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CAPÍTULO III - DIREITO PENAL DO INIMIGO

1.3 Garantismo penal versus Direito Penal do Inimigo

A doutrina do garantismo penal foi iniciada pela escola clássica com um forte pensamento penal liberal e é utilizada até os dias atuais, onde, dessa forma, um dos grandes expoentes é o juris-filósofo italiano Luigi Ferrajoli, que apresenta um modelo de aplicação da lei penal adjetiva, objetivando a ampliação da liberdade do homem em razão do aumento da restrição do poder estatal. É uma solução para a histórica divergência entre liberdade do homem e poder estatal. Meio termo entre diminuir o poder punitivo do Estado e aumentar a liberdade do cidadão, como resposta ao exagerado poder punitivo conferido ao Estado, ou seja, equilibrio entre o abolicionismo penal (defesa da liberdade selvagem do homem por meio da restrição do poder estatal) e o Estado Liberal (que age com excesso no direito de punir).

Nesse sentido, Zaffaroni diz:

O Direito Penal de garantias é inerente ao Estado de direito porque as garantias processuais penais e as garantias penais não são mais do que o resultado da experiência de contenção acumulada secularmente e constituem a essência da capsula que encerra o Estado de policia, ou seja, são o próprio Estado de direito (2014, p. 173).

No pensamento de Ferrajoli, o garantismo penal, inicialmente, se apresenta “como doutrina filosófica-política utilitarista de justificação do ramo jurídico-penal a partir de um ponto axiológico externo, consistente na tutela dos direitos fundamentais de todos [..]”, ou seja, garantismo penal é o instrumento aceitável na luta para redução da violência na sociedade. Em consequência, também, aplica-se “como uma teoria jurídico-normativa das garantias penais e processuais, fundando um modelo de Direito Penal mínimo, voltado para a tutela dos direitos fundamentais” (FERREIRA, 2014, p. 157).

A teoria normativa do garantismo penal consiste, em sua essência, em um esquema facilitador de identificação do desvio penal na busca de garantir o máximo grau de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra abusos desse poder. Basicamente, esse esquema, é formado por dois elementos: um relacionado ao tipo penal positivado e o outro relativo ao processo penal, buscando a comprovação do delito praticado, os quais “correspondem a singulares conjuntos de garantias penais – as garantias

processuais e as garantias processuais – do sistema punitivo que fundamentam”, dessa forma, preservam-se ao máximo a liberdade individual e os direitos fundamentais, principalmente contra abusos na persecução penal (FERREIRA, 2014, p. 158).

Diametralmente oposto, não é o ocorre com o Direito Penal do Inimigo que segundo Jakobs (JAKOBS; MELIÁ, 2005), se caracteriza por três elementos: amplo adiantamento da punibilidade; penas previstas são desproporcionalmente altas e; determinadas garantias processuais são relativizadas ou suprimidas, que serão estudadas mais a frente.

Muñoz Conde designa Direito Penal do Inimigo como Direito Penal bélico, principalmente após o 11 de setembro de 2011, considera que:

originou um “incremento da violência e de luta contra o terrorismo” de tal modo que “está a modificar a imagem de Direito Penal de Estado de Direito, como um Direito respeitoso das garantias e dos direitos fundamentais do cidadão, transformando-a em uma imagem de um Direito Penal bélico, [...] em que as garantias praticamente desaparecem para converter-se exclusivamente em um instrumento que procura toda a segurança cognitiva, por cima de qualquer outro valor ou direito fundamental” (apud VALENTE, 2010, p. 21).

2 DIREITO PENAL DO CIDADÃO X DIREITO PENAL DO INIMIGO

Ao definir o que seria um e o que seria outro Jakobs utilizou das teorias de Rosseau, Fichte, Hobbes e Kant. Para os filósofos Rosseau e Fichte , basicamente, todos aqueles que delinquirem não poderiam ser tratados como cidadãos, porém Jakobs, absteve dessa definição por dois motivos por ele elencados, sendo o primeiro a ressocialização do delinquente, e para isso se torna necessário manter o status de pessoa; e o outro seria o de reparação.

Já para Hobbes e Kant, somente poderão ser tratados como Inimigos aqueles que, por sua vontade, trair o contrato social (Hobbes) ou não se sujeitar a constituição cidadã (Kant). Jakobs se aproximou mais da definição de Kant em sua definição, pois para ele o Inimigo não estaria totalmente excluído

de todos os Direitos, caso que acontece na concepção de Hobbes em relação aos grandes traidores. Assim Jakobs utilizaria como base jus filosófica as teorias de Hobbes e Kant, tendo em vista que de Hobbes ele tem o conceito de que o Inimigo é aquele que trai a constituição do estado, e a de Kant extraiu que o Inimigo é aquele que fere a manutenção da ordem social.

Jakobs, assim como Hobbes e Kant, defende a existência de duas tendências opostas do Direito Penal, que embora estejam no mesmo plano jurídico, se contrapõem: Direito Penal do Cidadão e Direito Penal do Inimigo. Ao primeiro, com a tarefa de garantir a vigência da norma como expressão de uma determinada sociedade, enquanto que ao segundo cumpre a missão de eliminar perigos.

