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Generalização da mandamentalização nos provimentos condenatórios?

14. Novas técnicas e formalismo-valorativo: exemplos ilustrativos

14.1 Generalização da mandamentalização nos provimentos condenatórios?

A grande novidade449, em direito positivo450, a par de todo instrumental apresentado, é a concessão de poderes451 aos juízes para, dentro da sua responsabilidade constitucional, sob

§ 4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em vinte e quatro horas.

§ 5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de vinte e quatro horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

§ 6º Realizado o pagamento da dívida por outro meio, o juiz determinará, imediatamente, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, a notificação da instituição financeira para que cancele a indisponibilidade, que deverá ser realizada em até vinte e quatro horas.

§ 7º As transmissões das ordens de indisponibilidade, de seu cancelamento e de determinação de penhora, previstas neste artigo far-se-ão por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional.

§ 8º A instituição financeira será responsável pelos prejuízos causados ao executado em decorrência da indisponibilidade de ativos financeiros em valor superior ao indicado na execução ou pelo juiz, bem como na hipótese de não cancelamento da indisponibilidade no prazo de vinte e quatro horas, quando assim determinar o juiz. § 9º Quando se tratar de execução contra partido político, o juiz, a requerimento do exequente, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido por autoridade supervisora do sistema bancário, que torne indisponíveis ativos financeiros somente em nome do órgão partidário que tenha contraído a dívida executada ou que tenha dado causa à violação de direito ou ao dano, ao qual cabe exclusivamente a responsabilidade pelos atos praticados, na forma da lei.

447 A crítica é reproduzida por Ada Pellegrini Grinover em ensaio recente, v. GRINOVER, Ada Pellegrini. Efficienza

e garanzie: i nuovi istituti processuali in America Latina. Revista de Processo, São Paulo, v. 37, n. 203, pp. 267-292,

jan. 2012.

448 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 31, n. 137, pp. 7-31, setembro/2006. A máxima citada é de autoria de Rudolf Von Hering, que estudou a fundo a relação entre liberdade e as formas no direito romano.

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Não se desconhece, e nem se pretende enveredar sobre a cizânia de que existe doutrina francamente avessa à idéia de mandamentalização das técnicas tutelares, porque vincula estritamente o conteúdo do direito material à eficácia processual da sentença – mandamental, executiva, entre outras. Essa linha de pensamento tem como premissa o

166 todas as achegas apresentadas, criarem e construírem técnicas, através de provimentos judiciais interinos, as mais variadas e adequadas ao caso concreto, positivando-se, a seu turno, diversos esclarecimentos e mandamentos de otimização para que obedeçam, as partes e terceiros, ao devido processo legal.

Humberto Theodoro Junior enfatiza, no contexto da simplificação e da transformação das sentenças executivas em sentenças mandamentais, a generalização e proliferação de técnicas diretas e indiretas de execução no projeto do novo código.

Para o autor, o direito atual herdou a actio judicati dos romanos, separando integralmente as funções de julgamento a execução452, e os modernos ressuscitaram a velha actio judicati453 sob o rótulo de ação executiva.

rechaço à cisão entre o direito material vindicado e o direito processual resultado do decisão judiciária. O grande prócer dessa crítica na doutrina pátria é Ovídio Baptista da Silva, para quem a classíficação das ações e sentenças diz respeito às eficácias de direito material de cada uma delas, e seu estudo não pode prescindir do estudo da natureza do direito substantivo, sob pena de estorvo à atual reaproximação entre direito e processo. V. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução: na tradição romano-canônica. 2. ed. rev. Sao Paulo: R. dos Tribunais, 1997, p. 179 e ss.

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Partilha-se aqui da opção teórica de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira e outros, para quem a eficácia da sentença é o resultado processual da tutela conferida ao direito material, a qual certamente gozou de prestígio legislativo, porquanto o legislador reformador pretendeu inserir os vocábulos “mandamental”, “condenatória” e “executiva lato sensu” para agregar as eficácias de umas às tutelas de outras, de modo que se desprendeu da concepção arraigada e fixa de vinculação da tutela à nota distintiva do direito material. Afirma ele “O provimento jurisdicional, embora se apóie no direito material, apresenta outra forca, outra eficácia, e com aquele não se confunde, porque além de constituir resultado de trabalho de reconstrução e até de criação por parte do órgão judicial, exibe o selo da autoridade estatal, proferida a decisão com as garantias do devido processo legal.” cf. OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O Problema da Eficácia da Sentença. In: MACHADO, Fábio Cardoso; AMARAL, Guilherme Rizzo (Organizadores). Polêmica Sobre a Ação: A Tutela Jurisdicional na Perspectiva das Relações entre Direito e Processo. 1a Ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006. p. 50. Não há espaço e nem pretensão de desenvolver assunto assaz complexo, mas reconhecer que o legislador voluntariamente, visando conferir a máxima efetividade a todo e qualquer provimento jurisdicional, independentemente da premissa teórica, filiou-se àqueles que separa confere o máximo potencial de miscigenação de técnicas de tutela oriundas de outras formas de tutelas àquelas que inicialmente não o teriam.

451 Amplíssimos no projeto original, e atualmente bastante limitados após passagem do projeto substitutivo pela

Câmara dos Deputados em 17.07.2013.

452 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Jurisdição e execução: na tradição romano-canônica. 2. ed. rev. Sao Paulo: R. dos

Tribunais, 1997. O autor estuda profundamente as bases do processo civil romano e tece um histórico minucioso da herança dos sistemas da civil law e common law em relação ao processo romano clássico, com as consequências daí advindas, quais sejam, a adoção, pelo nosso sistema, do conceito romano de jurisdição privada, entendido como declaração de direito, pelo quê outra ação, a actio judicati moderna, deveria ser reproposta, ao passo que o direito anglo-americano preservou a parcela mais significativa dos poderes atribuídos aos magistrados romanos, os interditos.

