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2.3 REQUISITOS LEGAIS DA PRISÃO PREVENTIVA

2.3.4 Garantia da aplicação da lei penal

Na garantia de aplicação da lei penal, procura-se a garantia da eficácia do provimento definitivo, custodiando-se provisoriamente o acusado a fim de que permaneça à disposição para que, advindo o provimento final condenatório, possa ser executado. Garante-se, dessa forma, a efetividade do provimento principal, servindo a prisão preventiva à garantia da realização da tutela principal, possibilitando-se, assim, que se opere a tutela de execução.240

Em outras palavras, assegurar a aplicação da lei penal significa garantir a finalidade útil do Processo Penal, que é proporcionar ao Estado o exercício do seu direito de punir.

Constata-se no caso de iminente fuga do agente do distrito da culpa, inviabilizando a futura execução da pena, que há um sério risco à eficácia da futura decisão se ele permanecer solto até o final do processo, diante de sua provável evasão, ou, como afirma Rangel, quando o imputado livra-se de seu patrimônio com o intuito de evitar o “ressarcimento dos prejuízos pela prática do crime”.241

Dessa maneira, serve a prisão preventiva, com tais finalidades, à supressão ou, ao menos, à minimização de risco, à utilidade do processo e à efetividade do provimento final, se

239

BANACLOCHE PALAO, 1996, op. cit., p. 382-383.

240

FAGGIONI, 2003, op. cit., p. 139.

241

for evidenciada a sua natureza cautelar e conforme os princípios constitucionais referentes à medida.

Contudo, tanto na hipótese de prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal como para o asseguramento da aplicação da lei penal, verifica-se clara finalidade de garantia da efetividade do processo, eis que visa, a primeira, assegurar que o processo se desenvolva de modo plenamente útil, capacitando o seu exercício eficiente como instrumento de conhecimento e de verificação da hipótese acusatória, ao objetivar a segunda, garantia de eficácia do provimento final buscado, entendendo-se a execução como tal.

Seguindo esta linha de raciocínio, Frederico Marques avalia que a privação da liberdade individual do imputado somente é justificada racional e politicamente quando for necessária para se garantir os fins do Processo Penal.242

Sob um outro prisma, Ferrajoli justifica como infundado o perigo de fuga do imputado, visto que esse perigo, com efeito, é principalmente provocado, mais que pelo medo da pena, pelo medo da prisão preventiva. Se não houvesse essa perspectiva, o imputado, ao menos até a véspera da condenação, teria ao contrário todo interesse em não se refugiar e em se defender. O autor ainda propõe que o encarceramento preventivo poderia ser substituído pela mera “detenção”, ou seja, o isolamento do acusado para que seja colocado sob custódia do tribunal pelo tempo estritamente necessário, para que seja interrogado, realizando-se as primeiras comprovações acerca do fato. Para Ferrajoli, esse isolamento não duraria mais do que horas ou no máximo dias, não meses e tampouco teria o impacto estigmatizante da prisão preventiva.243

As decisões que denegam a liberdade do acusado necessitam estabelecer ou caracterizar a realidade do risco de fuga, pois esse risco diminui necessariamente na mesma proporção que a prisão preventiva se prolonga no tempo. As decisões judiciais devem explicar os motivos pelos quais julgam determinante o perigo de fuga e a existência de meios para evitá-lo, através, por exemplo, do pagamento de caução ou de uma medida alternativa de controle judicial, em função de um conjunto de circunstâncias adequadas e de natureza provável para confirmar ou não a manutenção da prisão provisória.244

242

MARQUES, 1965, op. cit., p. 641.

243

FERRAJOLI, 2006, op. cit., p. 512.

