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Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

THAIS LEAL RODRIGUES

Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM

THAIS LEAL RODRIGUES

Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil

Tese de doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em Estudos de Linguagem, da Universidade Federal Fluminense, como quesito para obtenção do título de doutora em Estudos de Linguagem.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Edila Vianna da Silva

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THAÍS LEAL RODRIGUES

Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil

Tese de doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em Estudos de Linguagem, da Universidade Federal Fluminense, como quesito para obtenção do título de doutora em Estudos de Linguagem.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Edila Vianna da Silva (orientadora) – UFF

____________________________________________________________ Prof. Dr. Ricardo Stavola Cavaliere – UFF

____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Sílvia Rodrigues Vieira – UFRJ

___________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Mônica Maria do Rio Nobre – UFRJ

____________________________________________________________ Prof. Dr. Marcos Luiz Wiedemer – UERJ

_____________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Rigoni Costa – UNIRIO (suplente)

______________________________________________________________ Prof.ª Dr.ª Nilza Barrozo Dias – UFF (suplente)

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AGRADECIMENTOS

A minha mãezinha, pelo exemplo de amor, fé e garra; a minha irmã amada, por sempre me alentar e ser a minha dose de força diária; a minha sobrinha Poliana, por alegrar, adoçar e colorir minha vida. Vocês são minha razão de viver!

À professora Edila Vianna da Silva, pela confiança, competência e compreensão com que me atendeu; enfim, pela brilhante orientação, mas, sobretudo, pelo exemplo de profissional, de amiga, de ser humano. A ela, meus mais sinceros e eternos sentimentos de gratidão, respeito, admiração e amizade.

À amiga Idrissa, pelo incentivo e solicitude, pela ajuda com documentos, sugestões e indicações; pelas longas conversas pessoal ou virtualmente; e, principalmente, pela amizade verdadeira e apoio incondicional, por estar presente nos bons e maus momentos.

Às colegas Lorena Cardoso e Monique Débora Lima, que gentilmente se dispuseram a me ensinar a usar o programa Goldvarb. Suas ajudas foram de grande valor! Fico feliz em conhecer pessoas com o bom coração que vocês têm.

Aos professores Mônica do Rio Nobre e Ricardo Cavaliere, que tanto me ajudaram com suas valorosas contribuições na Qualificação.

A minhas amigas Cristiane, Mônica e Shirley e minhas primas Gabriela e Janaína, por me apoiarem, nos momentos de fraqueza. Especialmente a esta última, por me auxiliar no que diz respeito a normas técnicas.

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“Dê-me um cigarro Diz a gramática Do professor e do aluno E do mulato sabido Mas o bom negro e o bom branco

Da Nação Brasileira Dizem todos os dias Deixa disso camarada Me dá um cigarro.”

(Oswald de Andrade)

“A vida não me chegava pelos jornais nem pelos livros Vinha da boca do povo na língua errada do povo Língua certa do povo Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil Ao passo que nós O que fazemos É macaquear A sintaxe lusíada.”

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Variantes linguísticas do fenômeno analisado ... 14 Quadro 2: Pronomes oblíquos átonos no PB, segundo a norma padrão ... 35

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Formas verbais com clíticos em todo o corpus ... 72

Gráfico 2: Posição do pronome com formas verbais simples ... 73

Gráfico 3: Posição do pronome com verbos simples por gênero textual ... 76

Gráfico 4: Posição do pronome com verbos simples por categoria pronominal ... 78

Gráfico 5: Tempo/forma verbal em verbos simples ... 80

Gráfico 6: Posição do pronome com verbos simples por contexto morfossintático ... 85

Gráfico 7: Influência do fator Contexto morfossintático nos casos de próclise a verbos simples ... 86

Gráfico 8: Influência do fator Contexto morfossintático nos casos de ênclise a verbos simples ... 87

Gráfico 9: Posição do pronome com locuções verbais ... 95

Gráfico 10: Posição do pronome com locuções verbais por gênero textual ... 97

Gráfico 11: Posição do pronome com locuções verbais por forma pronominal ... 100

Gráfico 12: Forma do verbo principal nas locuções em todo o corpus ... 104

Gráfico 13: Posição do pronome com locuções verbais por forma contexto morfossintático ... 107

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Distribuição dos dados com formas verbais simples, da pesquisa de Vieira (2002),

no corpus escrito do PB ... 52

Tabela 2: Distribuição dos dados com locuções verbais, da pesquisa de Vieira (2002), no corpus escrito do PB ... 53

Tabela 3: Posição pronominal com verbos simples por gênero textual... 73

Tabela 4: Posição pronominal com verbos simples por categoria pronominal ... 77

Tabela 5: Posição pronominal com formas verbais simples por forma pronominal ... 78

Tabela 6: Posição pronominal com formas verbais simples por tempo ou forma verbal ... 80

Tabela 7: Posição pronominal com formas verbais simples por contexto morfossintático ... 83

Tabela 8: Uso da próclise segundo a variável contexto morfossintático ... 90

Tabela 9: Próclise segundo a variável gênero textual ... 92

Tabela 10: Próclise segundo a variável forma pronominal ... 92

Tabela 11: Próclise segundo a variável categoria pronominal ... 94

Tabela 12: Posição pronominal com locuções verbais por gênero textual ... 95

Tabela 13: Posição pronominal com locuções verbais por categoria pronominal ... 97

Tabela 14: Posição pronominal com locuções verbais por forma pronominal ... 99

Tabela 15: Posição pronominal com locuções verbais por tempo/forma verbal do V1 ... 102

Tabela 16: Posição pronominal com locuções verbais por forma do V2 ... 103

Tabela 17: Posição pronominal com locuções verbais por contexto morfossintático ... 105

Tabela 18: Presença de preposição entre os verbos da locução ... 107

Tabela 19: Próclise ao principal segundo a variável gênero textual ... 109

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita ... 34 Figura 2: Continuum de posição pronominal, segundo o grau de formalidade dos gêneros textuais ... 75

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

PB: português brasileiro PE: português europeu GT: gramática tradicional CV: complemento verbal OD: objeto direto

OI: objeto indireto

INDET.: índice de indeterminação do sujeito APASS.: pronome apassivador

PIV: parte integrante do verbo ou pronome inerente CN: complemento nominal

SUJ.: sujeito

PCN: Parâmetros curriculares nacionais MEC: Ministério da Educação e da Cultura PR: peso relativo

V1: primeiro verbo/ verbo auxiliar V2: segundo verbo/ verbo principal

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RODRIGUES, Thaís Leal. Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil. Tese (Doutorado Estudos de Linguagem). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020.

RESUMO

A colocação pronominal é um fenômeno variável em língua portuguesa, frequentemente apontado como diferenciador de suas variedades brasileira e lusitana. As variantes dessa variável são as posições que o pronome pode ocupar com relação ao verbo que acompanha, quais sejam, proclítica, enclítica ou mesoclítica – quando os pronomes se relacionam a formas verbais simples – e proclítica ao verbo auxiliar ou ao principal e enclítica ao verbo auxiliar ou ao principal – quando ligados a locuções verbais. Nesta pesquisa, que se apoia nos preceitos teóricos e metodológicos da Sociolinguística Variacionista, com base na análise de alguns gêneros textuais escritos, buscamos investigar a colocação dos clíticos, com o intuito de descrever e caracterizar sociolinguisticamente cada uso. Desse modo, objetivamos apontar os elementos favorecedores de cada variante, de acordo com os resultados obtidos por meio do programa estatístico computacional Goldvarb 2001. Os gêneros escolhidos para a análise foram: artigo científico, crônica jornalística, reportagem de revista e edital de abertura de concurso público. A metodologia utilizada no desenvolvimento desta pesquisa foi, além de quantitativa – pois apoiada em dados, porcentagens e estatísticas apontadas pelo mencionado programa – igualmente qualitativa, com base na análise descritiva desses dados, a partir de especificamente três critérios: natureza pronominal, gênero textual e contexto morfossintático antecedente ao clítico. Constatamos que a próclise é a posição preferida, na companhia de verbos simples, em todos os gêneros estudados, até mesmo nos mais formais. No caso de pronomes que acompanham locuções verbais, encontramos uma preferência equilibrada das posições proclítica e enclítica ao verbo principal.

