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2. PORTUGAL E A GERAÇÃO DE

2.1. O Século XX Português

2.1.1. Antecedentes da Geração de Orpheu

2.1.1.1. Geração de Orpheu

No dia 19 de fevereiro de 1915, Fernando Pessoa anuncia ao seu amigo Cortês- Rodrigues que a primeira edição da revista “vai entrar imediatamente no prelo" (PESSOA, 1985, p. 57). Após poucos dias ela estava disponível aos leitores.

A primeira edição foi dirigida por Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro e correspondia a janeiro, fevereiro e março, haja vista que era uma revista trimestral. Como membros da direção estavam Luiz de Montalvor, em Portugal, e Ronald de Carvalho, no Brasil. Além disso, o jovem António Ferro era o editor. Os colaboradores e seus textos desse número foram: José Pacheco - a capa; Luiz de Montalvor com a introdução; Sá-Carneiro – “Indícios de Ouro”; Ronald de Carvalho - poemas; Fernando Pessoa – “O Marinheiro”; Alfredo Guizado - Treze Sonetos; José de Almada Negreiros – “Frizos”; Armando Cortê-Rodrigues - poemas e Álvaro de Campos – “Opiário” e “Ode Triunfal”. O êxito da primeira revista foi total, como comenta Pessoa a Cortês-Rodrigues em carta, apenas um mês depois do lançamento:

Ontem deitei no correio um Orpheu para si. Foi só um porque podemos dispor de muito poucos. Deve esgotar-se rapidamente a edição. Foi um triunfo absoluto, especialmente com o reclame que A Capital nos fez com uma tareia na 1.ª página, um artigo de duas colunas. Não lhe mando o jornal porque lhe escrevo à pressa, da Brasileira do Chiado. Para a mala seguinte contarei tudo detalhadamente. Há imenso que contar. Agora tenho tido muito que fazer. Da livraria depositária é que seguirão os exemplares para os assinantes e livrarias daí. Naturalmente não há números para irem para todos os nomes que v. indica. Vão para alguns. Naturalmente temos que fazer segunda edição. « Somos o assunto do dia em Lisboa »; sem exagero lho digo. O escândalo é enorme. Somos apontados na rua, e toda a gente — mesmo extra-literária — fala no Orpheu. Há grandes projectos. Tudo na mala seguinte. O escândalo maior tem sido causado pelo 16 do Sá-Carneiro e a Ode Triunfal. Até o André Brun nos dedicou um número das Migalhas (PESSOA, 1985, p. 63).

Ao publicar o primeiro número da revista essa geração certamente materializou um velho sonho dos literatos passados, que era o de colocar culturalmente o país em dia com a cultura europeia. Além de serem os responsáveis pela reviravolta estética ao introduzirem no mundo acomodado da poesia portuguesa a lírica como fundamento mítico das coisas, eles foram responsáveis também por incluir a loucura no meio da criação literária, mas é claro que se tratava da loucura lúcida, consciente e imaginativa, e não a loucura de manicômio como alegaram os primeiros críticos do jornal A Capital.

A esse respeito, pode-se dizer que, para Pessoa, tais comentários foram um momento de grande feito, uma vez que os leitores comuns acabaram por comprar a revista, mesmo que fosse apenas para criticá-la, garantindo, com isso, a venda de todos os exemplares.

Os colaboradores do Orpheu nunca se revelaram como literatos senão em manifestações idênticas às que enchem as páginas da revista, e daí o não ser possível ajuizar do seu valor real [...] eles pertencem a uma categoria de indivíduos que a ciência definiu e classificou dentro dos manicómios, mas que podem sem maior perigo andar fora deles... (JÚDICE, 1986, p. 61).