453 Para uma ampla compreensão do tema no direito romano, WENGER, Leopold. Actio Iudicati. Buenos Aires:

167 Desde as reformas pontuais dos anos 2000, passando pelo projeto do código, tem havido alteração nesse campo. O direito processual passa a se desvencilhar dos entraves e deficiências da ação executória em dois sentidos: amplia-se o rol de sentenças autoexequíveis454 e, no que importa para o objeto da monografia, instituem-se medidas coercitivas para induzir o devedor a, voluntariamente, dar cumprimento à sentença, e medidas de apoio para que seja facilitada a obtenção do resultado prático almejado.

Para Humberto Theodoro, ambas medidas, em conjunto, contribuíram para que se exiba, já sob a égide do código atual, o caráter de mandamentalidade a todas sentenças condenatórias, ou seja, todas já conteriam uma autorização implícita para, antes de instaurado processo executivo, já se pressione o obrigado a cumprir a tutela.455 É uma concessão à efetividade e à simplificação, posto que o acesso às vias executivas se torna mais expedito, autorizando-se que o próprio juiz adote as medidas executivas previstas em lei para o caso.

Guilherme do Rizzo Amaral, em passagem explicativa, disserta

Aliás, dizer que o legislador não pode alterar a carga de eficácia de determinadas decisões judiciais, ou, diríamos melhor, que não pode outorgar ao juiz, mediante mudança na lei instrumental, técnicas de tutela diferentes da mera condenação para determinadas situações, é ignorar que, até há pouco tempo atrás, as sentenças que condenavam à entrega de coisa eram, por mais óbvio que isso

454 Para Marinori, esse aspecto é de somenos importância, e não resolve quaisquer dos problemas de efetividade

relacionados à execução. São, em verdade, os meios postos à disposição do credor que irão permitir, em execução, criar um ambiente propício à sua satisfação efetiva, cf. MARINONI, Luiz Guilherme; Tutela Inibitória. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, pp. 415-416.

455THEODORO JÚNIOR, Humberto. A execução forçada no moderno processo civil. Revista Brasileira de Direito

Processual, Belo Horizonte, v. 20, n. 77, jan./mar. 2012. Entendemos que atualmente nem todas, a nem ser por interpretação, tem característica puramente mandamental. As obrigações de pagar contra a Fazenda Pública, por exemplo, continuam sendo condenatórias, e as obrigações de pagar contra devedor solvente são mandamentais, mas precipuamente condenatórias. Entretanto, as colocações do autor são úteis na análise do projeto do código, visto que a ele se aderem em absoluto. Barbosa Moreira, em ensaio seminal, critica os critérios de classificação de sentenças, afirmando serem artificiais, fundados em parâmetros diversos, pelo quê etiquetar uma ou outra modificação legislativa, tal qual a realizada pela Lei 10.444/02, importaria sérios problemas. Porém, confere o maior relevo, sim, às técnicas e à forma de efetivação das sentenças. V. BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Sentença executiva? Revista de processo, vol. 114. São Paulo: RT, 2004. pp. 147-162. Afirma ainda que a mandamentalidade depende de reputar imediatos os efeitos dos provimentos que inauguram os procedimentos de obrigação de fazer, não fazer e dar, não se podendo dar uma classificação rigorosa a priori. Cf. BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Sentença mandamental – da Alemanha ao Brasil. BARBOSA MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: sétima série. São Paulo: Saraiva, 2001.

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possa parecer, condenatórias, meros juízos de reprovação (...). Hoje, em face única e exclusivamente das mudanças na legislação processual, proporcionadas pela Lei 10.444/02, as sentenças proferidas com base no artigo 461-A, como visto, podem ser classificadas como executivas, ou mesmo como mandamentais em alguns casos.456

Luis Guilherme Marinoni desconstrói a vinculação necessária de cada espécie de procedimento, desvinculando a natureza da sentença da natureza da obrigação e da natureza da técnica.457 Para o autor, pouco importa a natureza da sentença ou da tutela, e sim as técnicas oferecidas em favor do demandante, que deverão promover o mais amplo acesso e fruição ao bem da vida. É mandamental o provimento quando, acoplado à ordem para cumprimento imediato, agrega-se a sanção.

De todo modo, não convém aqui retornar à análise compartimentalizada das tutelas e trilhar a análise para as sentenças. O que importa registrar, na esteira de Marinoni, é a pulverização das técnicas reservadas pelo legislador e os poderes conferidos ao juiz para prestação da tutela no que tange a elas.

Essa combinação simultânea ou sucessiva de efeitos mandamentais e executivos, independentemente de modificação formal e sem afronta ao princípio da congruência (previsto no atual artigo 463 do código), recebeu o nome de instabilidade virtuosa em doutrina, por reconhecer a maleabilidade e uma abertura à adaptabilidade, já no código vigente, frente à eventual resistência ao cumprimento da tutela no mundo real.458

456 AMARAL, Guilherme Rizzo. Técnicas de tutela e o cumprimento da sentença no projeto de Lei 3.253/04: uma

análise crítica da reforma do processo civil brasileiro. In AMARAL, Guilherme Rizzo (org.); CARPENA, Márcio Louzada (org.). Visões críticas do processo civil brasileiro: uma homenagem a José Maria Rosa Tesheiner. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 132.

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MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória. 4.ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, p. 446 et seq.

458 AMARAL, Guilherme Rizzo. Cumprimento e execução da sentença: sob a ótica do formalismo-valorativo. Porto

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