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CAPÍTULO I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

1.4 INTERPRETAÇÃO DA CULTURA

De acordo com Claval (1999), a cultura constitui-se um campo comum das ciências humanas e a Geografia Humana exerce papel fundamental nos estudos de atividades e obras dos grupos humanos sobre a superfície da Terra, de sua inserção no ambiente, do modo como o exploram e o transformam; além de buscar o entendimento dos laços de sociabilidade, das formas de organização em sociedade e identificação ao território em que vivem.

O peso da cultura é decisivo em todos os domínios: como os homens percebem e concebem seu ambiente, a sociedade e o mundo? Por que os valorizam mais ou menos e atribuem aos lugares significações? Que técnicas os grupos adotam, no sentido de dominar e tornar produtivo ou agradável o meio onde vivem? Como imaginaram, atualizaram, transmitiram ou difundiram o seu Know-Know? Quais são os elos que estruturam os conjuntos sociais e como são legitimados? De que maneira os mitos, as religiões e as ideologias contribuem para dar sentido à uma vida e ao contexto onde ela se realiza? (CLAVAL, 1999, p. 11)

A cultura apresenta-se como termo central do humanismo; contudo, incapaz de uma definição clara como conceito objetivo, faz-se compreensível apenas pelo viés da prática. “Uma geografia humanista considera a cultura como central para seu objetivo: compreender o mundo vivido de grupos humanos.” (COSGROVE, 2011, p. 104).

Geertz (2012) defende o conceito de cultura como essencialmente semiótico. Salienta ainda que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu e cuja cultura é assumida como sendo estas teias, de modo que sua análise ocorre “não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como ciência interpretativa, a procura do significado. É justamente uma explicação que eu procuro, ao construir expressões sociais na sua superfície.” (GEERTZ, 2012, p. 4).

O conceito de cultura denota um padrão de significados transmitidos historicamente, incorporado em símbolos, um sistema de concepções herdadas expressas em formas simbólicas por meio das quais os homens comunicam, perpetuam e desenvolvem seu conhecimento e suas atividades em relação à vida. É fora de dúvida que termos como ‘significado’, ‘símbolo’ e ‘concepção’ exigem uma explicação. Mas é justamente aí que de ocorrer o alargamento, o aprofundamento e a expansão. (GEERTZ, 2012, p. 66).

O autor destaca que em antropologia social, o que os praticantes fazem é a etnografia e que o entendimento de sua prática por meio da análise antropológica deve ser vista enquanto forma de conhecimento, cujo empreendimento se define por meio de um esforço intelectual. Para o autor, a etnografia é definida como uma descrição densa, de forma que esta análise consiste em um empreendimento parecido de um decifrador de códigos. “Em etnografia o dever da teoria é fornecer um vocábulo no qual possa ser expresso o que o ato simbólico tem a dizer sobre ele mesmo – isto é, sobre o papel da cultura na vida humana.” (GEERTZ, 2012, p. 19).

Fazer a etnografia é como tentar ler (no sentido de ‘construir uma leitura de’) um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado. (GEERTZ, 2012, p. 7).

O texto antropológico é apontado por Geertz (2012) como empreendimento científico, e o objetivo da antropologia é visto como “alargamento do universo do discurso humano” ao

qual o conceito de cultura semiótico se adapta. “Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis [...] ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é descrito com densidade.” (GEERTZ, 2012, p. 10).

Para esse autor o estudo e a compreensão de uma cultura por meio de uma interpretação antropológica, da formulação de sistemas simbólicos ocorrem por uma descrição densa, ou seja, descrições antropológicas que devem “ser encaradas em termos de interpretações as quais pessoas de uma denominação particular professam suas experiências.” (GEERTZ, 2012, p. 11). Todavia como no estudo da cultura a análise penetra no próprio corpo do objeto – isto é começamos com nossas próprias interpretações do que pretendem nossos informantes, ou que achamos que eles pretendem e depois passamos a sistematizá-las. [...] Resumindo, os textos antropológicos são eles mesmos interpretações e na verdade, de segunda e terceira mão. (Por definição, somente um ‘nativo’ faz a interpretação em primeira mão: é sua cultura). Trata-se, portanto, de ficções; ficções no sentido de que são ‘algo construído’, ‘algo modelado’ – sentido original de fictício – não que sejam falsas, não fatuais ou apenas experimentos do pensamento. (GEERTZ, 2012, p. 11).

Dessa forma, a cultura é tratada puramente como sistema simbólico, isolando seus elementos, especificando suas relações internas e passando a caracterizar todo o sistema de uma “forma geral de acordo com os símbolos básicos em torno dos quais ela é organizada, as estruturas subordinadas das quais é uma expressão superficial, ou os princípios ideológicos nos quais ela se baseia.” (GEERTZ, 2012, p. 12).

A análise cultural é (ou deveria ser) uma adivinhação dos significados, uma avaliação das conjeturas, um traçar de conclusões explanatórias a partir das melhores conjeturas e não descoberta do continente dos significados e o mapeamento da sua paisagem corpórea. (GEERTZ, 2012, p. 14).

Geertz (2012) faz crítica às interpretações alicerçadas pelo empirismo que procuram diante dos sistemas simbólicos arrumá-los em entidades abstratas, padrões unificados, rigidez e coerência enquanto validade de uma descrição cultural.

Não se pode escrever uma Teoria Geral Interpretação Cultural ou se pode, de fato, mas parece haver pouca vontade nisso, pois aqui a tarefa essencial da construção teórica não é codificar regularidades abstratas, mas tornar possíveis descrições minuciosas, não generalizar através dos casos, mas generalizar dentro deles. (GEERTZ, 2012, p. 18).

O antropólogo ressalta que no estudo da cultura, os significantes são atos simbólicos ou conjunto de atos simbólicos e o objetivo é a análise do discurso social.

Olhar as dimensões simbólicas da ação social – arte, religião, ideologia, ciência, lei, moralidade, senso comum – não é afastar-se dos dilemas existenciais da vida em favor

de algum domínio empírico de formas não emocionalizadas; é mergulhar no meio delas. A vocação essencial da antropologia interpretativa, não é responder às questões mais profundas, mas colocar a nossa disposição as respostas que os outros deram. (GEERTZ, 2012, p. 21).

Como nos revela o autor, o pesquisador em trabalho de campo deve “adquirir toda espécie de atualidade sensível que possibilita pensar não apenas realista e concretamente sobre eles, mas o que é mais importante, criativa e imaginativamente com eles.” (GEERTZ, 2012, p. 16).

Geertz (2012) nos coloca ainda a discussão da análise de crenças e práticas religiosas enquanto um sistema cultural, de modo que os símbolos sagrados funcionam para sintetizar o ethos de um povo. Além do que, formulam uma congruência entre uma metafísica específica e um estilo de vida particular, ou seja, “o tom, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo e disposições morais e estéticos – e sua visão de mundo – quadro do que fazem do que são as coisas na sua simples atualidade, suas ideias mais abrangentes sobre ordem.” (GEERTZ, 2012, p. 67).

Para o autor uma religião é:

[..] um sistema de símbolos que atua para estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que as disposições e motivações parecem singularmente realistas. (GEERTZ, 2012, p. 67).

A partir dessas reflexões, pode se afirmar que as mesmas contribuíram de forma significativa para prática desta pesquisa; sobretudo como alicerce diante das experiências vivenciadas em campo, no intuito de desvendar teias de significados e relações simbólicas, em meio a diversidade de elementos presentes no sistema cultural dos grupos de Companhias de Reis e do Menino Jesus de Carmo do Rio Claro (MG).

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