Palavras-chave: Variação linguística. Colocação pronominal. Língua escrita. Gêneros textuais. Continuum.

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RODRIGUES, Thaís Leal. Colocação pronominal em textos escritos no português do Brasil. Thesis (PhD – Language Studies). Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2020.

ABSTRACT

Pronoun placement is a variable phenomenon in Portuguese language, often viewed as a factor of differentiation between Portuguese from Brazil and Portugal. The variants of this variable are the positions the pronoun can take in relation to the accompanying verb, that is, proclitic, enclitic or mesoclitic – when pronouns relate to simple verbal forms – and proclitic to the auxiliary verb or to the main verb and enclitic to the auxiliary verb or to the main verb – when linked to verbal phrases. This research complies with the theoretical and methodological guidelines of Variationist Sociolinguistics. Thus, based on the analysis of some written textual genres, we sought to investigate the placement of clitics, in order to describe and characterize each use sociolinguistically. Hence, we aimed to point out the elements that favour each variant, according to the results yielded by Goldvarb 2001 computer program. The genres chosen for the analysis were scientific articles, newspaper chronicles, magazine articles and civil service entrance examination call notices. The methodology used in the development of this research in addition to the quantitative method – based on data, percentiles and statistics elicited by the abovementioned program – was qualitative, based on the descriptive analysis of this data, from three criteria, more specifically: pronoun nature, textual genre and morphosyntactic context preceding the clitics. We have found that the proclitic is the most preferred placement, when accompanying simple verbs, in all studied genres, even more formal ones. In the case of pronouns accompanying phrasal verbs, we have encountered a balanced preference towards the proclitic and enclitic placements in relation to the main verb.

Keywords: Linguistic variation. Pronoun placement. Written language. Textual genres. Continuum.

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 15 1 Definição da pesquisa ... 18 1.1 Objetivos ... 18 1.2 Problema e hipótese ... 19 2 Fundamentação teórica ... 21 2.1 A Sociolinguística lavobiana ... 21

2.2 Norma padrão e norma culta ... 24

2.3 Língua falada e língua escrita ... 28

2.4 Gêneros textuais ... 31

3 Revisão bibliográfica ... 36

3.1 A posição do clítico segundo gramáticas do português ... 37

3.2 Locuções verbais ... 46

3.3 Pesquisas sobre a posição do clítico em português ... 51

4 Metodologia ... 57

4.1 O corpus ... 58

4.2 Procedimentos de análise de dados ... 64

5 Análise do corpus ... 73

5.1 Formas verbais simples ... 74

5.1.1 Análise inicial ... 74 5.1.2 Ponderação estatística ... 89 5.2 Locuções verbais ... 95 5.2.1 Análise inicial ... 96 5.2.2 Ponderação estatística ... 109 6 Considerações finais ... 111 REFERÊNCIAS... 118 Anexo... 124

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INTRODUÇÃO

É sabido que a colocação dos clíticos pronominais constitui um fenômeno em variação na língua portuguesa, tanto no Brasil quanto em Portugal (VIEIRA, 2007, p. 121). Diferentemente do que ocorre no português europeu (PE), no português brasileiro (PB), os clíticos pronominais costumam preceder e não seguir a forma verbal. Isso se justifica devido ao fato de se tratar de variedades que possuem diferentes padrões rítmicos. Sobre isto Vieira (2007, p. 121) tece um importante comentário:

A colocação pronominal constitui um fenômeno variável ‘aquém e além- mar’. No português do Brasil, a colocação pré-verbal, a preferida, e a pós-verbal constituem variantes possíveis, formas alternantes para um mesmo contexto estrutural. Por isso, é preciso conhecer os elementos favorecedores de cada variante, sejam eles de natureza linguística ou extralinguística, na língua portuguesa como um todo e na variedade brasileira em particular.

Em língua portuguesa, o pronome átono pode ocorrer em posição proclítica, enclítica ou mesoclítica ao verbo, isto é, podem antepor-se, pospor-se ou entrepor-se a ele, quando acompanham formas verbais simples. Nos casos em que o clítico se encontra adjacente a uma locução verbal, existem também três posições possíveis: antes do verbo auxiliar (V1), depois do verbo principal (V2), e entre o verbo auxiliar e o principal. Designamos as duas primeiras posições como próclise ao V1 e ênclise ao verbo V2, respectivamente. No entanto, na última circunstância, o pronome átono pode ligar-se tanto ao V1, quanto ao V2, nomeando-se como ênclise a V1 e próclise a V2, na mesma ordem. Para ilustrar, oferecemos os seguintes exemplos extraídos do corpus:

Quadro 1: Variantes linguísticas do fenômeno analisado. Forma verbal Posição (variantes) Exemplo

Simples

Próclise “Os candidatos que se declararem...” (Edital 1) Ênclise “Fala-se de Getúlio Dornelles...” (Reportagem 4) Mesóclise “Aplicar-se-á o disposto no Decreto...” (Edital 5)

Composta

Próclise a V1 “...a mãe o estava esperando. (Crônica 7) Ênclise a V1 “Assim, pode-se dizer...” (Artigo 1) Próclise a V2 “Vai me desculpar, mas...” (Crônica 12) Ênclise a V2 “...continuei a encará-lo.” (Crônica 17)

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Neste trabalho, trataremos de estabelecer os fatores que favorecem cada posição pronominal, na variedade brasileira do português, em sua modalidade escrita, especificamente nos gêneros crônica jornalística, reportagem de revista, artigo acadêmico e edital de abertura de concurso público, a fim de verificar a extensão da variabilidade da norma culta com relação ao cumprimento dos preceitos da norma padrão de colocação pronominal em tais textos, considerando a diversidade de gêneros. Optamos por estudar a modalidade escrita da língua, por ainda haver poucos trabalhos que contemplem meios escritos, como também observaram Vieira e Lima (2019, p. 6): “Embora haja vasta literatura sobre os usos relativos a fenômenos diversos na fala brasileira, percebe-se que o mapeamento de dados em meios escritos segundo estilos variados e contemplando diversos tópicos gramaticais ainda está por ser construído”.

Os textos escolhidos para a análise foram extraídos, respectivamente, de páginas pessoais e livros de cronistas brasileiros; revistas de grande circulação no Brasil, nas suas versões digitais; páginas de periódicos científicos e banco de publicações da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e de sites de bancas organizadoras de concursos. Vale salientar que, no caso das crônicas, os textos foram publicados originalmente em jornais e revistas de grande circulação no Brasil e, posteriormente, divulgados nas páginas pessoais de seus autores ou editados em formato de livro.

Apresentamos nossa pesquisa da forma que segue. Preferimos inicialmente definir o trabalho, por meio da apresentação dos seus objetivos, problema e hipótese. A seguir, abordamos a base teórica que sustenta esta investigação. Em primeiro lugar, discorremos sobre a Sociolinguística Variacionista, corrente linguística na qual nos fundamentamos, e, em seguida, delimitamos alguns conceitos aqui utilizados, a fim de informar como são tratadas, entendidas e utilizadas, neste trabalho, certas terminologias linguísticas, cuja acepção pode variar segundo a abordagem teórica. Assim, esclarecemos, primeiramente, que, nesta pesquisa as modalidades escrita e falada da língua não são compreendidas como pares opositivos, embora reconheçamos as diferenças e especificidades de cada uma. Isso porque não é possível delimitar as fronteiras entre as modalidades de uso da língua, já que, muitas vezes se interpenetram. Também comentamos a conceituação de gênero textual, aqui definido de acordo com Bakhtin (1997) e Marcuschi (2002). Cremos necessário elucidar nossa concepção de “norma culta” e “norma padrão”, diferenciando e caracterizando cada expressão. Por último, explicitamos nosso ponto de vista sobre o conceito de locuções verbais.

