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Pesquisas sobre a posição do clítico em português

Muitas pesquisas já têm sido desenvolvidas com o objetivo de caracterizar sociolinguisticamente o fenômeno da cliticização pronominal em português, especialmente no âmbito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Podemos citar, por exemplo, trabalhos recentes como os de Nunes (2009 e 2014), que descreveu a variação na ordem dos clíticos pronominais em locuções verbais, em PB e PE; e os de Vieira (2011 e 2016), nas quais analisa a variável em questão na oralidade. Também destacamos as pesquisas de Petterson (2010), que aborda a colocação pronominal no gênero cartas de leitor; e Rodrigues (2011), que faz uma análise sociolinguística de cartas escolares, entre outros. Esta tese, contudo, diferencia-se por analisar o fenômeno a partir de diferentes gêneros da modalidade escrita culta do PB, com o propósito de traçar um contínuo estilístico da variação na realização da colocação do clítico, a partir dos textos investigados. Com relação a essa proposta, cumpre mencionar o projeto que se desenvolve atualmente na UFRJ, sob a coordenação da professora Silvia Rodrigues Vieira, intitulado Contínuos de/em variedades do Português: análises contrastivas, o qual também se baseia na abordagem da norma no modelo de continuum de gêneros.

Tal trabalho tem o objetivo de sistematizar diversas regras variáveis em uso no Português do Brasil, com base em gêneros textuais tomados como expressões de usos cultos, principalmente dos domínios jornalístico e acadêmico, levando em consideração os continua oralidade-letramento e fala-escrita (BORTONI-RICARDO, 2044 e 2005; MARCUSCHI, 2008). O projeto já rendeu a publicação do livro Variação, gêneros textuais e ensino de Português: da norma culta à norma-padrão, organizado por Vieira e Lima (2019), no qual se apresentam alguns resultados. Entretanto, esta obra ainda não aborda o tema da colocação pronominal.

Nesta seção, apresentamos um resumo de duas pesquisas que abordam o fenômeno da colocação pronominal em língua portuguesa, uma um pouco mais antiga, de 2002, e outra bem mais recente, de 2016. A primeira é a tese doutoral da professora Silvia Rodrigues Vieira, cujo título é Colocação pronominal nas variedades europeia, brasileira e moçambicana: para a definição da natureza do clítico em Português, defendida na Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. A segunda é também uma tese de doutorado, fruto de pesquisa realizada na Universidade Estadual Paulista ‘Júlio de Mesquita Filho’ – UNESP – de autoria da pesquisadora Caroline Carnielli Biazolli.

Vieira (2002) analisou o fenômeno da colocação do pronome átono nas variedades europeia, brasileira e moçambicana, com base em corpus de língua falada e escrita. Com relação à ultima modalidade e à variedade brasileira do português, contou com 201 casos de pronomes adjuntos a verbos simples e 21, com locuções verbais. Seu corpus constitui-se de textos dos gêneros editoriais, crônicas e artigos de opinião.

Com relação às ocorrências relacionadas a uma só forma verbal, a pesquisa confirma que tal fenômeno é um fator fortemente diferenciador entre fala e escrita, já que, nos dados de língua falada, a próclise era quase categórica, ao passo que, nos dados de língua escrita, observou-se um uso equilibrado das duas variantes. Podemos sistematizar a distribuição das ocorrências da seguinte maneira, com base nas tabelas elaboradas pela autora:

Tabela 1: Distribuição dos dados com forma verbais simples, da pesquisa de Vieira (2002), no corpus escrito do PB.

Variante Verbos simples

Frequência Percentual

Próclise 108/201 54%

Ênclise 93/201 46%

Mesóclise 0/201 0%

Concluiu-se que o contexto inicial de oração praticamente impediu a próclise (houve apenas uma ocorrência de próclise inicial, em artigo de opinião). A variante pré- verbal, por sua vez, predominou em contextos em que havia alguma partícula atratora tradicional (84%) e de pronome antecedido de sintagma nominal sujeito (64%). Em outros contextos, também se registrou a próclise, porém, de maneira menos expressiva. A linguista também encontrou ocorrências de ênclise em contextos em que a GT prescreve a próclise, como com presença prévia de palavra negativa, possivelmente, como forma de hipercorreção. Embora nesta tese não pesquisemos outras variedades do português que não a brasileira, ainda vale a pena comentar que, na investigação de Vieira (2002), a mesóclise só apareceu nos dados do português europeu e do português moçambicano e foram escassos. Tal improdutividade é atribuída pela autora à preferência pelas perífrases verbais de futuro (ir + infinitivo). Com relação ao critério de tipo de pronome, a linguista observou que, tanto no corpus oral, quanto no escrito, “o pronome o/a(s) atua no sentido de favorecer a colocação pós-verbal” (VIEIRA, 2002, p. 163). Os resultados da mencionada pesquisa, relativos aos casos com formas verbais simples, são assim resumidos pela autora, juntamente com Freire (2014) em outra obra:

Na escrita, tem-se outro sistema de colocação pronominal com forte condicionamento morfossintático, sensível ao contexto de verbo em posição inicial, certa atuação das partículas atratoras tradicionais, além do tipo de clítico. De todo modo, é relevante a diferença da escrita do letrado brasileiro em relação ao que se propõe na norma gramatical, tendo em vista duas características que podem ser destacadas: (i) a presença expressiva de próclise em contextos sem tradicionais atratores, em particular diante de sujeito; e (ii) a presença, menos expressiva mas não desprezível, de ênclise em contextos com tradicionais atratores (VIEIRA e FREIRE, 2014, p. 101).

