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Bakhtin (1997, p. 280) defende que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, já que todas as esferas da atividade humana estão sempre relacionadas à utilização da língua. Para ele:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 280)

Desse modo, Bakhtin (1997, p. 280) define os gêneros do discurso como “enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana” e refletem

as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua (...), mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 1997, p. 280)

De acordo com Marcuschi (2002, p. 19), os gêneros textuais são entidades sócio- discursivas, o que torna inegável sua característica variável ou, nas palavras do linguista (2002, p. 19), “maleável, dinâmica e plástica”. Outro aspecto importante relacionado aos gêneros textuais e mencionado por Marcuschi (2002, p. 19) é o fato de serem fenômenos históricos e, portanto, efêmeros. Os gêneros surgem e desaparecem conforme as necessidades de comunicação e as atividades da cultura na qual são utilizados. Consequentemente, relacionam-se também aos eventos tecnológicos, como a

invenção da imprensa, do telefone, do computador e da internet, que ocasionou a criação de novos gêneros a eles relacionados, tais como editoriais, telefonemas, videoconferência, chats etc. Por outro lado, podemos perceber que, com o boom da internet, gêneros de outros suportes, como telegrama, cartão postal e mensagem de fax têm se tornado obsoletos. Sobre isso comenta Marchuschi (2002, p. 20):

Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos.

No entanto, os gêneros que surgem não são realmente inovadores, já que o que ocorre na verdade é a assimilação de um gênero por outro, ou seja, o surgimento de um novo gênero a partir da reformulação de outro, como é o caso do e-mail que guarda similaridades com a carta. Bakhtin (1997) chamou esse fato de transmutação dos gêneros.

De acordo com a exposição feita na Introdução desta tese, os gêneros dos textos aqui analisados são: crônica jornalística, reportagem de revista de informação, artigo acadêmico e edital de abertura de concurso público. Descrevemos cada um a seguir.

A crônica (do grego khroniká, relativo ao tempo) é um gênero narrativo, que conta fatos históricos ou atuais. Geralmente, são publicadas em jornais e revistas, mas também são encontradas no formato de livros e coletâneas. Destinam-se à leitura diária ou semanal e tratam de acontecimentos cotidianos. A notícia distingue-se da crônica, já que a primeira busca relatar os fatos de maneira objetiva e exata, ao passo que a segunda os analisa, imprimindo-lhes subjetividade e revelando a impressão pessoal do cronista com respeito ao acontecimento observado. O tema pode constituir-se de notícias muito comentadas até uma situação simples e corriqueira do mundo contemporâneo, geralmente da vida urbana, eventos narrados de modo a revelar uma perspectiva peculiar do ocorrido, com o uso de uma linguagem trabalhada. Por esses motivos, costuma-se afirmar que a crônica é um gênero que mistura jornalismo e literatura. As personagens da crônica não se apresentam por meio de uma descrição

psicológica profunda, mas por uma caracterização genérica; tampouco costumam ser nomeadas.

A reportagem é um gênero textual que informa sobre determinado fato, atual ou antigo, de interesse do leitor a que se destina a revista. O gênero pode conter depoimentos, opiniões, entrevistas e dados estatísticos, que corroboram os acontecimentos. A reportagem não é uma simples narração de um evento, pois o repórter apresenta também sua própria interpretação. A linguagem utilizada é impessoal e objetiva, com a intercalação entre discursos direto e indireto, de modo a registrar os diferentes pontos de vista dos sujeitos envolvidos nos fatos. Sua estrutura mais comum é: a) título: anuncia o fato abordado; b) subtítulo: busca atrair o interesse para o assunto; c) lead: apresenta o resumo da matéria, normalmente, no primeiro parágrafo da reportagem; d) corpo: expõe o fato, em nível mais amplo. É comum também o uso de fotos que complementam a matéria. Bahia (1990, p. 49-50) aponta algumas diferenças entre a notícia e a reportagem, dentre as quais se destacam: a notícia expõe o fato no mesmo dia em que ele ocorre ou no dia seguinte, a reportagem mostra como isso se deu; a notícia não vai além da notificação, a reportagem extrapola a mera notificação e apresenta o detalhamento, o questionamento de causa e efeito, a interpretação e o impacto dos fatos.

O artigo científico é um gênero que serve para a divulgação dos resultados de pesquisas científicas. Surgiu com a criação do primeiro periódico científico, na década de 60. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) é o órgão responsável por elaborar as normas que regem esse tipo de publicação quanto à sua organização. Na NBR 6022/2003, a associação conceitua esse gênero como “parte de uma publicação com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento” (ABNT, 2003, p.2). Consequentemente, o artigo científico serve como via de comunicação entre pesquisadores, profissionais, professores e alunos de graduação e de pós-graduação. Dada a sua natureza, a linguagem empregada no artigo científico é sempre formal, objetiva e clara, a fim de que possa ser acessível a um amplo público.