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No capítulo 3, oferecemos uma revisão da literatura sobre o tema da colocação do clítico pronominal, composta pela apresentação e descrição feita não só em gramáticas do português, mas também em investigações acadêmicas que abordam tal fato linguístico. O quarto capítulo trata da metodologia utilizada para realizar a análise a que nos propusemos. Nessa seção, caracterizamos metodologicamente a pesquisa, apresentamos o corpus selecionado e descrevemos os procedimentos utilizados. No quinto capítulo, expomos e discutimos os resultados da pesquisa empreendida e, no sexto, apresentamos nossas considerações finais. Ao final, encontram-se as referencias bibliográficas.

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1 Definição da pesquisa

Este trabalho, conforme já informado, consiste em uma pesquisa quali-quantitativa, cujo tema é a colocação pronominal no português escrito brasileiro. A pesquisa parte da observação de Perini, em sua gramática, a respeito da necessidade de um “levantamento do uso dos clíticos no padrão brasileiro moderno” (2001, p. 230). Vieira (2007, p. 122) também fez referência a tal carência: “Ademais, não se pode afirmar que já se encontrem registradas as normas de uso referentes à ordem dos clíticos”. A partir de então, algumas pesquisas têm sido realizadas com esse intuito, sobretudo no âmbito da língua falada. Este trabalho se diferencia, portanto, com relação à modalidade de língua e aos gêneros escolhidos para constituírem o corpus de investigação.

Muitos estudos e inclusive as gramáticas do português (algumas de maneira mais categórica, outras como observações relacionadas ao uso brasileiro), como veremos no capítulo 3, apontam que, no PB, no que tange a clíticos que acompanham formas verbais simples, a colocação pré-verbal é a preferida, a pós-verbal também é de uso relevante em textos escritos e a mesóclise é pouco usada. Já no que diz respeito a pronomes adjacentes a locuções verbais, sabemos que a posição mais frequente é a próclise ao verbo principal. Considerando esse fenômeno variável, ambicionamos, nesta pesquisa, estabelecer os elementos favorecedores de cada variante, em textos escritos em norma culta do PB, de modo a comparar a escolha da posição pronominal em cada gênero pesquisado, a fim de averiguar em quais deles há maior ou menor conformação com a norma padrão. Os princípios da teoria sociolinguística variacionista foram a base de execução desta investigação, cujos procedimentos tiveram o suporte da ferramenta computacional Goldvarb 2001, programa que gera resultados numéricos associados a diferentes fatores, de forma que tais números aferem o efeito relativo de cada fator no fenômeno.

1.1 Objetivos

Nosso objetivo geral é fazer um levantamento quantitativo e qualitativo do uso de cada posição pronominal em textos atuais escritos em língua portuguesa do Brasil de gêneros representativos da norma culta, buscando os fatores condicionadores dessa

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variável e comparando os resultados em cada gênero, a fim de verificar se há uma conformação com a norma padrão na redação dos textos. Os objetivos específicos são: analisar o fenômeno da colocação pronominal por contexto morfossintático (forma/tempo verbal, existência ou ausência dos ditos “atratores”, posição do clítico no período, tipo de oração); por tipo de clítico (pessoa gramatical do pronome, função sintática); e por gênero textual, de modo a comparar a escolha da posição pronominal em cada gênero pesquisado, a fim de verificar em quais deles há maior ou menor conformação com a norma padrão. Para subsidiar nossas afirmações a respeito das normas de colocação pronominal, buscamos respaldo em gramáticas da língua portuguesa, tanto as prescritivas, quanto as que essencialmente descrevem o seu uso.

1.2 Problema e hipótese

A pergunta de pesquisa que norteia nosso estudo é: segue-se a norma padrão de colocação pronominal na redação dos textos que constituem o corpus deste trabalho? Teoricamente, a modalidade escrita, que é o objeto desta análise, associa-se a um ideal de comportamento linguístico atrelado a um compromisso normativo. No entanto, supusemos que encontraríamos considerável variação no que concerne à colocação pronominal nos diversos gêneros escritos analisados, tendo em vista as diferentes naturezas que possuem. Portanto, investigamos os gêneros textuais escritos nos quais é possível encontrar maior ou menor conformação com a norma padrão. Nossa hipótese era a de que nos mais formais, segundo os critérios propostos por Marchushi (2001), como editais e artigos acadêmicos, seria acatada a norma canônica de colocação pronominal e, em gêneros escritos mais informais, como a reportagem de revista e a crônica, a norma de colocação se aproximaria mais da modalidade falada. Mais especificamente, acreditamos, por exemplo, que em gêneros mais formais encontraríamos algumas escassas ocorrências de mesóclise e considerável uso da ênclise, sobretudo em início de período, seguindo os preceitos da gramática normativa. Por outro lado, tínhamos a hipótese de que, nos gêneros informais, a próclise seria de uso generalizado, nem sempre condicionada por partículas proclisadoras. Já com relação aos pronomes ligados a locuções verbais, supúnhamos que a posição predominante seria

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a próclise ao verbo principal, independentemente da presença de elementos atratores, e que a ênclise à forma nominal prevaleceria quando estivesse associada a um infinitivo.

Outro fator que consideramos relevante no condicionamento da escolha da posição do pronome foi a tipologia pronominal, como, por exemplo, a possibilidade de o clítico acusativo de terceira pessoa favorecer a ênclise. Cremos também que a forma verbal pode influenciar o posicionamento do pronome, no sentido de que certas formas nominais seriam possíveis condicionadores da ênclise. Por último, temos a hipótese de que a ocorrência prévia de elementos ditos atratores, tais como pronome relativo, conjunção subordinativa e palavra negativa, seria um fator de influência quase categórica no uso da variante pré-verbal, seguindo os preceitos da abordagem tradicional.

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2 Fundamentação teórica

Com relação aos pressupostos teóricos, esta pesquisa se fundamenta na Sociolinguística Variacionista, corrente linguística que teve início nos Estados Unidos, na década de 1960. Os principais conceitos dessa teoria encontram-se descritos na seção 2.1. Faz-se necessário ainda elucidar a definição de alguns termos adotados nesta pesquisa. Este capítulo, portanto, dedica-se também a fixar nossas concepções de língua falada e língua escrita – suas diferenças e características; de gêneros textuais; de norma padrão e norma culta, e de locuções verbais.

2.1 A Sociolinguística lavobiana

O linguista William Labov é o principal expoente da Sociolinguística Variacionista e apresenta, no livro Padrões sociolinguísticos (1972), os conceitos fundamentais da teoria, bem como a metodologia de sua proposta. Essa teoria concebe a língua como um fato social e está relacionada a outros campos do conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia e a Geografia linguística. A respeito da perspectiva social de língua, Labov explica:

A língua é uma forma de comportamento social: declarações nesse sentido podem ser encontradas em qualquer texto introdutório. Crianças mantidas em isolamento não usam a língua; ela é usada por seres humanos num contexto social, comunicando suas necessidades, ideias e emoções uns aos outros. (...) É questionável se frases que nada comunicam a ninguém façam parte da língua. (LABOV, 2008, p. 215)

Segundo essa disciplina, a língua é um sistema heterogêneo, como são heterogêneos os seus falantes: “A própria singularidade inscrita na determinação da natureza humana conduz à previsibilidade da variação, da dessemelhança, da heterogeneidade, da instabilidade.” (ANTUNES, 2009, p. 209). Isso, contudo, não implica de nenhuma forma um caos linguístico, uma vez que há normas subjacentes a toda variação, que, deste modo, pode ser sistematizada. A Sociolinguística laboviana é também conhecida como Teoria da Variação e Mudança, por fornecer material metodológico para sistematizar a variação linguística, que é definida como “o processo pelo qual duas formas podem ocorrer no mesmo contexto linguístico com o mesmo

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valor referencial, ou com o mesmo valor de verdade.” (COELHO, 2010, p. 23). Essas formas que concorrem na variação são denominadas variantes. Dizemos que há variação estável quando não se verifica predominância de uma variante sobre a(s) outra(s) e, assim, a variação tende a se manter ainda por tempo. Por outro lado, é possível afirmar que há uma mudança em curso, quando uma das variantes prevalece categoricamente sobre a(s) outra(s), de modo que esta(s) tenderia(m) a cair em desuso, configurando uma tendência à resolução do processo de variação.

