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1 INTRODUÇÃO

2.2 A GÊNESE DO DESIGN NO BRASIL

Oficialmente costuma-se datar a chegada do Design no Brasil a partir da década de 60 com a fundação da Esdi – Escola Superior de Desenho Industrial, segundo dados do site da instituição1 sua criação foi regulamentada pelo Decreto 1.443,

de 25 de dezembro de 1962, publicado no D.O. do Estado da Guanabara de 4 de janeiro de 1963, do então governador Carlos Lacerda.

Iniciou suas atividades de ensino em 1963, como institui- ção isolada, pertencente à estrutura da Secretaria de Educação e Cultura da Guanabara. Dada a fusão dos estados do Rio de Janeiro e Guanabara, foi integrada pelo decreto n° 67, de 11 de abril de 1975, à nascente Universidade Estadual do Rio de Janeiro, antiga UEG.

O curso de Desenho Industrial, da Esdi foi concebido, a partir do modelo da escola alemã de Ulm2 fundada nos anos

1950 e que buscou rever os ideais de sua antecessora a Bauhaus3

sob a perspectiva da sociedade decididamente industrial do pós-guerra. No momento por que passava o Brasil naque- la época, de desenvolvimentismo e otimismo, a ideia de uma Escola de Desenho Industrial local mostrou-se significativa para o governo, que pretendia alavancar o processo industrial brasileiro. O designer brasileiro Alexandre Wollner estudou em Ulm e trouxe ideais ulmianas que influenciaram a meto- dologia do ensino de design no Brasil.

É evidente que a criação de um curso em escala universitá- ria trouxe outra notoriedade e atenção para este ofício que até então parecia desconhecido para a maior parte da sociedade brasileira, Rafael Cardoso em O design brasileiro antes do design, não nega a importância deste momento que denomina como uma espécie de mito fundador:

Perdura na consciência nacional o mito de que o design brasileiro teve sua gênese por volta de 1960. Como todo mito trata-se de uma falsidade histórica patente. Como todo bom mito de origem, trata-se

2 A Escola de Design de Ulm foi fundada em 1953, teve como sede a cidade de Ulm na Alemanha. Idealizada por Max Bill, Inge Aicher-Scholl, Otl Aicher, Thomas Maldonado e outros almejava resgatar os princípios de racionalismo e funcionalismo da Bauhaus. Até seu fechamento em 1968 foram desenvolvidos projetos em que não havia uma preocupação com o estímulo ao consumismo muito em voga nos Estados Unidos, em Ulm ocorreu uma certa padronização dos produtos que deveriam atender mais as suas funções do que apresentar superficialidades como ornamentos e excesso de detalhes. (CARDOSO, 2008)

3 A Bauhaus foi uma das principais escolas de design do mundo, fundada em 1919 na Alemanha, contribuiu de forma significativa para a definição do papel profissional do designer. Sua existência pode ser dividida em três grandes fases de acordo com a localidade que abrigou sua sede: Weimar (1919-1925); Dessau (1926- 1932) e Berlim (1932-1933). Teve como idealizadores e mestres nomes como: Walter Gropius, Johannes Itten, Lazlo Moholy, Vander Rohe etc. Implementada com a missão de promover a união entre a arte e a técnica, apresentou nos seus primeiros anos de funcionamento uma orientação mais individualista, valorizando a expressão pessoal do artista na concepção do produto. Com o passar do tempo e o controle do Nazismo no país que também exerceu influencia sobre a escola, pois a financiava, o estímulo ao individualismo de cada aluno foi dando lugar para a produção de modelos racionalistas e funcionais, para atender as exigências da linha de produção industrial do país. (MEGGS, 2009)

também de uma verdade profunda, para além dos limites de nossas vãs metodologias. O que ocorreu, sem dúvida algumas foi uma rup- tura. Para uns, um novo ponto de partida; para outros, um desvio de rumo [...] Os anos de experimentação entre a abertura do Instituto de Arte Contemporânea do Masp, em 1951, e a inauguração da Escola Su- perior de Desenho Industrial [Esdi], em 1963, marcam uma mudança fundamental de paradigma. Surgiu nessa época não o design pro- priamente dito – ou seja, as atividades projetuais relacionadas à pro- dução e ao consumo em escala industrial -, mas antes a consciência do design como conceito, profissão e ideologia. (CARDOSO, 2005, p. 7)

Rafael Cardoso usa o termo “ruptura” para demarcar este momento, defendendo a ideia da existência anterior de algo que podemos associar ao design e que passou por este processo de des- continuidade. Ainda sobre esta ideia de ruptura complementa:

Houve sim uma ruptura por volta de 1960 e que esta inaugurou um novo paradigma de ensino e de exercício da profissão, o qual corresponde hoje àquilo que entendemos por design neste país. Trata-se de um design de matriz nitidamente modernista, filia- do diretamente ao longo processo de industrialização [...] a im- plantação no Brasil de uma ideologia do design moderno, entre o final da década de 1950 e o início da de 1960 – em grande parte patrocinada pelo poder público -, coincide com e integra o esfor- ço para inserir o país no novo sistema econômico mundial [...] O Brasil moderno de Getúlio e da Petrobras, de JK e Brasília, de Assis Chateaubriand e do Masp, de Carlos Lacerda e da Esdi pretendia- -se um novo país - aquele “do futuro” -, concluindo a ruptura com o passado arcaico e escravocrata iniciada pelo pensamento repu- blicano positivista. (CARDOSO, 2005, p. 10)

Nesta busca por um país “do futuro”, um leve toque e es- tímulo ao esquecimento do passado foram impulsionado pelo próprio poder público, que almejava uma nova visão da na- ção brasileira, assim aos poucos passou a se desconsiderar as atividades projetuais anteriores a década de 60 como as raízes do design no Brasil. Rafael Cardoso com sua coletânea O de-

retomando este debate polêmico e defendendo a existência do início do design em terras brasileiras entre 1870 e 1950. Sobre a utilização da denominação “desenho industrial” que definia inicialmente o curso da Esdi, destaca:

O termo “desenho industrial” esta em uso corrente no Brasil pelo menos desde a década de 1850, quando a disciplina correspondente a esse nome passou a ser ministrada no curso noturno da Academia Imperial de Belas Artes. É evidente que naquela época não se enten- dia por “desenho industrial” aquilo que atualmente se designa assim, mas a antiguidade dessa batalha de palavras serve como aviso para quem chega com muitas certezas a discussão. (CARDOSO, 2005, p. 7)

Portanto, embora não tivesse ganho ainda o significado e o status que o termo teria após 1960, ele já existia e não foi uma novidade exclusiva do período de fundação da Esdi. Voltando o olhar para o passado Cardoso (2004, p. 8) afirma que por volta da década de 1870 eram exercidas no Brasil “atividades projetuais com alto grau de complexidade conceitual, sofisticação tecno- lógica e enorme valor econômico, aplicadas a fabricação, à dis- tribuição e ao consumo de produtos industriais”. Seria a gênese do que tradicionalmente chamamos de design de produtos, que também deu espaço para a produção de material gráfico, que se- gundo o autor teve uma evolução mais rápida e impactante ori- ginando uma indústria de materiais impressos impulsionada pe- las técnicas de produção: a tipografia, mais antiga e a litografia que passou a ser uma inovação no Brasil a partir do século XIX.

Os ensaios organizados por Cardoso (2005) comprovam esta afirmativa, neles diversos autores apresentam artefatos gráficos produzidos desde a década de 70 do século XIX até os primeiros anos do século XX são: marcas registradas e rótulos comerciais; revistas ilustradas com gravuras litografadas e fo- tografias; projetos gráficos de livros, cartas de baralho e capas de disco. Estas peças gráficas podem ser classificadas como ar- tefatos que constituem parte da nossa memória gráfica. “Se o Brasil é notoriamente um país “sem memória”, isso se deve ao fato de que remexer nos relatos sobre o passado costuma inco- modar as estruturas de poder vigentes” (CARDOSO, 2005, p.

11). Assim promover esta revisita é muito mais do que debater sobre as origens do design no Brasil é preservar e salvaguardar a sua história. Outros autores como (BARRETO CAMPELLO & ARAGÃO, 2011; MELO & RAMOS, 2011; MAGNO, 2012; CAVALCANTE & BARRETO CAMPELLO, 2014) e as disser- tações de Agra Junior (2011) e Cavalcante (2012), também de- monstram em seus estudos a existência de atividade projetual brasileira neste período. E o presente estudo sobre a vida e obra de Antonio Vera Cruz um ilustrador do final do século XIX, período que Cardoso (2005) associa a esta gênese também se configura como um exemplo desta constatação.

“Não se esta a dizer de modo algum que o passado remoto seja mais legítimo que o passado recente. Antes, está-se a dizer que o passado recente deu continuidade ao passado remoto, mesmo existindo momentos de ruptura” (CARDOSO, 20014, p. 11). Assim talvez definir a data exata do surgimento do design no Brasil, não seja o cerne mais relevante deste debate, o impor- tante é não se negligenciar a existência de um passado remoto (1870-1950) no qual foram realizados projetos gráficos com alto grau de amadurecimento e sofisticação, que em nada devem aos realizados no passado recente (após a década de 1960). Cabe aos próprios designers compreenderem que existe uma relação entre ambos (passado remoto e recente), que eles estão conec- tados e não separados como a história oficial do poder vigente tenta fazer parecer, pois “o conhecimento do passado projetual anterior a 1960 é o primeiro passo para uma melhor compreen- são daquilo que pode ser entendido como uma identidade bra- sileira no campo do design” (CARDOSO, 2005, p. 12).

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