Vieira (2002) também investigou a atuação dos diferentes valores atribuídos ao pronome se com relação à posição do pronome átono e concluiu que:

Quanto ao PB, verifica-se que a partícula apassivadora ocorre com o menor índice de realização da próclise (42%), seguida do índice de indeterminação (50%). O <se> reflexivo/inerente apresenta o índice mais alto da variante pré-verbal (66%), conforme a tendência registrada em outros estudos e indicada nos comentários sobre a modalidade oral (VIEIRA, 2002, p. 173).

No que diz respeito às construções com locuções verbais, Vieira (2002) considerou três variantes: posição anterior ao verbo auxiliar (cl V1 V2), posição entre verbos (V1 cl V2) e posição posterior ao verbo principal (V1 V2 cl). O corpus escrito utilizado ofereceu um número reduzido de pronomes adjacentes a locuções verbais, como demonstrado na Tabela 2:

Tabela 2: Distribuição dos dados com locuções verbais, da pesquisa de Vieira (2002) no corpus escrito do PB.

Variante Locuções verbais Frequência Percentual

cl V1 V2 6/21 29%

V1 cl V2 11/21 52%

V1 V2 cl 4/21 19%

Vieira (2002, p. 314), constata que há uma preferência, no PB, pela variante “intra-complexo verbal” (assim como na modalidade oral). A linguista informa que essa ordem pronominal é “registrada até em contextos com tradicionais operadores de próclise ou após a forma do futuro do pretérito do indicativo” (VIEIRA, 2002, p. 314). Essa última situação sugere, segundo a autora, que o pronome posto entre dois verbos de uma locução se une ao verbo principal e não ao auxiliar, dada a inviabilidade de ligação do clítico à direita de verbo no futuro e ressalta que a ausência de hífen, constatada na maioria dos casos, confirma a hipótese. Vieira (2002, p. 314) ainda comenta uma ocorrência com verbo ser, conjugado no presente, inserido entre os dois verbos da locução (“Não pode é se repetir”), “antes do pronome, o que assegura que não se trata, efetivamente, de pronome ligado ao primeiro verbo”. Por outro lado, constatou- se, no que diz respeito ao tipo de clítico, preferência pela ênclise ao verbo principal com os pronomes o, a(s).

Biazolli (2016) investiga o fenômeno da posição dos clíticos pronominais em quatro gêneros textuais jornalísticos – entrevista na TV, noticiário de TV, carta do leitor

e editorial – produzidos nos primeiros anos do século XXI, a fim de avaliar a contribuição do modelo de continua para o entendimento de processos em variação. Os continua abordados em sua tese são: estilístico, fala/escrita e de gêneros textuais. A linguista observou o comportamento das variantes do fenômeno, de modo a desenvolver um estudo descritivo-comparativo entre o português europeu e o português brasileiro. Biazolli (2016) propôs a hierarquização dos gêneros: “do extremo da fala, de menor monitoramento e formalidade, ao extremo da escrita, de maior monitoramento e formalidade” (BIAZOLLI, 2016, p. 313) e sua pesquisa revelou que os resultados da variedade brasileira se mostraram intimamente ligados às gradações de estilo sugeridas. De acordo com os resultados obtidos, o PB mostrou um comportamento mais diferenciado em cada gênero estudado, tanto no que diz respeito às análises de lexias verbais simples como de lexias verbais complexas, comparativamente ao PE. Sua pesquisa contou com 922 ocorrências de pronomes ligados ao primeiro tipo de forma verbal e 201 clíticos atrelados ao segundo tipo, totalizando 1.123 dados do PB.

No que tange aos clíticos ligados a verbos simples, registrou predomínio da próclise, sobretudo nas entrevistas e nos noticiários, sendo que “nas entrevistas, apontou-se a generalização da posição pré-verbal, sobreposta, inclusive, a condicionamentos morfossintáticos” (BIAZOLLI, 2016, p. 316). Nos gêneros escritos, cartas e editoriais, essa tendência não se verificou em contextos de início de oração/período, logo, “confirmou-se a interferência de modelos que ditam as normas idealizadas de colocação” (BIAZOLLI, 2016, p. 317). No corpus escrito também foi relevante a atuação dos elementos atratores. Segundo a pesquisadora, os proclisadores não tradicionais4 condicionaram a ênclise, com a ressalva das preposições, diferentemente do que observou nas entrevistas e nos noticiários, gêneros [+orais]. Outro fator importante foi as diferentes atribuições do pronome se:

...o se inerente/reflexivo se relacionou de modo expressivo ao segundo verbo, proclítico ou enclítico a ele, já que, comumente, é o verbo que domina o pronome sintaticamente. Os se apassivador/se indeterminador permaneceram mais cliticizados ao primeiro verbo. (BIAZOLLI, 2016, p. 317).