Portanto, para Labov, a heterogeneidade não é aleatória e não significa ausência de regras. Pelo contrário, a variação é sempre governada por um conjunto de regras e o papel do cientista da língua é desvendar tais mecanismos. Toda língua possui regras categóricas – como a posição do artigo com relação ao substantivo, sempre anterior, em português (exemplo: o menino) – e regras variáveis, como a alternância entre tu e você, como tratamento de segunda pessoa do discurso ou o preenchimento do objeto direto que possui quatro variantes para a terceira pessoa: categoria vazia, objeto direto anafórico, pronome ele ou clítico acusativo. Ambos os fenômenos referem-se ao português do Brasil. Enfim, de acordo com esse modelo teórico-metodológico, um fenômeno em variação jamais pode ser considerado irrelevante. Toda língua é constituída de diferentes e legítimas formas de uso e todas estas têm a complexidade necessária para cumprir suas funções. Portanto, o que muitos consideram “erro”, para o sociolinguista é uma variante, isto é, uma possibilidade na língua em questão. As variantes que materializam o fato variável são chamadas de variáveis dependentes. A variação no uso das diversas formas linguísticas é condicionada por um conjunto de fatores denominado variável independente. Tais fatores podem ser de ordem linguística ou extralinguística. Exemplo do primeiro tipo de condicionamento é a pronúncia surda ou sonora da consoante [s], a depender do contexto fonológico em que ocorre, isto é, se antecede uma consoante surda, sua pronúncia também será surda; se, ao contrário, precede uma consoante sonora, sua pronúncia será sonora, como em: raspa (surda) e rasga (sonora). Por outro lado, os fatores extralinguísticos são, por exemplo, origem geográfica; status socioeconômico; grau de escolarização; idade; sexo; profissão.

Labov (2008, p. 193) propõe uma estratégia para o estudo empírico das mudanças linguísticas baseada em três problemas: a transição, o encaixamento e a avaliação. O primeiro consiste em “encontrar o caminho pelo qual um estágio de uma mudança linguística evolui a partir de um estágio anterior” (LAVOB, 2008, p. 193), tendo em vista que as formas linguísticas não são imediatamente substituídas por novas,

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ou seja, a mudança é um processo. A fase da transição, portanto, é aquela em que as variantes linguísticas do fenômeno em variação coexistem e concorrem. Pode ser que, com o tempo, uma delas deixe de ser usada e o processo de mudança se complete. Segundo Coelho et.al. (2010, p. 101): “Um dos propósitos do problema empírico de transição é descobrir como pode a mudança linguística passar de um estágio a outro (de uma sincronia a outra) sem interferir na comunicação entre os membros de uma comunidade de fala”. Para isso, é preciso investigar tais estágios, tanto no que diz respeito à transmissão da nova forma de uma comunidade à outra, como de uma geração à outra. O segundo problema diz respeito às correlações entre elementos do sistema linguístico e entre estes e o sistema de comportamento social. Trata-se, pois, de buscar os fatores condicionantes da mudança, sejam internos ou externos à língua, e apontar suas conexões, explicar em que grau a variação está encaixada na estrutura linguística ou social (grupo socioeconômico, idade, sexo, escolaridade, etnia, localização geográfica). Por sua vez, o problema da avaliação está relacionado à investigação das atitudes dos informantes com relação ao seu próprio comportamento linguístico, o que pode ser um fator relevante na determinação da mudança. Ao linguista cabe, então, “medir as reações subjetivas inconscientes dos informantes aos valores da própria variável linguística” (LABOV, 2008, p. 193). As diferentes variedades e variantes de uma língua recebem avaliações por parte da sociedade, de maneira que algumas são consideradas formas prestigiadas de uso, enquanto outras são estereotipadas. Labov (2008, p. 360) define estereótipo como “formas socialmente marcadas, rotuladas enfaticamente pela sociedade”.

A Sociolinguística busca não somente investigar a variação linguística, mas também combater o preconceito linguístico, que está intrinsecamente relacionado ao preconceito social, já que, “de acordo com Bourdieu (1977), as manifestações linguísticas recebem um valor do que ele denominou ‘mercado linguístico’, aliado a renda, sexo, faixa etária e nível escolar...” (MOLLICA, 2015, p. 29). Em outras palavras, julga-se a variedade de determinado falante de acordo com o status que ele recebe, na sociedade em que se insere. Assim, “empregos linguísticos prestigiados acham-se preferencialmente em indivíduos com prestígio social alto” (MOLLICA, 2015, p. 28), ao passo que os usos estigmatizados da língua são relacionados a pessoas ou comunidades estigmatizadas também socialmente.

A variação se percebe em diferentes situações comunicativas, de acordo com o contexto (falantes, interlocutores, relação entre eles, tema da comunicação, local etc.);

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em diferentes épocas e momentos históricos; em diferentes locais ou regiões geográficas e em diferentes estratos ou grupos sociais. Esses diversos tipos de variação denominam-se, respectivamente, variação diafásica, variação diacrônica, variação diatópica e variação diastrática. Por sua vez, os falares de uma comunidade são chamados de variedades e equivalem a dialeto ou norma; por exemplo, as variedades gaúcha, baiana e fluminense do PB, ou ainda as variedades brasileira e lusitana do português. Podemos ainda falar em variedades populares e variedades cultas, variedades rurais e variedades urbanas etc. Bortoni-Ricardo (2004 e 2005) analisa a variação linguística no português brasileiro a partir de um modelo de três continua: o rural-urbano, o de oralidade-letramento e o de monitoração estilística. De acordo com essa visão, as variantes linguísticas se distribuem de um polo a outro de cada uma das três linhas imaginárias, o que nos ajuda a apreender de forma mais segura a complexa situação sociolinguística do português do Brasil.

O continuum de urbanização corresponde a variedades que vão desde a rural geograficamente isolada até a urbana culta, compreendendo, na interseção dos dois polos, as denominadas variedades “rurbanas”1. Deve-se levar em consideração a rede de relações sociais2 que o falante tenha para situá-lo ao longo do continuum. O segundo abrange as práticas sociais orais ou letradas. A posição do falante com relação a cada polo depende de seu contato com a cultura do letramento, pois é esta que lhe propicia o domínio de variantes de prestígio. O terceiro continuum diz respeito ao estilo mais ou menos cuidado adotado pelo falante (grau de atenção e de planejamento conferidos pelo falante à sua interação), em cada situação comunicativa. Este contínuo comporta vários fatores (BORTONI-RICARDO, 2005, p. 41): “a) a acomodação do falante ao seu interlocutor; b) o apoio contextual na produção dos enunciados; c) a complexidade cognitiva envolvida na produção linguística; d) a familiaridade do falante com a tarefa comunicativa que está sendo desenvolvida”.

2.2 Norma padrão e norma culta

1

Bortoni-Ricardo (2005, p. 92) se vale do conceito de rurbano “para definir populações rurais com razoável integração com a cultura urbana e populações urbanas com razoável preservação de seus antecedentes rurais”.