244

Pode-se dizer que a vulgarização das medidas cautelares pessoais promove e incentiva a fuga de imputados que, em situações normais, aguardariam o processo em liberdade e ficariam à disposição da Justiça.245

Na lição de Ferrajoli, o perigo de fuga do imputado não é realmente um grande perigo:

Primeiramente é bem difícil, em uma sociedade informatizada e internacionalmente integrada como a atual, uma fuga definitiva; e talvez bastasse para desencorajá-la uma vigilância mais intensa ao imputado, sobretudo nos dias precedentes à sentença. Em segundo lugar, a opção de fuga pelo imputado, forçando-o à clandestinidade e a um estado de permanente insegurança, é já por si só normalmente uma pena gravíssima, não muito diversa da antiga acqua et igni interdictio prevista pelos romanos como pena capital. Em terceiro lugar, supondo que da fuga não restassem rastros do imputado, ela teria alcançado, na maior parte dos casos, o efeito de neutralizá-lo para a tranqüilidade das finalidades de prevenção do Direito Penal.246

Em análise ao modelo processual espanhol, Odone Sanguiné apresenta as circunstâncias concorrentes para se justificar a existência de um perigo de fuga: o comportamento anterior do acusado, a falta de integração na sociedade ou a falta de raízes sólidas no país de residência e de suas relações, ou contatos com o estrangeiro, a transferência de dinheiro ao estrangeiro, a singular oposição do acusado à detenção, garantias suficientes de representação (sua qualidade de comerciante, não possuir antecedentes criminais e o fato de ser conhecido como pessoa honrada), o caráter de interessado, a sua moralidade, o seu domicílio, a sua profissão, seus recursos, laços familiares e de qualquer natureza com o país em que está sendo processado. Essas circunstâncias devem ser sempre valoradas conforme o caso concreto.247

Desta forma, a doutrina espanhola indica os seguintes pressupostos justificativos do perigo de fuga:

a) a gravidade do delito, que constitui uma autêntica presunção legal de não- comparecimento e aparece como elemento valorativo quase único, automático e suficiente para decretar a medida;

b) as características do delito, por sua natureza, e a margem de sua gravidade podem servir para presumir certo perigo de fuga;

245

WEDY, 2004, op. cit., p. 150.

246

FERRAJOLI, 2006, op. cit., p. 515.

247

c) as circunstâncias do fato: atenuantes ou agravantes, outras formas distintas de cometimento do delito;

d) as circunstâncias do acusado: são as relativas aos antecedentes do mesmo;

e) o não-comparecimento ao chamamento judicial: quando o acusado não comparece à chamada judicial sem motivo legítimo que o impeça;

f) a incidência do transcurso do tempo: o Tribunal Constitucional Espanhol tem declarado que o risco de fuga vai reduzindo-se com o passar do tempo, ao diminuir as conseqüências punitivas que pode sofrer o preso preventivo.248

Na Itália, conforme Andrea Dalia e Marzia Ferraioli, o perigo de fuga deve ser concreto, objetivo e efetivo, estando em conformidade com a realidade fática, não bastando a mera suposição. Nessa hipótese, todavia, é necessário, pelo menos, que o acusado mantenha contato com pessoa residente no exterior, que possua uma rotina de viagens e disponibilidade econômica para tanto, de modo que possa concretamente levantar a hipótese de fuga.249

Em certas ocasiões poderiam ser adotadas medidas cautelares alternativas, principalmente quando se tratar de crimes contra a ordem econômica ou tributária ou no caso dos delitos por improbidade administrativa ou financeira, nos quais medidas cautelares reais, como o seqüestro e o arresto de bens, acarretariam um resultado mais benéfico e menos restritivo de garantias. A utilização da prisão domiciliar também poderia ser uma alternativa, visto que, enquanto mantém o sujeito sob a vigilância do Estado, impede o estigma de ter estado no cárcere.250

Por fim, argumenta Aury Lopes Jr.251 que manter o imputado em liberdade, integrado, trabalhando e desenvolvendo as suas atividades dentro de um certo nível de normalidade, é infinitamente mais útil para todos do que mantê-lo no cárcere. Em último caso, para situações realmente excepcionais, aí sim se lançaria mão da privação de liberdade.

248

SANGUINÉ, 2003, op. cit., p. 131-132.

249

DALIA; FERRAIOLI, 2001, op. cit., p. 299.

250

WEDY, 2004, op. cit., p.151.

251

3 DIREITO AO PRAZO RAZOÁVEL NA DURAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA

“El simple comienzo y tanto más el desarrollo

del proceso penal causan sufrimiento; sufrimiento del inocente que es, lamentablemente, el costo

insuprimible del proceso penal”.

Francesco Carnelutti