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CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.2 GEOGRAFIA HUMANISTA: PRÁTICAS RELIGIOSAS

as ferramentas e com o espírito das humanidades. (WRIGHT, 2014, p. 17).

Nessa acepção, a presente pesquisa visa estabelecer diálogos propostos por Wright (2014), entre aspectos de subjetividade e a objetividade científica; e desse modo a subjetividade estética apresenta-se, neste trabalho, como elemento que se revela por meio do olhar pesquisador-artista através de imagens: ilustrações, fotografias e audiovisuais que possibilitam ao leitor ampliar a compreensão acerca do objeto de pesquisa - a paisagem das Companhias de Reis e do Menino Jesus de Carmo do Rio Claro (MG).

1.2 GEOGRAFIA HUMANISTA: PRÁTICAS RELIGIOSAS

A Geografia Humanista, de acordo com Tuan (1982), não é uma ciência da terra em seu objetivo final, mas se constitui no entrosamento com as humanidades e Ciências Sociais no intuito de prover uma visão precisa do mundo e da natureza humana. Humanidades que através das artes e pensamento lógico ganham maior esclarecimento.

A Geografia Humanística procura o entendimento do mundo humano através do estudo das relações das pessoas com a natureza, do seu comportamento geográfico bem como dos seus sentimentos e ideias a respeito do espaço e do lugar. (TUAN, 1982, p. 143).

O autor estabelece um contraponto entre as abordagens científicas para o estudo do homem e propõe um novo modo de enxergar os fenômenos geográficos por meio de cinco temas: “conhecimento geográfico, território e lugar, aglomeração humana e privacidade, modo de vida, economia e religião.” (TUAN, 1982, p. 146).

Tuan (1980) propôs-se a revelar que a natureza humana desempenha dois importantes papeis, o social-profano e o mítico-sagrado. O autor destaca que na sociedade moderna, o cosmo vertical-transcendental cedeu lugar à geografia e à paisagem, ou seja, a ruptura do cosmo vertical e a experiência de um tempo cíclico são substituídas pelo tempo linear e pelo espaço horizontal.

Segundo o filósofo Cassirer (2001), no mundo humano encontramos características qualitativamente distintas de todas as espécies de animais, pois o homem encontra-se passível de ir além do universo meramente físico e vivencia uma nova dimensão de realidade através do universo simbólico da linguagem, do mito, da arte e da religião. Para o autor, o mito e a religião constituem dois modos de pensamento humano de compreensão da realidade, dos quais parece fútil e em vão procurar uma razão ou lógica em face de concepções empíricas ou científicas,

todavia, “não está de modo algum em oposição ao pensamento racional ou filosófico.” (CASSIRER, 2001, p. 48).

Para esse autor, o mito se constrói mediante a combinação de um elemento teórico e um elemento de criação artística, tal como sua associação com a poesia. Em face da imaginação mítica, o ato de crença está sempre presente, contudo, “o mito não é um sistema de credos dogmáticos, consiste mais em ações que em simples imagens ou representações.” (CASSIRER, 2001, p. 132).

O mundo do mito é um mundo dramático – um mundo de ações, de forças, de poderes conflitantes. Em todo o fenômeno da natureza ele vê a colisão desses poderes. A percepção mítica está sempre impregnada dessas qualidades emocionais. Tudo o que é visto ou sentido está rodeado por uma atmosfera especial – uma atmosfera de alegria ou pesar, de angústia, de excitação, de exultação ou depressão. Não podemos falar aqui de coisas como matéria morta ou indiferente. Todos os objetos são benignos ou malignos, amistosos ou hostis, familiares ou estranhos, atraentes e fascinantes ou repelentes e ameaçadores. Podemos reconstruir facilmente essa forma elementar da experiência humana, pois nem mesmo na vida do homem civilizado ela perdeu seu poder original. (CASSIRER, 2001, p. 129).

A religião, como nos revela o autor, “traz em si uma cosmologia e antropologia que procura responder as questões da origem do mundo e da sociedade humana e deriva desta origem os deveres e obrigações do homem.” (CASSIRER, 2001, p. 156).

Cassirer (2001) ressalta que as grandes religiões monoteístas se configuram enquanto produto de forças morais, cujo conceito do tabuísmo associado ao homem primitivo ao temor e ao perigo transformam-se em pensamentos que perpassam por diversos sentidos, decisões e liberdade de escolhas entre dois modos de vida: a impureza e a santidade, o bem e o mal, obediência às leis, ordem social, sentido ético e moral. “Os símbolos religiosos mudam incessantemente, mas o princípio subjacente, a atividade simbólica como tal permanece a mesma.” (CASSIRER, 2001, p. 123).