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De acordo com Faraco (2002, p.40), no Brasil, a instituição da norma padrão se deu no século XIX, com o intuito de estabelecer um padrão que gerasse unidade linguística e visava a combater as variações e mudanças linguísticas. Membros letrados das altas camadas da sociedade determinaram que a norma seria estabelecida a partir dos usos de escritores portugueses (dos séculos XVI ao XIX) e não a partir da fala de brasileiros cultos, como era de se esperar. Percebe-se que as motivações que subjazem à instauração da norma padrão, no Brasil, não demonstram apenas uma tentativa de neutralizar e controlar as mudanças linguísticas, mas revelam uma maneira de negar a miscigenação étnica e cultural brasileira.

De acordo com Lucchesi (2017, p. 371), a partir da segunda metade do século XIX, há um aprofundamento da normatização linguística, especialmente no contexto do universo urbano do Rio de Janeiro, “com a criação da cátedra de língua portuguesa no Colégio Pedro II, em 1871; a proliferação das gramáticas normativas, na década de 1880; e a criação, em 1897, da Academia Brasileira de Letras”. Segundo o linguista, esse processo normatizador ocorreu sob a ótica de uma “mentalidade purista lisitanizante” (LUCCHESI, 2017, p. 371) e se manifestou, na literatura, no Movimento Parnasiano. Tal pensamento durou até as primeiras décadas do século seguinte, quando surge o Movimento Modernista. De fato, ambas as escolas literárias, antagônicas entre si em suas propostas, delinearam dois momentos da história da língua portuguesa no Brasil. A primeira foi marcada pela exigência de uma “forma perfeita” quanto à construção e à sintaxe. Desse modo, preconizava a correção gramatical, o preciosismo vocabular e o purismo linguístico. A segunda escola se caracterizou pela busca da identidade brasileira. Isso significava reconhecer nossa miscigenação étnica e valorizar a língua nacional, uma variedade do português diferente da de Portugal. Dessa forma, havia, na literatura modernista, uma preocupação em registrar a sintaxe e o vocabulário do PB, bem como uma aproximação com a linguagem falada, marcada por expressões idiomáticas.

Pagotto (1999, p. 55) parece se referir ao mesmo conceito ao constatar: “Podemos, então, agora, localizar a constituição da norma culta no século XIX no processo histórico e político da constituição da nação” e ainda: “o que chama a atenção no caso do Brasil é que todo um arsenal discursivo é acionado no sentido de ‘construir’ a norma culta à imagem e semelhança do português de Portugal” (PAGOTTO, 1999, p. 56). O autor (1999, p. 56) ainda ressalta o fato de não se buscarem as raízes de nossa língua, num retorno ao passado, para estabelecer a partir daí a nossa norma culta, como

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tentou fazer José de Alencar. Ao contrário, o que se observou, segundo o linguista (PAGOTTO, 1999, p. 56) foi que o modelo tomado foi “justamente a norma culta portuguesa moderna”.

Conquanto seja comum o emprego das expressões norma culta e norma padrão como sinônimos, usamos esses termos, neste trabalho, para nominar conceitos distintos. Cumpre ainda ressaltar que há um uso metalinguístico muito diversificado de tais expressões entre os linguistas. Buscaremos, contudo, esclarecer nossa concepção de tais designações.

A norma padrão, também denominada “norma canônica” ou “norma exemplar”, corresponde a uma convenção que visa à padronização dos usos da língua, como a própria denominação sugere, a fim de estabelecer um modelo a ser seguido, especialmente na modalidade escrita da língua. Não se trata, porém, de uma receita de pureza linguística. Esse modelo, socioculturalmente definido e valorizado, é recomendado nas gramáticas tradicionais, não para simplesmente imputar regras distantes do uso concreto da língua e inibir outros usos, mas para oferecer um paradigma útil e facilitador da comunicação, uma orientação para adequação do uso.

Logo, uma norma padrão, em termos conceituais, não seria uma maneira de impor uma variedade artificial, abstrata e inalcançável, mas sim uma forma de propiciar uma melhor comunicação entre usuários tão diversos de uma mesma língua, tendo em vista a realidade multidialetal do PB. O papel das gramáticas tradicionais ou normativas deve ser o de estabelecer um padrão que cumpra um efeito unificador da língua, mas sem desprezar a existência de outras variedades igualmente importantes. E cumpre à escola não apenas ensinar norma padrão, mas a língua em uso, em toda a sua multiplicidade, como afirma Neves (2017, p. 90):

Acredito que, na conclusão, a única certeza plena que se terá é a de que a escola tem de ser garantida como o lugar privilegiado de vivência de língua materna: língua falada e língua escrita, língua padrão e língua não-padrão, nunca como pares opositivos, ou como atividades em competição; enfim, uma vivência da língua em uso em sua plenitude: falar, ler, escrever.

É inegável que os estudos linguísticos também têm contribuído para uma produção de gramáticas que levam em consideração a realidade da língua. Percebe-se uma notável mudança nas gramáticas tradicionais, que já apontam usos diferentes do padrão nela prescrito. Além disso, hoje, o mercado editorial oferece gramáticas do PB,

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gramáticas do português falado, gramáticas de uso etc, o que demonstra um profundo avanço decorrente da influência das pesquisas científicas.

Deve-se ressaltar também que as prescrições da norma padrão também mudam com o tempo e o que hoje é considerado uma legítima construção da língua pode não ter sido outrora, assim como um uso que atualmente é condenado pode ter sido prestigiado antes. Portanto, há de se reconhecer a “relativização do valor propriamente linguístico de uma norma prescritivista” (NEVES, 2017, p. 46).

A norma culta, por sua vez, é comumente designada como a variedade utilizada pelas pessoas que têm mais contato com a modalidade escrita da língua e um acesso maior à educação e cultura, isto é, as pessoas consideradas falantes cultos, que não necessariamente seguem as prescrições da gramática normativa. Portanto, a norma culta é apenas uma das variedades existentes. Faraco (2008, p. 43) afirma que “não é simples conceituar e identificar, no Brasil, a norma a que se dá o qualificativo de culta”. Esta norma se identifica com as variedades urbanas, em contraste com as variedades rurais e rurbanas (nos termos de Bortoni-Ricardo, 2005).

A variedade culta falada do português do Brasil foi o objeto de estudo do Projeto NURC (Norma Urbana Culta), que surgiu em 1969, com a finalidade de descrever os usos dos falantes cultos do país. Os dados dessa pesquisa foram coletados em cinco cidades brasileiras – Recife, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre – por meio de entrevistas a falantes com nível superior completo e, atualmente, constituem o corpus de vários trabalhos científicos, contribuindo amplamente para o avanço do conhecimento do português brasileiro. Os dados dessa pesquisa revelaram, segundo Faraco (2008, p. 46), uma realidade surpreendente: “a norma culta brasileira falada se identifica, na maioria das vezes, com a linguagem urbana comum, ou seja, com aquela utilizada pelos falantes que estão fora do grupo dos chamados (tecnicamente) de cultos”, ao contrário do pensamento de alguns estudiosos que acreditavam que em situações de fala mais monitoradas, os falantes cultos usariam uma variedade mais acorde com as diretrizes da gramática normativa.

Portanto, neste trabalho, usamos a expressão norma padrão para referir-nos às prescrições da gramática normativa e, norma culta, para designar a variedade da língua usada por falantes com grau de escolaridade superior.

Sobre tudo o que foi exposto, cumpre ainda enfatizar a importância dos estudos linguísticos que se pautam na norma culta brasileira, sobretudo com relação à língua escrita, já que, como afirmam Vieira e Lima (2019, p. 10): “parece inegável assumir que

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a delimitação da norma-padrão depende necessariamente do conhecimento detalhado das chamadas variedades cultas”. Esse, sem dúvida, é o melhor caminho para o bom êxito das orientações normativas, como postulam as autoras. Ainda concordamos com as autoras (VIEIRA e LIMA, 2019, p. 11) quando atestam que somente o mapeamento dos fenômenos variáveis, consoante diversos gêneros textuais, dispostos em um continuum de oralidade-letramento ou fala-escrita, segundo o modelo sociolinguístico defendido por Bortoni-Ricardo e detalhado na seção anterior (2.1), podem fundamentar o estabelecimento de uma norma-padrão operacional.