O gênero edital é um documento muito utilizado por instituições públicas e privadas do país, com o intuito de divulgar determinada notícia, fato ou ordenança, por meio da imprensa ou sítios públicos, para conhecimento geral. Estruturalmente, o edital é composto por muitos itens e subitens, que variam de acordo com o tipo e são “detalhes necessários para uma possível resposta do interlocutor, ou seja, do interessado, pelo fato

ou propósito que determina o edital” (SANTOS; NASCIMENTO, 2011, p. 6). O assunto, portanto, é tratado de maneira exaustiva, a fim de dar o máximo de informação necessária com relação ao fato anunciado. Além disso, um edital também deve conter, em sua estrutura, a designação do órgão/unidade que comunica e o título do edital, com letras maiúsculas, seguido de número de ordem e da data. Por ser um documento oficial, a linguagem utilizada deve estar de acordo com o nível de formalidade do texto, “devendo-se caracterizar pela impessoalidade, pela clareza, concisão, formalidade e uniformidade” (SANTOS; NASCIMENTO, 2011, p. 7). Alguns tipos de editais são: de abertura de concurso para provimento de cargos públicos, de ciência, de concorrência, de convocação, de disponibilidade, de habilitação, de inscrição, de intimação, de notícia (arrecadação de bens), de praça (de leilão ou hasta pública), de publicação, de licitação e de resultado. O tipo estudado neste trabalho é edital de abertura de concurso público.

Na obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, Marcuschi (2001) defende a ideia de um contínuo tipológico entre as modalidades falada e escrita de uso da língua, que vai desde os gêneros mais informais aos mais formais, orais e escritos, considerando as situações comunicativas em que se inserem, contemplando, assim, a noção escalar de Bortoni-Ricardo (2004 e 2005), comentada em 2.1, relativamente aos contínuos de oralidade/letramento e de monitoração estilística. O autor comenta que é comum o tratamento de gêneros textuais numa perspectiva dicotômica, de fala e escrita, e afirma ser equivocado este tipo de polarização, uma vez que alguns gêneros ocupam uma posição intermediária, um ponto de interseção do contínuo e, por isso, é difícil alocá-los precisamente em uma ou outra modalidade. Em síntese, o modelo proposto por Marchuschi abrange tanto os gêneros textuais mais prototípicos de um ou outro polo do contínuo, como aqueles mais híbridos. Esse modelo é formulado da seguinte maneira:

Figura 1: Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita

Fonte: (MARCUSCHI, 2001, p.41)

Indubitavelmente, Marcuschi elabora uma útil e didática representação dos gêneros orais e escritos dentro desse contínuo. Esta visão plural vem ao encontro dos atuais estudos científicos da linguagem, que reconhecem e valorizam a natureza multifacetada das línguas naturais, e aponta um caminho para se estudar a variação linguística, a partir da correlação entre gênero textual e grau de formalidade, na medida em que propõe níveis crescentes de formalidade no eixo da fala e no eixo da escrita.

O esquema apresenta uma relevante proposta de abordagem pedagógica dos gêneros textuais e de variação linguística, uma vez que deixa claro que assim como os gêneros textuais orais e escritos são diversos (e incontáveis), a língua neles utilizada também varia. Por este motivo, optamos por investigar o fenômeno variável da colocação pronominal a partir de diferentes gêneros, com diferentes graus de formalidade, a fim de sistematizá-lo, tendo em vista também a inegável importância deste tipo de estudo para o ensino de língua portuguesa. Para Vieira e Lima (2019, p. 12): “é preciso admitir que não se dispõe de parâmetros seguros para a determinação prévia de relações claras entre cada gênero e determinado nível de monitoração estilística ou de determinado grau de formalidade”, considerando que a relação entre gênero e grau de formalidade, para elas, é um tema de pesquisa a ser desenvolvido.

3 Revisão bibliográfica

Os pronomes oblíquos átonos se comportam como uma sílaba não acentuada inicial ou final dos vocábulos, constituindo com o vocábulo ao qual se liga o que Camara Jr. (1975) chamou de vocábulo fonológico. No caso de a ligação ser com o elemento subsequente, o clítico atua como uma sílaba pretônica e, no caso de a conexão ser com o elemento anterior, o pronome desempenha o papel de uma sílaba postônica, no âmbito do vocábulo fonológico. É sabido que, no PE, a preferência é pelo último tipo de ligação e, no PB, pelo primeiro, ou seja, a variedade lusitana apresenta uma tendência à ênclise, ao passo que a nossa variedade se inclina para a próclise. Uma motivação para esse fato seria o enfraquecimento das vogais não acentuadas e, assim, uma pronúncia efetivamente átona dos pronomes em questão, no PE, o que favorece a ênclise. Por outro lado, há uma tendência brasileira à pronúncia forte de vogais pretônicas, o que faz com que os clíticos sejam pronunciados como semitônicos ou menos átonos. O problema está no fato de que muitos manuais e gramáticas tomam a norma europeia como padrão para o ensino e não a norma culta brasileira, o que gera confusão.

Têm sido apontados como elementos favorecedores de cada possível posição do pronome fatores estruturais, estilísticos e rítmicos, isto é, fatores que advêm de diferentes níveis gramaticais. Por isso, buscamos verificar como tem sido abordado esse tema nas gramáticas de português. Comecemos por apresentar o quadro de pronomes pessoais oblíquos átonos, como são apresentados normalmente pela GT:

Quadro 1: Pronomes oblíquos átonos no PB, segundo a abordagem tradicional.

Pessoa do discurso Pronome de OD Pronome de OI Pronome reflexivo

1ª pessoa singular me me me

2ª pessoa singular te te te

3ª pessoa singular o, a lhe se

1ª pessoa plural nos nos nos

2ª pessoa plural vos vos vos

3ª pessoa plural os, as lhes se

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