Dentro dessa ótica, corroborando para compreensão dialética entre as duas modalidades de ser no mundo, sagrado-profano14, Eliade (2018) afirma que o homem religioso assume uma existência específica no mundo, a crença da existência de uma realidade absoluta: “o sagrado, algo que transcende este mundo, santificando-o e tornando-o real” e se manifesta como uma realidade diferente das realidades naturais. (ELIADE, 2018, p. 164).

14 Segundo Lucas Deschain, o sagrado e o profano constituem dois modos de vida e duas concepções acerca da

‘natureza’ do mundo e da existência, sendo, portanto, complexos arranjos sócio-culturais, que envolvem não só crenças e rituais mas todo um sistema de moral, ética, códigos, símbolos, filosofia e organização social. Disponível em: https://www.posfacio.com.br/2012/10/10/o-sagrado-e-o-profano-mircea-eliade/. Acesso em 30/01/2020.

Nesse mundo cósmico, qualquer objeto pode tornar-se outra coisa revelando-se sagrado, simbolismo cósmico que incorpora um novo valor a um objeto ou uma ação. Essa manifestação do sagrado possui então, uma realidade diferente denominada de hierofanias, ou seja, “a saber que algo de sagrado se nos revela.” (ELIADE, 2018, pp. 17-20).

Eliade (2018) observa que existem duas modalidades de ser no mundo, o sagrado e o profano, de tal modo que essas diferenças constituem espacialidades e temporalidades distintas entre as duas formas de experiência. Para o homem religioso, o espaço sagrado se configura como algo não homogêneo e se difere qualitativamente de modo a apresentar “um ponto fixo, absoluto, um centro” que estabelece a comunicação entre os níveis cósmicos, Terra (centro), Céu (mundo divino) e regiões inferiores (mundo dos mortos).

Tal como o espaço, o tempo para o homem religioso não é homogêneo, nem contínuo. Na determinação do tempo cósmico, o mundo é santificado no tempo sagrado das festas, tempo mítico, tempo litúrgico, ou seja, um tempo circular, reversível, recuperável, indefinidamente repetível, “espécie de eterno presente mítico que o homem emprega periodicamente pela linguagem dos ritos.” (ELIADE, 2018, p. 64).

Já o homem moderno a-religioso, de acordo com o Autor, assume uma nova situação existencial, pois:

[...] reconhece-se o como único sujeito e agente da história, e rejeita todo apelo à transcendência. Não aceita nenhum modelo de humanidade fora da condição humana, tal como ela se revela nas diversas situações históricas. O homem faz-se a si próprio e só consegue fazer-se completamente na medida em que se dessacraliza e dessacraliza o mundo. O sagrado é o obstáculo a sua liberdade. (ELIADE, 2018, p. 165).

Segundo Pereira e Torres (2016), “as dinâmicas culturais são conformadas, no processo de apreensão da realidade, em temporalidades e espacialidades.” Nesse sentido, o fenômeno religioso é considerado um dos “mais preponderantes na cultura humana, se manifesta por meio de variadas dimensões espaciais/de espacialidades.” (PEREIRA; TORRES, 2016, p. 97).

A realidade mais premente dos fatos religiosos talvez transpareça, justamente, nas suas dimensões espaciais; pois na maioria das vezes, estas dimensões ocorrem dentro do campo sensitivo e visual dos seres humanos. [...] a religião tem a capacidade de fundir o visível com o invisível, o mundo dos sentidos com o mundo da imaginação. Assim, as dimensões espaciais do fenômeno religioso de alguma maneira sempre acabam por indicar não somente os extratos físicos materiais da experiência humana, mas também, e, sobretudo, patamares altamente simbólicos. (PEREIRA; TORRES, 2016, p. 96).

Conforme os autores, o fenômeno religioso em sua dimensão espacial, abarca desde “espacialidades físicas, como templos, igrejas, santuários, sinagogas, mesquitas, terreiros e

demais construções diversas”; como também espacialidades não materiais: “discursos, narrativas, mitos, sistemas teológicos, músicas, sons etc”; existem ainda aquelas dimensões espaciais que:

[...] além de congregarem aspectos das anteriores, estão claramente não presas a determinações locacionais, podendo ser chamadas de espacialidades em movimento: como as peregrinações, as romarias, as várias jornadas espirituais, e aqui podendo fazer partem também os mais diversos comportamentos rituais.

