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Cumpre ainda conduzir colocações sobre a técnica processual, suas representações e sua essência.240

Em André Lalande tem-se que a palavra técnica revela duas acepções: é o conjunto de procedimentos destinados a produzir resultados úteis e também os métodos organizados para o atingimento desses resultados e calcados sobre conhecimento científico. Sintetizando, é o conjunto de meios visando um resultado útil e também a forma como se dá a colocação desses meios.241

238

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Do formalismo no processo civil: proposta de um formalismo-valorativo. 3. ed. rev. atual. e aum. São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 129-130.

239 Cf. ZANETI JR, Hermes. Processo Constitucional: o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Rio de

Janeiro: Lumen Juris, 2007.

240 Mostra-se inapropriado resenhar metodologicamente sobre bases essencialistas, as quais foram criticadas em

capítulo anterior. Porém, convém lembrar que um mínimo de convencionalismo sobre os conceitos, sobre os signos, sobre as representações e sobre a linguagem deve se haver. Um ponto de partida, para se tentar explicar os fenômenos processuais, é tentar aproximar as glosas dos conceitos convencionalmente aceitos em ciências do espírito, sem a pretensão de mergulhar em uma pesquisa filosófica sobre realidades anteriores (técnica, forma, movimento) e que auxiliam a explicar os fenômenos do processo.

241

No original: “TECHNIQUE (subst.), D. Technik; E. Technics; J. Tecníca. – Voir Art*. A. Ensemble de procédés

bien definis et transmissibles, destinés à produire certains résultats jugés utiles. (...)B. En un sens plus spécial, proposé par A. ESPINAS en 1890, et actuellement tres répandu, le mot technique se dit particulierement des

91 A técnica, portanto, sob o prisma estritamente léxico, é tanto o contigente quanto o conteúdo. Tanto o resultado da aplicação prática do método quanto a causa remota dos atos. Mas não é o efeito nem o objetivo. A própria acepção léxica conduz a um dos problemas fundamentais da lógica jurídica: a ambiguidade da palavra técnica.242

Relaciona Carlos Alberto Alvaro de Oliveira duas acepções secundárias da técnica em plano aplicativo e uma primaz.

Primeiramente, a técnica se oporia à ciência do direito ou dos princípios abstratos, mostrando-se a arte da adaptação dos princípios à vida, às circunstâncias concretas, ao tempo, lugar e matéria.

Em um segundo momento, a técnica relaciona-se com a elaboração jurídica, de toda sorte intelectual, a análise e o desenvolvimento dos conceitos, por meio dos quais se esboçam os conceitos sistematicamente expressos, ou o trabalho de sistematização lógica do esforço combinado pela doutrina e jurisprudência.

A principal, referenciando o escólio de Jean Dabin, relaciona a matéria de direito à sua forma, confiando à técnica a tarefa de colocar em forma adequada uma matéria jurídica, ou, noutras palavras, a técnica jurídica visa ao conjunto de meios e procedimentos através dos quais se garante as finalidades especiais ou gerais do direito.243

Técnica, em si, é forma em estado dinâmico. É forma organizada-aplicada.

méthodes organisées qui reposent sur une connaissance scientifique correspondante.” In LALANDE, André. Vocabulaire technique et critique de la philosophie. dixieme édition revue et augmentée. Paris: Presses

Universitaires de France, 1968, p. 1.106.

242 Lembrando que a lógica não é ferramenta apenas do arsenal do exegeta, mas também do glosador, o qual se vê

diante das mesmas dificuldades de linguagem, na sua tarefa de glosa dos textos legais e glosa dos institutos de teoria geral do direito, como é o caso da palavra técnica. A linguagem, e sempre ela, apronta problemas viscerais também para o estudo epistêmico. V. GUIBOURG, Ricardo et alli. Introdución al conocimiento cientifico. Buenos Aires: Eudeba, 1993.

