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Para iniciar o embasamento teórico da presente pesquisa, iremos explicitar nesta seção as bases teóricas do presente artigo, buscando fortalecer a tese de que os games são uma ótima alternativa para o processo de ensino e aprendizagem.

Primeiramente, deixando os games um pouco de lado e focando na questão educacional, o filósofo John Dewey (1899) critica o método de ensino tradicional, pois ele não relaciona as disciplinas do programa de estudos com os interesses das crianças. Apesar disso, ele também critica os partidários da educação centrada na criança, porque eles não relacionam os interesses e atividades infantis com os componentes da grade curricular.

Podemos perceber que Dewey (1899) procura um equilíbrio na educação, pois defende os interesses da criança, mas também defende os componentes curriculares.

Reforçando a necessidade de se valorizar os interesses das crianças, os escritores Anísio Teixeira e Robert Westbrook explicam em um artigo sobre John Dewey que:

“Dewey afirmava que as crianças não chegavam à escola como lousa limpa na qual os professores poderiam escrever as lições sobre a civilização.

Quando a criança chega à classe, “já é intensamente ativa e a incumbência da educação consiste em assumir a atividade e orientá-la” (DEWEY, 1899, pg.25)” (apud, TEIXEIRA E WESTBROOK, 2010, pg.15)

Resumindo, o objetivo da escola e dos educadores é extremamente difícil, tendo que “reincorporar os temas de estudo na experiência” (DEWEY, 1899, p. 285), utilizando de diferentes estratégias, que se liguem aos interesses desses estudantes, para atraí-los e mantê-los focados.

Outra crítica de Dewey (1899) sobre o sistema educacional está ligada a forma como as escolas avaliam seus estudantes:

Segundo Dewey, as pessoas conseguem realizar-se, utilizando seus talentos peculiares, a fim de contribuir para o bem-estar de sua comunidade; razão pela qual a função principal da educação em toda a sociedade é a de ajudar as crianças a desenvolver um “caráter” – conjunto de hábitos e virtudes que lhes permitam realizar-se plenamente desta forma. Considerava que, em seu conjunto, as escolas americanas não cumpriam adequadamente a tarefa. A maioria das escolas empregava métodos muito “individualistas” que requeriam que todos os alunos da classe lessem os mesmos livros, simultaneamente, e recitassem as mesmas lições (TEIXEIRA E WESTBROOK, 2010, pg. 19 e 20)

É evidente a insatisfação do filósofo com o método de avaliação, pois não só as escolas americanas, como ele cita, mas quase todas as escolas avaliam seus estudantes por meio de provas, nas quais o educando deve estudar um conteúdo específico e transcrever seus conhecimentos por meio de uma série de questões. O grande problema é que muitos alunos possuem mais dificuldades para realizarem uma prova, ficando confusos e tensos, por exemplo, com a pressão criada sobre eles por conta da necessidade de sucesso na avaliação.

Por conta disso, assim como afirmou Dewey (1899), o método de avaliação da grande maioria das instituições educacionais é “individualista”, ou seja, não valoriza a ideia de que cada pessoa tem seus pontos fortes e fracos, seus próprios talentos e dificuldades, e que, portanto, é muito complicado avaliá-las da mesma maneira. Esse método é incapaz de comprovar realmente se o estudante X é ou não é inteligente, criativo, promissor etc.

Um exemplo de que esse não é e não deve ser o único método de avaliação de uma escola é a escola pública Quest to Learn, criada em 2009 em Nova York. Ela é uma escola experimental para estudantes entre o 6º ano do ensino fundamental e a 3ª série do ensino médio. O diferencial dela é que ela é a primeira escola do mundo que tem seu currículo baseado em jogos, sendo eles virtuais ou não. Essa estratégia pode não ser a melhor alternativa e com certeza não é a única, mas ela prova que uma escola pode avaliar os estudantes e gerar interesse de uma forma diferente e criativa.

Dando sequência a essa ideia, a Fundação MacArthur, que financiou o projeto da escola Quest to Learn, publicou em 2010 um vídeo sobre essa escola, explicando como ela funciona e porque ela foi criada. Nele, a designer de jogos e educadora Karine Salen (2010), que participou do projeto destaca que se você não criar para a criança a necessidade de se aprender, fica muito difícil de ensinar a elas alguma coisa.

2Ela ainda completa:

“Uma coisa que as escolas não criam é um contexto em que a criança realmente precisa descobrir como fazer algo. Crianças são incrivelmente sociáveis e há a necessidade de se criar contatos, nos quais elas podem compartilhar conhecimentos, trabalhos, ideias e experiências em qualquer ambiente de aprendizagem. Além disso, a gente precisa construir não só a

2 Todas as citações ligadas a Karine Salen são traduções da autora.

necessidade de se compartilhar, mas também oportunidades para tal ação.”

(SALEN, 2010)

Podemos ver que, além da escola ter a função de relacionar os conteúdos curriculares com os interesses do educando, como impõe Dewey (1899), o ambiente estudantil deve tanto estimular a criança a querer aprender quanto convencer ela de que ela precisa aprender essa coisa.

Voltando a focar nos games, assim como já citado, os jogos devem ser um aliado dos educadores, pois como afirma a especialista em formação de educadores Maria do Carmo Kobayashi (2010): “Se a escola não traz para dentro de seu interior, aquilo que é vivido na tecnologia, aquilo que é vivido no mundo atual, o aluno não vai ter interesse na escola”. Assim, os games são uma forma não só de facilitar o processo de aprendizagem, como também servem para instigar os estudantes, que tendem a se interessar muito mais no conteúdo discutido quando um jogo é utilizado como estratégia de ensino, por ser algo atual, diferente do método usual, que usa da tecnologia e da diversão para explicar algo.