O estudo das espacialidades religiosas, ou espacialidades do sagrado requer o foco tanto no mundo material, quanto no campo simbólico, nas significações teológicas, ideológicas e experienciais. (PEREIRA; TORRES, 2016, p. 98).

Gil Filho (2008), em sua obra “Espaço sagrado: estudos em geografia da religião” fornece-nos subsídios para a investigação do fenômeno religioso tendo em vista a interpretação de suas espacialidades, além de análises das representações religiosas, ou seja, da religião como forma simbólica. Estudos que, segundo o autor, devem ser explorados nas ciências humanas em áreas como a Sociologia, História, Antropologia Cultural e Geografia Humana.

O espaço profano, segundo o autor, se caracteriza por seu aspecto funcional; enquanto o espaço sagrado, revelador de práticas religiosas é essencialmente estrutural e qualitativo, de modo que pode ser dividido em três espacialidades: concreta de expressões religiosas, do pensamento religioso e das representações simbólicas.

1- A espacialidade concreta de expressões religiosas vista como dimensão objetivada de sua materialidade imediata. Nesse contexto, o espaço sagrado se apresenta como palco privilegiado das práticas religiosas. Exemplo: o espaço do templo ou lugar do culto.

2- A espacialidade das representações simbólicas, em que o espaço sagrado é apresentado no plano da linguagem, à medida que as percepções religiosas são moldadas a partir da sensibilidade nas formas em tempo e espaço, um espaço das religiões. Exemplos: discursos e símbolos religiosos das diversas religiões. 3- A espacialidade do pensamento religioso é um espaço positivo e sintético que

articula o plano sensível e ao das representações articuladas pelo conhecimento religioso. Exemplos: as escrituras e tradições orais sagradas e o sentimento religioso. (GIL FILHO, 2008, p. 160).

A identidade religiosa, para Gil Filho (2008), parte de uma construção histórico- cultural-social e possui uma dimensão individual e outra coletiva. Identidades estas que são reconhecidas pela representação institucional de práticas rituais específicas a partir de um sistema de crenças vivenciadas no cotidiano.

Em síntese, o autor propõe ainda quatro instâncias de análise no estudo dos fenômenos religiosos: 1- Paisagem Religiosa, 2- Sistema Simbólico Cultural, 3- Escrituras e Tradições, 4- Sentimento Religioso.

1- A paisagem religiosa refere-se a sua materialidade fenomênica, a qual é apreendida pelos nossos instrumentos perceptivos imediatos. Diz respeito à exterioridade do sagrado e sua concretude, a exemplo da estrutura edificada do templo, do lugar dos mortos e da ação social da religião realizada por escolas e hospitais. Também constituindo a expressão do sagrado, observamos os lugares de peregrinação a sacralização de formas da natureza (rios, florestas, montanhas) e os lugares sagrados de modo geral.

2- O sistema simbólico é apreensão conceitual pela razão, com a qual concebemos o sagrado pelos seus predicados e reconhecemos sua lógica simbólica. Sendo assim, entendemo-lo como projeção cultural e, nesse aspecto, temos a compreensão do contexto no qual a religião é vivenciada, o que é de fundamental importância. 3- As escrituras e as tradições sagradas remetem a natureza imanente do sagrado enquanto fenômeno. Nesse sentido, procuraremos entender o sagrado a partir das construções epistemológicas realizadas pelo grupo, as quais se manifestam nos livros sagrados, nas oralidades sagradas e nos mitos.

4- O sentimento religioso, seu caráter transcendente e não-racional é uma dimensão de inspiração muito presente na experiência religiosa, ou seja, é a experiência do sagrado per si. Essa dimensão, que escapa à razão conceitual em sua essência, é reconhecida por seus efeitos. Trata-se daquilo que qualifica uma sintonia entre o sentimento religioso e o fenômeno do sagrado. (GIL FILHO, 2008, p. 33). A partir destas definições, salienta-se a importância dos conceitos associados as manifestações de religiosidade apresentados por Gil Filho (2008) para o desenvolvimento desta pesquisa, haja vista a intencionalidade de compreensões simbólicas em face dos ritos e sentimentos religiosos vivenciados na paisagem das Companhias de Reis e do Menino Jesus de Carmo do Rio Claro (MG).

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