O segundo número saiu em abril de 1915 e somente Pessoa e Sá-Carneiro foram os diretores. A revista contou com as seguintes publicações: Ângelo de Lima - Poemas Inéditos; Sá-Carneiro - Poemas sem Suporte; Eduardo Guimarães – Poemas; Raul Leal – Atelier; Violante de Cisneiros – Poemas; Álvaro de Campos – “Ode Marítima”; Luiz de Montalvor – “Narciso”; Fernando Pessoa – “Chuva Oblíqua”; Santa-Rita Pintor - 4 Hors. Segundo o verbete de Manuela Parreira da Silva no Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português (2010, p. 567) a força dos dois números da revista reside no fato:

[...] de tão perfeitamente se equilibrarem, à composição de tonalidade intertextual simbolista do primeiro se sucedendo a violência de ruptura do segundo (Ângelo de Lima, Sá-Carneiro, Raul Leal, Álvaro de Campos, Pessoa) com a Ode Triunfal a estabelecer o raccord entre os dois.

Os de Orpheu não constituíam um grupo homogêneo, já que foram influenciados pela tradição clássica, pelos decadentes e simbolistas franceses e pelos diversos projetos de vanguardas: “Pessoa e Mário de Sá-Carneiro estão mais próximos dos simbolistas. Álvaro de Campos e Almada Negreiros são mais afins da moderna maneira de sentir e escrever. Os outros são intermédios. Fernando Pessoa padece de cultura clássica” (PESSOA, 1966b, p. 148). Por essa razão, era natural o pluralismo estético da revista, mas seus colaboradores tinham em comum o propósito da transformação da consciência nacional por meio da influência literária

das ideias modernas e, também, do posicionamento das expressões modernistas nos principais centros culturais da Europa:

Não somos portugueses que escrevem para portugueses; isso deixamo-lo nós aos jornalistas e aos autores de artigos de fundo políticos. Somos portugueses que escrevem para a Europa, para toda a civilização; nada somos por enquanto, mas aquilo que agora fazemos será um dia universalmente conhecido e reconhecido. Não temos qualquer receio de que não seja assim. Não pode ser de outra maneira, realizamos condições sociológicas cujo resultado é inevitavelmente esse (PESSOA, 1966b, p. 121-122).

Portanto, além da premissa da originalidade, da loucura pensada e do cosmopolitismo de ideias literárias, Orpheu representou a “afirmação transnacionalista” da cultura portuguesa (PIEDADE, 2016, p. 552). Agora destituídos de qualquer sentimento de inferioridade diante da Europa, os modernistas podiam atingir o que os outros movimentos anteriores não conseguiram, que era “acumular dentro de si todas as partes do mundo [...] onde se fundam, se cruzem, se interseccionem. E, feita esta fusão espontaneamente, resultará uma arte-toda-as-artes, uma inspiração espontaneamente complexa” (PESSOA, 1966b, p. 114).

Os poetas órficos foram responsáveis pela busca da simbiose entre o exterior e interior, entre o subjetivo e o objetivo, para assim harmonizar a essência da experiência humana e, com isso, reconduzir o homem e a sociedade ao mais alto grau de consciência e civilização, utilizando, assim como o poeta órfico da Antiguidade Grega, a força mágica da palavra e do verso.

A revista contou somente com duas publicações, pois o pai de Sá-Carneiro recusou-se a continuar pagando pela execução gráfica da revista, mesmo com o terceiro número em fase de preparação e este seria o número que condensaria os temas mais sensíveis sobre a Primeira Guerra Mundial e a situação política de Portugal. Sem o investimento, o projeto de continuidade de Orpheu revelou-se impossível. Dessa forma, somente após a morte do poeta Sá-Carneiro, e talvez em sua homenagem, foi publicado o terceiro exemplar.

À vista disso, conclui Pessoa (1980a, p. 227), que “Orpheu acabou, Orpheu continua”, ou seja, em termos históricos a revista teria chegado ao fim, mas continuaria influenciando o rumo da arte lusitana e, de fato, Orpheu constituiu como referência para as próximas revistas, em especial, a Presença, que divulgou verdadeiramente a produção órfica.

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