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DIREITO PROBATÓRIO, SUBSTANTIVO E PROCESSUAL PENAL – 2019 5 Medicina legal e identificação biológica: princípios de Genética Forense

2. Genética populacional

Independentemente da área em que se enquadra um determinado caso (investigação biológica de parentesco, criminalística biológica e identificação genética individual), uma comparação entre uma amostra-problema e uma amostra-referência poderá permitir dois tipos de conclusão: incompatibilidade (ou exclusão) e compatibilidade (ou inclusão).

No caso de incompatibilidade, importa analisar se se trata de uma verdadeira exclusão ou se existe alguma outra explicação para tal discrepância (como, por exemplo, a ocorrência de uma mutação, como anteriormente referido).

4 Considera-se ADN não codificante aquele que, segundo os conhecimentos científicos existentes, não permite a obtenção de informação de saúde ou de características hereditárias específicas. Nalguns países é já usual a utilização de outros marcadores que nos podem revelar, com maior ou menor grau de probabilidade, informação sobre as características físicas da pessoa a quem pertence a amostra. Podendo ser também usados em Portugal, por questões de natureza ética não são estudados na rotina pericial.

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No caso de compatibilidade, importa saber se o alelo (ou o perfil genético) coincidente entre a amostra-problema e a amostra-referência é muito raro na população (o que aumenta a probabilidade de a amostra-problema pertencer ao dador da amostra-referência, pois há muito poucas pessoas com esse alelo ou perfil genético) ou é muito frequente na população (o que diminuiu a probabilidade de a amostra-problema pertencer ao dador da amostra- referência, pois pode pertencer a muitas outras pessoas).

Figura 11 - Comparação com a população.

Assim, previamente à realização dos exames de Genética Forense há a necessidade de se conhecer a maior ou menor raridade dos alelos (ou dos perfis genéticos) na população que se utiliza para comparação e que designamos usualmente por população de referência.

A obtenção das frequências alélicas numa determinada população pode ser realizada através do estudo de, por exemplo, 100 indivíduos escolhidos ao acaso. Pelo método da "contagem" poderá ser obtido o número de cada um dos alelos presentes e, consequentemente, ser feita uma estimativa das frequências alélicas da população5.

Figura 12 - Frequências alélicas.

Populações diferentes possuem, muitas vezes, frequências alélicas distintas, pelo que não é indiferente a população de referência que se utiliza para comparação, face à maior ou 5 Para haver constância das frequências alélicas ao longo das gerações tem de ocorrer o designado equilíbrio Hardy-Weinberg (estabelecido em 1908 pelo matemático inglês e pelo médico alemão), que se verifica numa população de grande tamanho, quando os indivíduos dessa população se cruzam entre si ao acaso (panmiticamente) e não se verificam factores que alterem significativamente as frequências iniciais, como, por exemplo, mutações, selecções ou movimentos migratórios relevantes.

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menor probabilidade de encontrar, nessa população, o alelo (ou o perfil genético) coincidente entre a amostra-problema e a amostra-referência.

3. Cromossoma Y

Existindo apenas nos indivíduos do sexo masculino e sendo transmitido de forma inalterada6 de pai para filho (na ausência de mutações), o cromossoma Y apresenta características de grande relevância para a Genética Forense. A transmissão inalterada de pais para filhos tem como consequência o facto de que todos os homens da mesma família possuem um cromossoma Y igual.

Figura 13 - Transmissão do cromossoma Y.

No caso de uma investigação de paternidade (se o filho for do sexo masculino), o estudo do cromossoma Y pode ser útil em situações em que o pretenso pai, bem como os pretensos avós paternos, estejam ausentes, dado que poderemos utilizar para comparação o cromossoma Y de um outro familiar do sexo masculino da linhagem paterna.

No caso de o cromossoma Y do filho ser diferente do cromossoma Y do pretenso pai (ou, na sua ausência, do familiar pela linhagem paterna utilizado para comparação), poderemos afirmar que não existe coincidência. No caso de o cromossoma Y do filho ser igual ao cromossoma Y do pretenso pai (ou do familiar pela linhagem paterna utilizado para comparação), poderemos afirmar a existência de uma coincidência. Contudo, deveremos ter sempre em consideração que todos os homens da mesma linhagem paterna partilham o mesmo cromossoma Y, podendo ser um familiar o verdadeiro pai biológico.

No caso de uma investigação de criminalística biológica, o estudo do cromossoma Y pode ser útil, por exemplo, em casos de crimes de natureza sexual em que uma colheita vaginal da vítima pode apresentar uma mistura de sémen com células vaginais. Se forem estudados os marcadores autossómicos poderemos encontrar quatro alelos (dois da vítima e dois do agressor) ou mais alelos no caso de dois ou mais agressores. Pode ser particularmente difícil a identificação dos alelos do agressor se a quantidade de sémen presente na mistura for muito inferior à quantidade de células vaginais (o que acontece com frequência). O estudo do cromossoma Y é muito importante nestas misturas pois as vítimas de crimes de natureza 6 Na sua maior parte, pois tem uma região pseudo-autossómica que pode recombinar com o cromossoma X.

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sexual são maioritariamente do sexo feminino e os agressores do sexo masculino. Dado que cada agressor possui apenas um cromossoma Y7, a observação de mais do que um cromossoma Y nas misturas referidas leva-nos a considerar a presença de material de mais de um indivíduo do sexo masculino.

No caso de o cromossoma Y de um alegado agressor ser diferente do cromossoma Y encontrado na vítima, poderemos afirmar que não existe coincidência. No caso de o cromossoma Y de um alegado agressor ser igual ao cromossoma Y encontrado na vítima, poderemos afirmar a existência de uma coincidência. Contudo, tal como afirmado para as investigações de paternidade, deveremos ter sempre em consideração que todos os homens da mesma linhagem paterna partilham o mesmo cromossoma Y, podendo ser um familiar o verdadeiro agressor.

Em resumo, o facto de todos os indivíduos de sexo masculino de uma mesma família (linhagem paterna) partilharem o mesmo cromossoma Y pode constituir uma vantagem (pois permite a comparação com familiares afastados numa linhagem paterna) mas também pode constituir uma dificuldade, se outro homem da mesma linhagem puder ser o pai biológico (numa investigação de paternidade) ou puder ser o verdadeiro agressor (numa investigação criminal).

4. Cromossoma X

Numa pessoa do sexo masculino (os cromossomas sexuais são XY), o cromossoma X é proveniente necessariamente da mãe. Numa pessoa do sexo feminino (os cromossomas sexuais são XX), um cromossoma X é proveniente da mãe e o outro cromossoma X é proveniente do pai.

Figura 14 - Transmissão do cromossoma X.

Assim, o cromossoma X pode ser útil na confirmação do parentesco entre um pai e uma filha, entre uma mãe e um filho ou entre uma mãe e uma filha. Pode ser útil na confirmação do parentesco entre a avó paterna e uma neta, quando os pais estão desaparecidos, por exemplo. Sendo pouco analisado na rotina da actividade pericial forense, o cromossoma X pode ser importante, designadamente, numa investigação de filiação (especialmente quando o pretenso pai não está presente, podendo ser feita a comparação com um familiar), numa

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investigação de maternidade ou na identificação de cadáveres. Pode ser útil, também, na investigação de casos de incesto.

Em casos de identificação de cadáveres recorre-se frequentemente ao ADN mitocondrial. Contudo, não havendo familiares pela linha materna disponíveis para comparação ou quando o tipo de ADN mitocondrial encontrado for frequente na população, poderá ser útil o estudo do cromossoma X.