243

OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Teoria e prática da tutela jurisdicional. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pp. 78-79. A obra de Jean Dabin é o prelúdio de La technique de l’élaboration du droit positif, spécialmente du droit

92 Noutra obra, traça Álvaro de Oliveira um paralelo sobre as noções filosóficas de forma, para após afirmar que a forma jurídica é o invólucro do ato processual244, a maneira como deve se exteriorizar, cuidando-se do conjunto de signos pelos quais a vontade se manifesta e dos requisitos a serem observados na sua celebração. Afirma serem as formalidades, ou seja, a parte mais pobre do problema das formas.

A forma seria, então, a soma das formalidades com a delimitação dos poderes, faculdades e deveres dos sujeitos do processo, a coordenação de suas atividades, a ordenação do procedimento e organização do processo, com vistas a serem atingidas suas finalidades.

A tarefa das formas é indicar as fronteiras do início e do fim do processo, circunscrever o material a ser construído e os limites de cooperação e ação das partes no processo, emprestando previsibilidade tanto aos fins quanto aos meios de execução desses fins.245

Como funções da forma, destaca o autor que o formalismo, a par de disciplinar as situações jurídicas e as posições das partes, acaba por limitar o arbítrio do juiz e das partes, reduzindo o poder do Estado e criando uma situação de artificial igualdade entre as partes em homenagem à isonomia e à paridade de armas.246

Ora, as finalidades do processo, como já advertido, são aquelas que orbitam a prestação jurisdicional, prestação essa que deve ser qualificada, obediente aos preceitos constitucionais e procedimentais vigentes.

A finalidade da técnica, sob os auspícios do formalismo-valorativo, embora imediatamente guarde a mesma proposição eficacial em relação aos outros paradigmas

244 E ousamos aqui dizer: da soma dos atos processuais em cadeia.

245 OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo.

Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 31, n. 137, p. 7 - 31, setembro/2006, pp. 7-9.

93 metodológicos, epistemológicos e históricos, qual seja, a prestação da tutela jurisdicional, incorpora outros valores e objetivos constitucionais.247

Ao direito contemporâneo a forma e a técnica devem ser estribadas na ordem jurídica justa, nos valores materiais e imateriais que granjeiam espaço no sistema vigente, sob o risco de se deslegitimizarem como instrumentos de justiça.

A história é instrumento valioso para que o jurista inventarie a intensidade da tipificação, ou não, da previsão mais ou menos abstrata dos fatos-espécies em normas gerais e abstratas, ou ainda a concessão de maior liberdade conformativa à autoridade condutora de processos de decisão, e essa mesma história faz-se testemunhas das implicações práticas dessa medida de atribuição de discricionariedade, cujas consequências podem ser medidas pelo maior ou menor sucesso na consecução dos fins do processo constitucional e democrático.

Dessa relação de vinculação de aptidão é que se podem medir a adequabilidade da previsão prévia e abstrata das formas técnicas aos fins jurídicos a que se dirigem.

As normas jurídicas individuais que redundam nas técnicas formalizadas em processos, informadas pela dinâmica do processo enquanto fenômeno cultural do seu tempo248, imprescindem, na sua construção, nas vertentes morfológicas e semânticas, da prova-real através de um teste jusfilosófico, a crítica reflexiva das partes envolvidas e da reconstrução, numa postura dworkiniana, do ordenamento jurídico como todo, agregando elementos sociológicos, a exemplo dos enfoques político e social da jurisdição249, internalizando-os no processo de debate dialógico anterior à construção dos sentidos pela linguagem250, que derivará na concretização251 do direito – revelação da forma jurídica, ou sua ausência, e da técnica processual adequada.

247 A etiologia de imbricação da tutela com os fins do processo incluem finalidades para o processo, que poderão ser

melhores compreendidas em item infra.

248 SILVA, Ovídio A. Baptista da. Processo e ideologia. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.

28, n. 110, pp. 19-36, mar/2003.

249

Na visão de Dinamarco na sua monografia sobre a instrumentalidade processual, cf. op. cit.

250 Relembram-se aqui as breves pinceladas sobre semiótica, linguagem, norma-objeto e sujeito-cognoscente. 251 Referenciam-se aqui as lições de Friedrich Muller

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