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Conforme já foi analisado na primeira parte deste texto, o homem, como ser finito, apresenta a sua atividade relacionada diretamente ao tempo. A medição disso rege todos os aspectos da vida cotidiana e, como não poderia ser diferente, regula o próprio processo. Considerado como uma marcha gradual, como um avanço em direção a uma prestação jurisdicional procurada, assim, pois, os prazos devem ser estabelecidos em horas, dias, meses e anos.252 Mais do que nunca, os atos processuais giram em torno do tempo.

Reconhece-se, como regra geral, que prazo é o espaço de tempo dentro do qual deve ser realizado um ato processual. Com efeito, “prazo”, no Direito Processual Penal, é toda condição do tempo posta ao exercício de uma determinada atividade processual. Com relação ao prazo razoável, isto quer dizer que todo o processo propriamente dito, como conjunto máximo da atividade processual, deve ser realizado dentro do tempo fixado como razoável. Dito de outra maneira, o prazo razoável é aquele período unicamente dentro do qual pode ser levado a cabo um Processo Penal adequado ao Estado de Direito.253

Assegurar que o processo seja realizado dentro de um prazo prévio significa preservar a segurança jurídica, que, para Fauzi Hassan Choukr, deve ser conferida pela racionalidade e a pela sistematização (critérios), algo que não pode ser apresentado no mundo dos fatos, mas que se enquadra bem no mundo dos sentidos. Para diminuir a incerteza que vive pulsante no ser humano, fruto que é de sua própria condição, o Direito gravita em torno do objetivo de conferir expectativas de comportamento. Afirma o referido autor que a construção da racionalidade deve conferir coerência ao sistema, ao articular os antagonismos do meio social e extrair uma regra que seja fruto do menor dissenso possível e, portanto, aceitável por uma maioria estável: “Quando o sistema alcança tal situação de consenso, pode-se dizer que foi

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GIORGIS, José Carlos Teixeira. Prazos no Processo Penal. Rio de Janeiro: Aide, 1991, p. 13.

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atingido um patamar de legitimidade, consubstanciando assim uma regra de maioria que é pelo menos um dos pontos nos quais está assente o Estado Democrático (embora não seja o único)”.254

Deste modo, o prazo razoável, uma vez inserido no ordenamento jurídico, apresenta-se como uma conquista irreversível do pensamento democrático, sendo que apenas critérios determinados pela dogmática jurídico-penal tornam possível, ao assinalar limites e definir conceitos, uma aplicação segura, calculável do Direito e do Processo Penal, subtraindo-lhe a irracionalidade, a arbitrariedade e a improvisação.255

Na lição de José Carlos Teixeira Giorgis, os atos processuais devem realizar-se dentro de determinados limites de tempo, atendendo, por sua vez, a dois interesses distintos: o interesse público que exige ordem em juízo para pronta decisão e, de outro lado, o interesse particular, dando-se às partes lapso suficiente para assegurarem os seus direitos. Para esse autor, o espaço que decorre entre dois momentos, essas frações de tempo em que os atos devem realizar-se, é que constituem os prazos.256

Daniel Pastor declara que prazo razoável é a expressão mais significativa que utiliza a dogmática dos direitos fundamentais para regular a prerrogativa do imputado a que o seu processo se encerre o mais breve possível. É bem verdade que existem formulações específicas que nos dizem sobre uma garantia judicial segundo a qual toda pessoa perseguida penalmente deve ser julgada rapidamente, dentro de um prazo razoável, sem dilações indevidas ou injustificadas; entretanto, o desejo de que os processos tenham uma duração o mais curta possível é uma admissão do princípio da celeridade processual.257

Sabe-se que as queixas pela lentidão da Justiça não são novas e, são, por alguns autores, tachadas inclusive como os mais velhos males da Administração da Justiça. Costuma- se dizer que a gravidade da situação permite qualificá-la como endêmica: quase não há Processo Penal que seja concluído em tempo racionalmente tolerável. Na Roma antiga já

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CHOUKR, Fauzi Hassan. Processo Penal de emergência. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 14-15, 22. “Razão [...] é uma forma de domesticar o exercício do poder, entendido este poder no plano da organização do Estado. Tem este conceito, portanto, um caráter instrumental, cuja essência é dada pelo conteúdo ético da sociedade. Há, pois, valores que pairam acima da idéia de razão, dando vetores de comportamento para a racionalidade e, por conseqüência, para a organização do Poder do Estado. Não se descure da origem latina da palavra, onde também significa relação, algo que une emissor e receptor no discurso comunicacional. Neste senso razão aparece impregnada de uma inegável carga valorativa”. Ibid., p.15-16.

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Ibid., p. 24.

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GIORGIS, 1991, op. cit., p. 14.

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haviam considerações a respeito disso, como a Constituição de Justiniano, a fim de que “os litígios não sejam intermináveis nem excedam a duração da vida dos homens”.258

Uma das principais manifestações da crise da Justiça contemporânea é a incapacidade do aparato judicial de enfrentar o problema do acúmulo de processos, tendo como conseqüência lógica a lentidão cada vez maior na resolução dos casos e a defasagem da imagem do sistema, considerado ineficiente.259

Seguindo esta linha de raciocínio, José Rogério Cruz e Tucci comenta que o fator temporal perpassa todo o processo judicial e é a principal razão da crise do Judiciário, na sua incapacidade de dar respostas efetivas e em prazo razoável às questões que lhe são submetidas.260 Neste sentido, a lentidão dos órgãos judiciários é considerada um sinal de fracasso da função jurisdicional do Estado.