2.3 Língua falada e língua escrita

É sabido que a modalidade escrita se relaciona e sempre se relacionou com o bom uso, sempre foi tomada como exemplo de correção e, durante muito tempo, segundo Neves (2017, p. 44), a língua falada foi tratada como a variedade que abriga “todas as tolerâncias” e admite qualquer transgressão, “como se a língua falada não tivesse norma, quase como se não tivesse gramática”. Sabemos que todas as variedades das línguas naturais têm uma gramática, ou seja, uma regra de funcionamento, e que o fato de a modalidade escrita ser tomada como modelo – inclusive, na maioria das gramáticas, os exemplos dados são extraídos de textos escritos – se deve à sua perenidade e não deve refletir nenhum julgamento de valor de uma modalidade sobre a outra. Neves (2017, p. 44) ainda comenta que a escola criou um grande abismo entre as variedades:

...instituiu-se que a fala (em princípio, a modalidade do aluno) é imperfeita por natureza, e que a língua escrita (em princípio, a modalidade do professor) é a meta a ser atingida, como se não houvesse modalidade-padrão também na fala e como se o conhecimento de um padrão prestigiado, na língua falada, não fosse também desejável.

A pertinente observação de Neves evidencia que fala e escrita não podem ser entendidas como pares antagônicos, em que a língua falada corresponde ao não padrão e a língua escrita ao padrão, já que, na verdade, há textos orais em norma canônica e há textos escritos em norma não canônica. Callou (2018, p.20) tece o seguinte comentário acerca da tradicional dicotomia:

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E essa multiplicidade diz respeito também à oposição fala e escrita, com suas especificidades, semelhanças e diferenças. Hoje em dia, a posição que prevalece é a de que representam códigos distintos, uma vez que, na fala, lidamos com instabilidade, naturalidade, rapidez de produção, riqueza de prosódia e, na escrita, com a sistematicidade e o permanente.

Algumas características da língua falada são: repetições, hesitações, quebras e retomadas da sequência discursiva. A escrita, por sua vez, é mais cuidada, pensada e planejada. Portanto, cada modalidade tem características específicas que as definem. Contudo, não podemos pensar que elas são totalmente opostas entre si. Deve-se considerar que tanto a escrita quanto a fala podem apresentar-se de diversas formas; não há um padrão único.

Dessa forma, cumpre esclarecer que nossa concepção de língua não nos permite tratar de língua falada e língua escrita de forma dicotômica. De acordo com o ponto de vista aqui assumido, existe um contínuo que une fala e escrita, não sendo possível demarcarem-se nitidamente as fronteiras entre tais modalidades (BORTONI-RICARDO, 2005; MARCUSCHI, 2001). Em cada uma das pontas desse contínuo existe, de um lado, o enunciado prototípico de língua falada e, de outro, o enunciado prototípico de língua escrita. Entre os eixos, encontram-se diferentes graus de usos de cada uma dessas modalidades. Prova disso é a existência de gêneros limítrofes, como a letra de canção, que é oralizada e escrita. Portanto, é preciso ter cuidado ao classificar um texto dentro de uma posição rígida, porque isso não refletiria o real uso linguístico.

Antunes (2009, p. 207) comenta a importância de um ensino de língua materna que parta do reconhecimento da variação linguística na modalidade escrita:

...a língua escrita ainda não recebeu esse ‘olhar’ que enxerga as suas diferenças de uso; ou seja, ainda parece subsistir a impressão de uma língua escrita uniformemente, totalmente estável, sem variações. Tal impressão é naturalmente reforçada pelo viés da ortografia oficial, um padrão rígido e inalterável, com mudanças pouco significativas em intervalos muito longos de tempo. A visão de uma escrita uniforme repercute no trabalho da escola, que, assim, privilegia o ensino de esquemas rígidos, em cujas formas todos os textos têm de se encaixar.

Fica claro que não se pode caracterizar a língua falada estritamente como informal e a língua escrita como formal, visão de língua que por muitos anos influenciou o ensino. Como afirma Neves (2017, p. 94): “É importante no ensino que se vejam mais as similaridades entre as modalidades do que as diferenças, e é preciso, especialmente, rever o tratamento feito exclusivamente em termos de pares opositivos”.

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As diferenças no uso de cada uma das modalidades da língua derivam das situações em que os enunciadores se inserem, ou seja, o contexto de produção textual é responsável pelos diferentes graus de planejabilidade do discurso, o que determinará as escolhas que caracterizarão o texto. Cada pessoa produz o texto de acordo com seleções condicionadas por fatores extralinguísticos relacionados às exigências da interação, conforme comenta Antunes (2008, p. 208):

Seja em relação à oralidade, seja em relação à escrita, a consideração do fenômeno da variação linguística implica, necessariamente, a inclusão dos muitos fatores pragmáticos envolvidos na interação. Quer dizer, se a realização da língua comporta variações, é, sobretudo, por determinação de elementos extrínsecos a ela, elementos constituintes da situação social em que a atividade verbal se insere, tais como o estatuto social dos interlocutores, o tipo de relação que se estabelece entre eles, os propósitos em causa, o espaço cultural em que acontece o evento comunicativo, entre outros.

A palavra-chave, então, é adequação. Logo, não podemos afirmar que língua falada é aquela livre, na qual tudo é permitido e válido, o que constituiria uma atitude preconceituosa com relação à língua falada, na medida em que a reduziria a uma modalidade de menos valor. Convém registrar a afirmação de Callou (2018, p.20) sobre o tema: “A ideia de que na fala ‘vale tudo’, contudo, é uma total ficção. O que ocorre é que, na fala, a busca por formas claras, objetivas, adequadas e precisas de emprego dos recursos da língua é visível, audível, portanto, mais perceptível”. Fica evidente que não é lícito associar a modalidade falada estritamente ao registro informal e a modalidade escrita ao registro formal, incorrendo novamente no erro de dicotomizá-las. Pensemos, por exemplo, em um discurso, em uma palestra ou conferência. Sabemos que, nesse tipo de situação, há de se monitorar mais a fala, sendo impossível dizer que se trata de um uso informal da língua. Por outro lado, também não podemos enquadrar a língua escrita em um molde no qual a formalidade sempre predomina, já que quando escrevemos, por exemplo, um bilhete ou uma mensagem em aplicativos de chat para um familiar ou amigo, geralmente não usamos um registro formal da língua.

Portanto, torna-se evidente a necessidade de que se reconheça a heterogeneidade da língua, inclusive na sua modalidade escrita:

Pode-se admitir, portanto, o princípio de que a língua varia também na sua modalidade escrita, em decorrência da imposição de adequar-se às diferentes situações de uso em que se insere. As línguas existem para essas situações, em função de suas solicitações interacionais (ANTUNES, 2009, p. 209. Grifo da autora).

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Percebe-se, desse modo, que a língua também é estudada, sob a ótica da sociolinguística variacionista, a partir de usos na modalidade escrita, que também é variável, muito embora a língua falada seja o objeto fundamental dessa ciência. Logo, a crença na existência de uma escrita uniforme, inteiramente padronizada, é um mito, uma vez que, “além das determinações do sistema linguístico, a interação verbal por meio da escrita está sujeita também às determinações dos contextos socioculturais em que essa atividade acontece” (ANTUNES, 2009, p. 209). A escrita, como a fala, é plural e se concretiza nos mais variados e quase incontáveis gêneros textuais.

