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2 CONSTRUINDO O CONTEXTO DO ENSINO DE PORTUGUÊS COMO LÍNGUA

3.2 Gêneros à luz do Interacionismo Sociodiscursivo

As propostas do Interacionismo Sociodiscursivo para o trabalho a ser desenvolvido com os gêneros de texto têm assim como várias outras concepções teóricas um embasamento da obra de Bakhtin, mas, ao mesmo tempo, distancia-se, pois, como observado por vários teóricos,

trabalha numa perspectiva mais empírica e menos teórica. “O quadro interacionista-social

leva a analisar as condutas humanas como ações significantes, ou como ações situadas.” (BRONCKART, 2003, p.13). Nessa perspectiva, o autor defende ser na escala sócio-histórica que os textos, através das formações sociais, são produtos das atividades de linguagem e, com isso, essas formações sociais elaboram diferentes espécies de textos para determinados contextos chamados de gêneros de texto.

Dessa forma, entendemos que há uma relação de interconexão e dependência entre gênero e contexto que cria uma dupla necessidade (não estamos afirmando que tal relação entre gênero e contexto deva ser vista de modo rígido, como uma relação biunívoca), mas entendemos que há uma forte relação que vem a viabilizar a produção dos gêneros: conhecimento do gênero em si e do contexto do qual é expressão e ao qual se destina. O próprio Bakhtin (1997, p. 14) assegura essa relação entre a utilização da língua e o contexto

por sua vez, estão ligadas às estruturas sociais”. Com mais clareza, o autor faz referência à

importância das características que fazem parte do contexto de produção de textos empíricos:

A enunciação realizada é como uma ilha emergindo de um oceano sem limites, o discurso interior. As dimensões e as formas dessa ilha são determinadas pela situação da enunciação e por seu auditório. A situação e o auditório obrigam o discurso interior a realizar-se em uma expressão exterior definida, que se insere diretamente no contexto não verbalizado da vida corrente, e nele se amplia pela ação, pelo gesto ou pela resposta verbal dos outros participantes na situação de enunciação. (BAKHTIN, 1997, p. 125)

Estes textos, categorizados como gêneros fazem parte de um conjunto mais amplo destes, estes gêneros estão à disposição dos indivíduos para que se comuniquem de forma eficiente. Bronckart (2004, 2005) nomeia este conjunto de arquitexto, que é teoricamente constituído de um número infinito de gêneros relacionados à diversidade de atividades humanas.

Pensando nessa concepção de gênero e de arquitexto, Bronckart (2004, 2005) propõe o ensino de gêneros em relação a si mesmo a ao arquitexto. Cada texto está enquadrado dentro de um gênero de texto, mas esse enquadramento não deve ser argumento para que o texto não seja estudado em si mesmo e no contexto do intertexto. Com esse saber referente aos gêneros e ao intertexto, distinguimos logo no princípio de um agir linguageiro, o gênero utilizado, seu tema, sua estrutura composicional e, assim, a comunicação verbal é viabilizada. Do contrário, teríamos que criar um gênero a cada ato de fala, o que inviabilizaria a comunicação.

Segundo Bronckart (1999, p. 77), partindo de uma visão interacionista sociodiscursiva, o texto não pode ser visto fora de contexto, pois este:

“designa uma unidade concreta de produção de linguagem, que pertence

necessariamente a um gênero, composta por vários tipos de discurso, e que também apresenta os traços das decisões tomadas pelo produtor individual em função da sua situação de comunicação particular”

A visão de gênero apresentada por Bronckart também apresenta uma ligação de dependência com o contexto:

“... na noção de gênero de texto no decorrer deste século e, mais particularmente a

partir de Bakhtin, essa noção tem sido progressivamente aplicada ao conjunto das produções verbais organizadas: às formas escritas usuais (artigo científico, resumo, notícia, publicidade, etc.) e ao conjunto das formas textuais orais, ou normatizadas,

ou pertencentes à “linguagem ordinária’(exposição, relato de acontecimentos

vividos, conversação, etc.). Disso resulta que qualquer espécie de texto pode, atualmente ser designada em termos de gênero e que, portanto, todo exemplar de

texto observável pode ser considerado como pertencente a um determinado gênero.”