Desse modo, só é considerada pessoa (Direito Penal do Cidadão) aquele que oferece “uma garantia cognitiva suficiente e um comportamento pessoal, tendo como consequência a idéia de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real ” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 45).

Distintamente, tem-se como inimigo aquela pessoa que não oferece garantias cognitivas de que irá ser fiel a norma, com isso, por não aceitarem as regras do Estado de Direito, não podem gozar dos benefícios que ele oferece aos cidadãos legítimos. Sendo assim, não faz jus ao procedimento penal legal, e sim a um procedimento de guerra.

Tem-se como exemplo de inimigos: criminosos econômicos, terroristas, delinquentes organizados, autores de delitos sexuais, entre outros.

Para Jakobs “não se trata de contrapor duas esferas isoladas do Direito Penal, mas de descrever dois pólos de um só contexto jurídico-penal” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 21).

Em outras palavras, o Direito Penal do Inimigo visa à separação do cidadão de bem e do inimigo, onde àquele é disponibilizado o Direito Penal do cidadão, que é determinado através de um instrumento de controle social, por meios de penas restritivas de direitos, dando a ele o direito de reintegração. O segundo, já é tratado como inimigo, pois, não consegue se adequar à vida em sociedade, configurando-se como transgressor contumaz da norma, cabendo-lhe a coação como a única forma de combate ao seu comportamento inadequado, e ainda, devido a sua periculosidade.

Dessa forma, Moraes (2011, p. 167) define:

Criminosos econômicos, terroristas, delinquentes organizados, autores de delitos sexuais e de outras

infrações penais perigosas são os indivíduos

potencialmente tratados como „Inimigos‟, aqueles que se afastam de modo permanente do Direito e não oferecem garantias cognitivas de que vão continuar fies à norma.

Portanto, para Jakobs, todos aqueles que não se submeterem a um estado de cidadania não podem participar dos benefícios do conceito de pessoa, sendo a eles aplicados o mesmo Direito Penal e processual Penal, mas sim, com o próprio define, um Direito de guerra.

Por fim, Jakobs muito bem sintetiza essas duas tendências se utilizando da função da pena onde “no Direito Penal do cidadão é a contradição, e no Direito Penal do Inimigo é a eliminação de um perigo” (JAKOBS; MELIÁ, 2005, p. 49).

3 PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

O Direito Penal do Inimigo se caracteriza, principalmente pelo seu modelo de politica criminal, onde Jakobs o caracteriza da seguinte forma: a) ampla antecipação de punibilidade; b) falta de diminuição da pena proporcional ao referido adiantamento; c) mudança da legislação penal para uma legislação para confrontar à delinquência (MORAES, 2011.p.88).

No mesmo sentido, também, do pensamento de Jakobs, Meliá sintetiza as características em três elementos básicos, da seguinte forma:

em primeiro lugar, constata-se um amplo adiantamento da punibilidade, isto é, que neste âmbito, a perspectiva do ordenamento jurídico-penal é prospectiva [...]. Em segundo lugar, as penas previstas são desproporcionalmente altas: especialmente, a antecipação da barreira de punição não é considerada para reduzir, correspondentemente, a pena

processuais são relativizadas ou inclusive suprimidas. (JAKOBS; MELIÁ, 2005.p. 55)

Dessa forma, no ordenamento jurídico atual, de acordo com Moraes (2011) é fácil identificar essas características, que se destaca: a antecipação da tutela penal, a desproporcionalidade das penas e a relativização das garantias penais e processuais.

3.1 A antecipação da tutela penal – adiantamento da punibilidade

A tutela penal antecipada ocorre em relação à tentativa e aos crimes de perigo (concreto e abstrato), onde o Estado intervém no exato momento antecedente à lesão, porém, somente quando se puder estabelecer relação de proporcionalidade entre a aplicação da pena (lesão do direito à liberdade do sujeito ativo do crime) e o perigo (probabilidade de lesão do bem jurídico tutelado pela norma penal causado pela conduta incriminada).

Nas palavras de Roberto Lyra “a lei regulará a intervenção pré-delitual com minúcia e prudência” (apud MORAES, 2011, p. 199).

A antecipação da tutela penal se caracteriza pela ampliação da intervenção penal do Estado, devido, sua falta de planejamento do sistema punitivo. Subdivide-se em: punição de atos preparatórios; os tipos de mera conduta e os tipos de perigo abstrato (MORAES, 2011).

A idéia é afastar o Inimigo do bem jurídico tutelado, é combater o perigo, assim se trata não da punição em si da conduta, mas sim, o afastamento do delinquente para assegurar que não seja se quer começada a execução do ato, ou ainda para assegurar a persecução penal, de forma que caso haja indícios de início de execução e este não provado poderá o agente ser punido somente pelos seus atos preparatórios.

É possível também citar a criminalização de condutas que favorecem uma organização criminosa e alimentam sua subsistência e conservação. Destaca-se neste tópico, que com o adiantamento da punibilidade o que se quer é a punição dos atos preparatórios e dos delitos de mera conduta.