Nas cartas, Biazolli (2016) constatou que o tipo de clítico também é uma variável que interfere de maneira relevante no posicionamento do clítico,

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A autora considera proclisadores não tradicionais: “SNs sujeitos, SPreps, preposições/locuções prepositivas, conjunções coordenativas e certos advérbios/locuções adverbiais (aqueles considerados não canônicos ou terminados em –mente)” (BIAZOLLI, 2016, p. 89).

desfavorecendo a próclise, nos casos de pronomes acusativo e dativo de terceira pessoa. Além disso, a não adjacência entre proclisador e grupo verbo-clítico e formas infinitivas também atuaram nesse sentido. Com relação aos editoriais, mostraram-se importantes os grupos função do clítico e forma verbal do hospedeiro: “a função argumental e formas verbais gerundivas e infinitivas motivaram a colocação do pronome à direita do verbo” (BIAZOLLI, 2016, p. 317).

No que diz respeito às formas verbais compostas, a pesquisa de Biazolli (2016) revelou que são significativos na variação do fenômeno os grupos de fatores “tipo de elemento (proclisador) que antecede o grupo cl V1 V2 ou V1(-)cl V2 ou V1 V2-cl, tipo de clítico, função do clítico e forma do segundo verbo” (BIAZOLLI, 2016, p. 317). Na amostra de gêneros escritos, somente o clítico acusativo de terceira pessoa não favoreceu a posição intra-CV. Outra variável que atuou nesse sentido foi a presença de proclisadores tradicionais antes do verbo, os quais favoreceram a próclise ao verbo auxiliar. Também contribuíram à adjacência dos clíticos ao primeiro verbo as construções com o segundo verbo no gerúndio ou no particípio.

Como se pode notar, há um grande avanço no que tange à caracterização da colocação pronominal, em PB. De maneira geral, muitos especialistas reconhecem que já se tem avançado bastante no sentido de promover a sistematização das regras variáveis em uso no PB. Diversos livros brasileiros apresentam análises e estudos sociolinguísticos sobre vários fenômenos do PB, tanto no aspecto fonético-fonológico quanto no morfossintático, de diferentes variedades brasileiras, das mais populares às mais cultas. Entretanto, a descrição das variáveis a partir da correlação entre gênero textual e grau de formalidade, baseada na noção de contínuos proposta por Bortoni- Ricardo (2004 e 2005) constitui relevante frente de trabalho a ser perseguida por pesquisadores de todo o país, segundo Vieira e Lima (2019, p. 6), ponto de vista que esposamos. Esperamos que este trabalho possa contribuir para aplacar tal carência.

4 Metodologia

Este estudo fundamentou-se em um corpus formado por textos escritos dos gêneros reportagem de revista, artigos acadêmicos (de pós-graduação de vários cursos e áreas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro), editais de concursos e crônicas, selecionados entre 2018 e 2019 e encontrados em suportes da internet e da imprensa brasileira. Vale lembrar que todos os textos possuem publicação relativamente recente, conforme se detalhou na descrição do corpus.

Quanto à análise dos dados, utilizamos as metodologias quantitativa e qualitativa. A principal diferença existente entre as duas metodologias é o fato de a quantitativa empregar métodos estatísticos, enquanto a qualitativa não o faz. Segundo Bortoni-Ricardo (2008), a investigação construída sob a ótica quantitativa deriva do positivismo, ao passo que a pesquisa constituída de acordo com o paradigma qualitativo, provém do interpretativismo. Na metodologia quantitativa, as descobertas se dão por meio da observação empírica e as regras são apreendidas pela observação das regularidades (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 14). Por sua vez, o paradigma qualitativo “procura entender; interpretar fenômenos sociais inseridos em um contexto” (BORTONI-RICARDO, 2008, p. 34).

Desse modo, podemos classificar nossa pesquisa como quantitativa, pois foi realizado o tratamento estatístico dos dados, a partir da aferição de tendências apontadas pelo programa computacional Goldvarb 2001; mas também qualitativa, já que analisamos e interpretamos os resultados obtidos. Objetivamos, conforme sugerem Vieira e Freire (2014, p. 100 - 101), “proceder a uma apuração quantitativa e qualitativa detalhada do fenômeno por gênero textual, por contexto morfossintático e por tipo de clítico”.

O Goldvarb 2001, ferramenta escolhida para análise dos dados, fornece resultados numéricos com relação aos fatores selecionados como possíveis influenciadores do fenômeno. Um desses números é o peso relativo, que aponta o efeito de cada fator sobre o uso da variante investigada. Esse valor é mensurado entre 0 e 1, de modo que 0 significa que a variante em questão não ocorre na presença do fator e 1 indica que ela sempre ocorre. Está relacionado ao nível geral de uso da variante, o input. Segundo Scherre e Naro (2015, p. 165): “o input funciona como um ponto de referência para o fenômeno variável, e o efeito de cada fator pode ser interpretado como uma medida do desvio deste ponto de referência associado ao fator”.

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