2.4 Gêneros textuais

Bakhtin (1997, p. 280) defende que é impossível se comunicar verbalmente a não ser por algum gênero, já que todas as esferas da atividade humana estão sempre relacionadas à utilização da língua. Para ele:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. (BAKHTIN, 1997, p. 280)

Desse modo, Bakhtin (1997, p. 280) define os gêneros do discurso como “enunciados (orais e escritos), concretos e únicos, que emanam dos integrantes duma ou doutra esfera da atividade humana” e refletem

as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua (...), mas também, e sobretudo, por sua construção composicional. (BAKHTIN, 1997, p. 280)

De acordo com Marcuschi (2002, p. 19), os gêneros textuais são entidades sócio-discursivas, o que torna inegável sua característica variável ou, nas palavras do linguista (2002, p. 19), “maleável, dinâmica e plástica”. Outro aspecto importante relacionado aos gêneros textuais e mencionado por Marcuschi (2002, p. 19) é o fato de serem fenômenos históricos e, portanto, efêmeros. Os gêneros surgem e desaparecem conforme as necessidades de comunicação e as atividades da cultura na qual são utilizados. Consequentemente, relacionam-se também aos eventos tecnológicos, como a

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invenção da imprensa, do telefone, do computador e da internet, que ocasionou a criação de novos gêneros a eles relacionados, tais como editoriais, telefonemas, videoconferência, chats etc. Por outro lado, podemos perceber que, com o boom da internet, gêneros de outros suportes, como telegrama, cartão postal e mensagem de fax têm se tornado obsoletos. Sobre isso comenta Marchuschi (2002, p. 20):

Como afirmado, não é difícil constatar que nos últimos dois séculos foram as novas tecnologias, em especial as ligadas à área da comunicação, que propiciaram o surgimento de novos gêneros textuais. Por certo, não são propriamente as tecnologias per se que originam os gêneros e sim a intensidade dos usos dessas tecnologias e suas interferências nas atividades comunicativas diárias. Assim, os grandes suportes tecnológicos da comunicação tais como o rádio, a televisão, o jornal, a revista, a internet, por terem uma presença marcante e grande centralidade nas atividades comunicativas da realidade social que ajudam a criar, vão por sua vez propiciando e abrigando gêneros novos bastante característicos.

No entanto, os gêneros que surgem não são realmente inovadores, já que o que ocorre na verdade é a assimilação de um gênero por outro, ou seja, o surgimento de um novo gênero a partir da reformulação de outro, como é o caso do e-mail que guarda similaridades com a carta. Bakhtin (1997) chamou esse fato de transmutação dos gêneros.

De acordo com a exposição feita na Introdução desta tese, os gêneros dos textos aqui analisados são: crônica jornalística, reportagem de revista de informação, artigo acadêmico e edital de abertura de concurso público. Descrevemos cada um a seguir.

A crônica (do grego khroniká, relativo ao tempo) é um gênero narrativo, que conta fatos históricos ou atuais. Geralmente, são publicadas em jornais e revistas, mas também são encontradas no formato de livros e coletâneas. Destinam-se à leitura diária ou semanal e tratam de acontecimentos cotidianos. A notícia distingue-se da crônica, já que a primeira busca relatar os fatos de maneira objetiva e exata, ao passo que a segunda os analisa, imprimindo-lhes subjetividade e revelando a impressão pessoal do cronista com respeito ao acontecimento observado. O tema pode constituir-se de notícias muito comentadas até uma situação simples e corriqueira do mundo contemporâneo, geralmente da vida urbana, eventos narrados de modo a revelar uma perspectiva peculiar do ocorrido, com o uso de uma linguagem trabalhada. Por esses motivos, costuma-se afirmar que a crônica é um gênero que mistura jornalismo e literatura. As personagens da crônica não se apresentam por meio de uma descrição

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psicológica profunda, mas por uma caracterização genérica; tampouco costumam ser nomeadas.

A reportagem é um gênero textual que informa sobre determinado fato, atual ou antigo, de interesse do leitor a que se destina a revista. O gênero pode conter depoimentos, opiniões, entrevistas e dados estatísticos, que corroboram os acontecimentos. A reportagem não é uma simples narração de um evento, pois o repórter apresenta também sua própria interpretação. A linguagem utilizada é impessoal e objetiva, com a intercalação entre discursos direto e indireto, de modo a registrar os diferentes pontos de vista dos sujeitos envolvidos nos fatos. Sua estrutura mais comum é: a) título: anuncia o fato abordado; b) subtítulo: busca atrair o interesse para o assunto; c) lead: apresenta o resumo da matéria, normalmente, no primeiro parágrafo da reportagem; d) corpo: expõe o fato, em nível mais amplo. É comum também o uso de fotos que complementam a matéria. Bahia (1990, p. 49-50) aponta algumas diferenças entre a notícia e a reportagem, dentre as quais se destacam: a notícia expõe o fato no mesmo dia em que ele ocorre ou no dia seguinte, a reportagem mostra como isso se deu; a notícia não vai além da notificação, a reportagem extrapola a mera notificação e apresenta o detalhamento, o questionamento de causa e efeito, a interpretação e o impacto dos fatos.

O artigo científico é um gênero que serve para a divulgação dos resultados de pesquisas científicas. Surgiu com a criação do primeiro periódico científico, na década de 60. A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) é o órgão responsável por elaborar as normas que regem esse tipo de publicação quanto à sua organização. Na NBR 6022/2003, a associação conceitua esse gênero como “parte de uma publicação com autoria declarada, que apresenta e discute ideias, métodos, técnicas, processos e resultados nas diversas áreas do conhecimento” (ABNT, 2003, p.2). Consequentemente, o artigo científico serve como via de comunicação entre pesquisadores, profissionais, professores e alunos de graduação e de pós-graduação. Dada a sua natureza, a linguagem empregada no artigo científico é sempre formal, objetiva e clara, a fim de que possa ser acessível a um amplo público.

O gênero edital é um documento muito utilizado por instituições públicas e privadas do país, com o intuito de divulgar determinada notícia, fato ou ordenança, por meio da imprensa ou sítios públicos, para conhecimento geral. Estruturalmente, o edital é composto por muitos itens e subitens, que variam de acordo com o tipo e são “detalhes necessários para uma possível resposta do interlocutor, ou seja, do interessado, pelo fato

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ou propósito que determina o edital” (SANTOS; NASCIMENTO, 2011, p. 6). O assunto, portanto, é tratado de maneira exaustiva, a fim de dar o máximo de informação necessária com relação ao fato anunciado. Além disso, um edital também deve conter, em sua estrutura, a designação do órgão/unidade que comunica e o título do edital, com letras maiúsculas, seguido de número de ordem e da data. Por ser um documento oficial, a linguagem utilizada deve estar de acordo com o nível de formalidade do texto, “devendo-se caracterizar pela impessoalidade, pela clareza, concisão, formalidade e uniformidade” (SANTOS; NASCIMENTO, 2011, p. 7). Alguns tipos de editais são: de abertura de concurso para provimento de cargos públicos, de ciência, de concorrência, de convocação, de disponibilidade, de habilitação, de inscrição, de intimação, de notícia (arrecadação de bens), de praça (de leilão ou hasta pública), de publicação, de licitação e de resultado. O tipo estudado neste trabalho é edital de abertura de concurso público.

Na obra Da fala para a escrita: atividades de retextualização, Marcuschi (2001) defende a ideia de um contínuo tipológico entre as modalidades falada e escrita de uso da língua, que vai desde os gêneros mais informais aos mais formais, orais e escritos, considerando as situações comunicativas em que se inserem, contemplando, assim, a noção escalar de Bortoni-Ricardo (2004 e 2005), comentada em 2.1, relativamente aos contínuos de oralidade/letramento e de monitoração estilística. O autor comenta que é comum o tratamento de gêneros textuais numa perspectiva dicotômica, de fala e escrita, e afirma ser equivocado este tipo de polarização, uma vez que alguns gêneros ocupam uma posição intermediária, um ponto de interseção do contínuo e, por isso, é difícil alocá-los precisamente em uma ou outra modalidade. Em síntese, o modelo proposto por Marchuschi abrange tanto os gêneros textuais mais prototípicos de um ou outro polo do contínuo, como aqueles mais híbridos. Esse modelo é formulado da seguinte maneira:

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Figura 1: Representação do contínuo dos gêneros textuais na fala e na escrita

Fonte: (MARCUSCHI, 2001, p.41)

Indubitavelmente, Marcuschi elabora uma útil e didática representação dos gêneros orais e escritos dentro desse contínuo. Esta visão plural vem ao encontro dos atuais estudos científicos da linguagem, que reconhecem e valorizam a natureza multifacetada das línguas naturais, e aponta um caminho para se estudar a variação linguística, a partir da correlação entre gênero textual e grau de formalidade, na medida em que propõe níveis crescentes de formalidade no eixo da fala e no eixo da escrita.

