterizando o herói, que é alçado ao estado de mito e isso aconteceu porque:

primeiro era o herói, depois veio o progresso artístico-econômico do cinema, surgiu o gênero muito mais amplo para a linguagem, o ritmo, os específicos cinematográficos, e o cinema precisou eliminar o herói em seu benefício; depois necessitou de uma moral e buscou o herói; tentou revivê-lo e deu-se a caricatura; lutou-se nasceu Shane288, retorno lírico, mas nunca aquele movimento depurado, tão em si, que deram ao cinema, pelo gênero e através do mesmo, o seu clímax poético. [grifo meu]289.

286 Esses fundamentos do filme western foram classificados em: André BAZIN. Evolução do western. Op. Cit. 287

Id., ibid.

288 Glauber faz alusão a um dos clássicos do western: Os brutos também amam (Shane, George Stevens, 1953). 289 Glauber ROCHA. A presença do John Ford no filme de western – notas a propósito de Rastros de Ódio. Op. Cit..

Nesse caso, a poética fordiana funcionou como um elemento vivo, agindo diretamente na estruturação do herói; este, claramente, inserido na paisagem construída por John Ford, a qual funciona como elemento vivo e direto na dramaturgia do western, constituindo-se numa peça de complemento ao homem, “aliás, o binômio homem-natureza é o suporte temático do gênero, particular e principal em John Ford, cineasta épico de rasgos que o fazem um Homero menor”290

. Conforme Glauber:

Rastros de ódio (The Seachers, John Ford, 1956) funciona como prova de que seus intentos em mostrar a sociedade colonizadora dos Estados Unidos submetida à consciência de desbravar e constituir ante uma natureza inóspita e os desequilíbrios que esta luta provoca entre grupos que nascem daquela formação do complexo social. [...] Mas se em “Rastro de ódio”, o sociólogo se faz presente, o poeta [grifo meu] aflora com maior vigor, sobrepuja o primeiro, porque, ao passo que situa, mostra e explica, uma sombra vai separando o herói, elevando-o a sua condição de mito291.

A afirmação glauberiana é respaldada na historicidade do western, pois desde sua origem, no filme de western é possível encontrar uma ética da epopeia e ao mesmo tempo da tragédia. O western é épico, quando geralmente é imaginado pela escala do sobre-humanismo de seus heróis, pela extensão de suas proezas e pelo caráter. No western americano, o caráter do herói corresponde a um estilo de mise em scène e à transposição épica que se afigura na composição da imagem, na sua predileção pelos vastos horizontes, em que sobressaem os grandes planos e as panorâmicas, restituindo a plenitude do filme americano por excelência, situando e expondo o seu herói – épico e trágico – e a sua inevitável transformação:

essa fuga do herói –apontado como um lugar comum, mas que não é, pois uma