Outro ponto a ser destacado é que, segundo Gee (2009; 2010), os jogos podem promover o desenvolvimento cognitivo e gerar melhores resultados nas atividades escolares, uma vez que são baseados em uma tecnologia divertida, atraente e interativa. Esse autor compreende que, ao contrário da maioria dos processos de ensino tradicionais, o ato de jogar não pune os(as) jogadores(as) pelos erros cometidos, mas ensina, pois, a partir dos erros e possível aprender e, assim, atingir o objetivo proposto.

Dessa forma, o erro se torna uma etapa até mesmo essencial no processo de aprendizagem a partir de games, pois ao errar, o aluno tem a capacidade de jogar novamente o jogo, buscando entender as imprecisões que cometeu e consertá-las, descobrindo o porquê de uma escolha trazer melhores resultados do que outra.

A educadora Kobayashi confirma essa ideia proposta por Gee:

A vida, ela não te dá condições de observar, muitas vezes, o erro no decorrer do erro. Nos jogos de simulação, e até mesmo nos jogos tradicionais, você tem esta oportunidade, isto se forem usados no aspecto pedagógico educativo. O educador tem condição de olhar e perceber onde seu aluno erra e tem a oportunidade de reelaborar e mostrar a ele onde ele errou (KOBAYASHI, 2010)

Sabendo-se disso, podemos entender ainda melhor o funcionamento da escola Quest to Learn. Existe uma grande diferença entre como a maioria das pessoas acreditam que essa escola funciona e como ela realmente funciona, pois muitos não entendem a complexidade do sistema que foi projetado. Um sistema que não busca apenas entreter o educando, mas ensiná-lo da mesma forma que uma escola comum faz, com o objetivo de provar que o método usual não é o único que funciona e que ele não só pode como deve ser aperfeiçoado. Salen detalha essa diferença da seguinte forma:

Quando falamos que temos uma escola baseada em games, a primeira imagem que as pessoas têm em suas cabeças é de que nós estamos colocando consoles de jogos em salas e aula e as crianças estão se sentando e jogando Xbox o dia todo. Não é a ideia de colocar um jogo na sala de aula, mas sim de olhar o projeto de um ambiente de aprendizado que se assemelha e age como um game. (SALEN, 2010).

Além da relação entre games e a educação, precisamos levar em conta os avanços tecnológicos que vêm ocorrendo na sociedade, pois eles são um dos principais motivos para a necessidade de se utilizar jogos digitais no processo educacional. Em um artigo sobre os “Os games no contexto de currículo e aprendizagens colaborativas on-line", os autores António Carlos Ribeiro da Silva e Filomena Ma. Gonçalves da Silva Moita argumentam que: “A interação entre o jovem e o artefato eletrônico ocorre de modo direto no espaço e no tempo, proporcionando interatividade e motivação, condições indispensáveis para apreender a atenção para suas imagens-som.” (SILVA E MOITA, 2006, pg.2).

Desse modo, o aperfeiçoamento dos jogos de acordo com os avanços tecnológicos está diretamente ligado ao processo estudantil. Essa evolução facilita cada vez mais o processo de se ensinar algo, pois quanto mais complexos são os jogos, mais conteúdos eles são capazes de abranger, de tal modo que os professores têm mais opções e técnicas para utilizar.

É também importante lembrar que a escola tem como objetivo formar pessoas, para que elas possam participar de forma ativa na sociedade, contribuindo para o desenvolvimento da mesma. Sabendo disso, seria um erro não utilizar das plataformas digitais, que são cada vez mais vitais em nossa sociedade, no auxílio do processo de ensino-aprendizagem. O ambiente escolar precisa fazer o educando te

ruma aprendizagem ativa, na qual ele experimenta o mundo de uma maneira diferente da usual, solucionando seus problemas e dificuldades de formas criativas, que saiam do comum. Segundo Gee (2004, pg.23):

Quando nós aprendemos a vivenciar o mundo de modo mais ativo, três princípios estão em jogo: nós aprendemos a experimentar (vendo, sentindo, mexendo em algo) o mundo de um novo modo; normalmente esse conhecimento é compartilhado por grupos de pessoas que carregam histórias de vida e práticas sociais distintas, o que nos leva a ganhar conhecimento ao nos filiarmos a esse grupo social e finalmente nós ganhamos recursos que nos preparam para futuras aprendizagens e resolução de problemas.

Concluindo, uma aprendizagem criativa engloba a experimentação do mundo de novas formas, o ganho de conhecimento após a filiação a diversos grupos sociais e a preparação para futuras aprendizagens.

Em suma, educação, tecnologia e games andam lado a lado e como pudemos perceber com o auxílio de diversos autores, essa relação tende a crescer ainda mais com o passar dos anos. Por isso, não só os educadores, mas as próprias escolas precisam se mobilizar para integrar tecnologias, como games, no processo de ensino-aprendizagem. A educação sempre deve ser aperfeiçoada, então não podemos negar as mudanças que ocorrem na sociedade, devemos aplicá-las no ambiente escolar, para que assim, os estudantes possam participar ativamente da sociedade. Logo, continuar com o método de ensino usual hoje em dia é quase igual a utilizar uma máquina de escrever tendo um computador a sua disposição.

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