O esquema apresenta uma relevante proposta de abordagem pedagógica dos gêneros textuais e de variação linguística, uma vez que deixa claro que assim como os gêneros textuais orais e escritos são diversos (e incontáveis), a língua neles utilizada também varia. Por este motivo, optamos por investigar o fenômeno variável da colocação pronominal a partir de diferentes gêneros, com diferentes graus de formalidade, a fim de sistematizá-lo, tendo em vista também a inegável importância deste tipo de estudo para o ensino de língua portuguesa. Para Vieira e Lima (2019, p. 12): “é preciso admitir que não se dispõe de parâmetros seguros para a determinação prévia de relações claras entre cada gênero e determinado nível de monitoração estilística ou de determinado grau de formalidade”, considerando que a relação entre gênero e grau de formalidade, para elas, é um tema de pesquisa a ser desenvolvido.

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3 Revisão bibliográfica

Os pronomes oblíquos átonos se comportam como uma sílaba não acentuada inicial ou final dos vocábulos, constituindo com o vocábulo ao qual se liga o que Camara Jr. (1975) chamou de vocábulo fonológico. No caso de a ligação ser com o elemento subsequente, o clítico atua como uma sílaba pretônica e, no caso de a conexão ser com o elemento anterior, o pronome desempenha o papel de uma sílaba postônica, no âmbito do vocábulo fonológico. É sabido que, no PE, a preferência é pelo último tipo de ligação e, no PB, pelo primeiro, ou seja, a variedade lusitana apresenta uma tendência à ênclise, ao passo que a nossa variedade se inclina para a próclise. Uma motivação para esse fato seria o enfraquecimento das vogais não acentuadas e, assim, uma pronúncia efetivamente átona dos pronomes em questão, no PE, o que favorece a ênclise. Por outro lado, há uma tendência brasileira à pronúncia forte de vogais pretônicas, o que faz com que os clíticos sejam pronunciados como semitônicos ou menos átonos. O problema está no fato de que muitos manuais e gramáticas tomam a norma europeia como padrão para o ensino e não a norma culta brasileira, o que gera confusão.

Têm sido apontados como elementos favorecedores de cada possível posição do pronome fatores estruturais, estilísticos e rítmicos, isto é, fatores que advêm de diferentes níveis gramaticais. Por isso, buscamos verificar como tem sido abordado esse tema nas gramáticas de português. Comecemos por apresentar o quadro de pronomes pessoais oblíquos átonos, como são apresentados normalmente pela GT:

Quadro 1: Pronomes oblíquos átonos no PB, segundo a abordagem tradicional.

Pessoa do discurso Pronome de OD Pronome de OI Pronome reflexivo

1ª pessoa singular me me me

2ª pessoa singular te te te

3ª pessoa singular o, a lhe se

1ª pessoa plural nos nos nos

2ª pessoa plural vos vos vos

3ª pessoa plural os, as lhes se

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3.1 A posição do clítico segundo gramáticas do português

Evanildo Bechara, em sua Moderna Gramática Portuguesa (2003, p. 587), de longa tradição no ensino de norma padrão, trata do tema da colocação dos pronomes pessoais átonos, como uma questão de fonética sintática. Segundo o gramático, “durante muito tempo viu-se o problema apenas pelo aspecto sintático, criando-se a falsa teoria da ‘atração’ vocabular...” Ele ainda afirma que muitas das regras impostas aplicavam-se ao falar lusitano e não ao nosso, e admite que a Gramática, por fundamentar-se na tradição literária, ainda não reconhece estruturas típicas do falar culto brasileiro. Finalmente, esclarece que, em sua gramática, considerará somente as normas concernentes à língua escrita e a falada pelas pessoas cultas. O gramático conta, como corpus exemplificativo, com obras literárias brasileiras e portuguesas contemporâneas e também clássicas.

Desse modo, Bechara (2003, p. 587) começa a descrever as possibilidades de posicionamento do pronome átono com relação ao verbo, em português. Segundo o autor, são três as posições possíveis: posposto ao vocábulo tônico (ênclise); anteposto ao vocábulo tônico (próclise) e interposto ao vocábulo tônico (mesóclise). Os exemplos dados são os seguintes (BECHARA, 2003, p. 587 - 588):

Deu-me a notícia. Não me deu a notícia.

Dar-me-ás a notícia.

Em seguida, o gramático (2003, p. 588) aponta cinco critérios para a colocação do clítico, começando pelos casos em que o pronome se relaciona a um só verbo. O primeiro critério arrolado é: “Não se inicia período por pronome átono” (BECHARA, 2003, p. 588). São apresentadas algumas observações a respeito dessa regra inicial. Primeiramente, Bechara (2003, p. 588) comenta que “este princípio é, em nosso falar espontâneo, desrespeitado” e menciona o fato de alguns modernistas usarem a próclise inicial, inclusive, segundo o gramático, de maneira exagerada, já que iniciam períodos com os clíticos acusativos de terceira pessoa, que segundo Bechara (BECHARA, 2003, p. 588) são usados sempre pospostos ao verbo em início de período. A observação seguinte diz respeito à adoção do critério de oração e não de período, isto é, segundo

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este critério não se devem iniciar nem períodos, nem orações com pronome átono. Assim, os que adotam tal critério condenam o uso de pronome no início de oração dentro do período. A terceira e última observação ressalta o uso comum do pronome em início de período, em expressões populares cristalizadas. O exemplo dado é a frase popular “Te esconjuro!”.

O segundo critério apontado é: “Não se pospõe, em geral, pronome átono a verbo flexionado em oração subordinada: Confesso que tudo aquilo me pareceu obscuro” (BECHARA, 2003, p. 588). A essa regra também é acrescentada uma observação. Bechara (2003, p. 588) observa que é comum ocorrer a ênclise do pronome átono: 1) na segunda oração subordinada, quando esta está coordenada à outra; 2) quando na subordinada se intercalam palavras ou oração, exigindo uma pausa antes do verbo.

Dando continuidade, Bechara (2003, p. 589) apresenta um terceiro critério: “Não se pospõe pronome átono a verbo modificado diretamente por advérbio (...) ou precedido de palavra de sentido negativo”. Em seguida, esclarece que, no caso de haver uma pausa depois do advérbio, a posição do clítico é opcional. O quarto princípio aplica-se à posição do clítico junto a verbos conjugados no futuro do presente ou do pretérito, com os quais não se usa ênclise, segundo o gramático (BECHARA, 2003, p. 589), e as outras posições podem ocorrer quando as outras regras não são infringidas. O último critério diz respeito a orações iniciadas por palavras interrogativas ou exclamativas, casos em que se deve empregar a próclise.

Já com relação aos casos em que o pronome se relaciona a mais de um verbo, isto é, a uma locução verbal, duas situações são levadas em conta: aquelas em que o auxiliar se une a um infinitivo ou a um gerúndio e aquelas em que o auxiliar se une a particípio. No primeiro contexto, segundo Bechara (2003, p. 589 - 590), o pronome átono pode aparecer, desde que não sejam refutados os princípios antes mencionados, proclítico ou enclítico ao auxiliar ou enclítico ao principal. Os exemplos dados para cada situação, respectivamente, são (BECHARA, 2003, p. 590):

Eu lhe quero falar. Eu lhe estou falando Eu quero-lhe falar. Eu estou-lhe falando. Eu quero falar-lhe.

Referências

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