Para análise das questões referentes ao ensino através de gêneros, é necessário recorrermos a uma teoria que permita não só lidar com questões de ensino-aprendizagem, mas também com as relações entre o texto e o agir no processo de desenvolvimento do homem, visto que esse é um processo que irá propiciar esse desenvolvimento.

No âmbito escolar, podemos partir do estudo dos gêneros textuais como forma de propiciar

“poder” ao usuário da língua, pois é através da apropriação dos vários gêneros existentes, que

o sujeito (aluno) poderá se colocar em diversas situações da vida cotidiana. O ensino de gêneros deve acontecer de forma expressiva, levando em consideração o que Bakhtin considera que haja em determinado gêneros e o que Bronckart propõe para o estudo do gênero em si.

Segundo Bronckart (1999, 2008), o Interacionismo Sociodiscursivo tem como objetivo o desenvolvimento humano, analisando a linguagem e evidenciando que as práticas de linguagem são os principais instrumentos que propiciam tal desenvolvimento, tanto em relação aos saberes quanto em relação às capacidades do agir e à identidade das pessoas. Para o autor, essas relações entre linguagem e desenvolvimento humano são materializadas e flagradas nos textos. Para realizar esse trabalho, o ISD cria um mecanismo de análise dos textos e estabiliza algumas noções importantes para o entendimento dessas relações.

Bronckart (1999), quando trata mais especificamente da atividade de linguagem, situa, em primeiro plano, a existência de gêneros de texto, identificados como formas comunicativas elaboradas pela atividade de gerações precedentes e sincronicamente disponíveis, em termos de arquitexto (instrumentos ou modelos que se apresentam aos usuários da língua como exemplos pré-existentes). O indivíduo singular, que se comunica a partir de ações verbais, dispõe de representações sobre o conteúdo temático (definido como todas as informações que estão explicitadas no texto, traduzidas pelas unidades declarativas da língua natural utilizada, (BRONCKART, 2003), assim como de representações do contexto de produção (de elementos que exercem influência sobre a forma como um texto é organizado, que podem ser de ordem do mundo físico, social e subjetivo). Todos estes fatores influenciam a formulação do texto por parte do indivíduo.

O indivíduo também dispõe de conhecimentos acerca do gênero de texto que irá mobilizar mediante o objetivo esperado. Segundo Bronckart (1999), toda ação de linguagem exige tomadas de decisões por parte do produtor.

A primeira decisão a ser tomada é quanto a que gênero utilizar (qual gênero se encaixa ao que é pretendido pelo produtor, qual o lugar social e os papéis dos participantes da interação), só depois dessa primeira decisão é que outras deverão ser tomadas: constituição do

contexto de produção envolvendo os mundos discursivos (“formais ou representados”):

mundo objetivo (representação dos objetos do mundo) mundo social (regras e convenções sociais) e mundo subjetivo (conhecimento sobre as características individuais e internas de cada humano); a organização do texto em um folheado textual: infraestrutura geral do texto, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos.

A infraestrutura é constituída pelo plano geral do texto, pelos tipos de discursos, pelas sequências, sendo que ela é determinada pelos tipos de discurso. O plano geral do texto depende do gênero e pode assumir diversas formas, não é possível descrevê-lo utilizando apenas aspectos linguísticos; os tipos de discurso são formas de organização linguísticas, em número limitado que compõem os diversos gêneros; as sequências textuais são formas de planificações convencionais, também reduzidas, podendo ser observadas apenas no interior dos tipos de discurso.

É ainda importante ressaltar que a produção textual acontece em três níveis distintos e interligados. Num primeiro plano, apresentam-se os estudos relacionados a um

comportamento verbal concreto, ou seja, o texto se apresenta num contexto “físico” de

produção (que inclui o lugar de produção, o momento de produção, o emissor e o receptor); Num segundo plano, o texto deve estar enquadrado no mundo social, deve estar objetivando uma interação comunicativa (nesse ponto, a importância está na relação entre os papéis sociais do emissor e do receptor e os objetivos da interação); e, num terceiro plano, o conteúdo temático (conjunto de informações traduzidas e presentes no texto, apresentado pelas unidades declarativas da língua natural utilizada). Assim, os gêneros, quando estudados dessa maneira, podem ser classificados, agrupados e diferenciados.