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A retrospectiva dos diferentes momentos que levaram à configuração atual do conceito de Modernidade acabou nos mostrando que a dialética tradição/inovação constitui a base histórica literária e social dos diferentes períodos estéticos. No século XIX, a busca pela modernização estética ensejou a própria criação de um campo específico para as artes dentro da sociedade, separado das outras instâncias. A inovação recusa a tradição, estabelecendo, desse modo, elemento de pressão que se estendeu até as primeiras décadas do século XX, momento que os chamados movimentos de vanguardas perderam seu sentido revolucionário.

Em sentido estrito, as vanguardas constituíram uma série de movimentos que irromperam logo no início do século XX e se apresentaram como novas manifestações expressivas de linguagem e de comunicação, com radical crítica aos valores e gostos vigentes. Porém, segundo D’Alge (1997, p. 11), o conceito de vanguarda torna-se mais abrangente quando incorporamos todas as manifestações estéticas que visaram a uma mudança, sendo possível, assim, considerar o Romantismo e o Simbolismo como vanguardistas, uma vez que estes foram movimentos inovadores da linguagem. Para José Luis Giménez Frontín (1979, p. 9) “uma das características da Humanidade é a ânsia de renovação cultural – e, nesse sentido, as vanguardas são sua mais completa projeção, apesar da efemeridade que os caracteriza”.

Os movimentos vanguardistas são marcadamente europeus e predominantemente franceses. Outros não franceses, como o Expressionismo alemão e o Futurismo italiano, encontraram um pertinente campo cultural nos ambientes intelectuais na Paris da Belle Époque:

Paris se tornou o centro cultural de maior evidência na Europa, refletindo por um lado a euforia de sua “belle époque” e, por outro, o pessimismo decadentista do “fin de siècle”. No meio, como um sistema de equilíbrio, a tendência renascentista, revalorizadora das tradições culturais da latinidade. As ideais filosóficas e sociológicas, bem como o desenvolvimento científico e técnico da época, contribuíram para a inquietação espiritual e intelectual dos escritores, divididos entre as forças negativas do passado e as tendências

ordenadoras do futuro, que afinal predominaram, motivando uma pluralidade de investigações em todos os campos da arte e transformando os primeiros anos do século XX no laboratório das mais avançadas concepções da arte e da literatura (TELES, 2009, p. 41, 42).

De acordo com Calinescu (1999, p. 92) o conceito de vanguarda foi, em maior grau, uma versão mais radical e utópica da Modernidade:

[...] o passado arbitrário está automaticamente sentenciado à morte porque a justiça será obrigada a triunfar a longo prazo; mas como a opressiva influência da tradição se pode estender durante um longo período de tempo, é importante agir contra ela imediatamente e suprimi-la tão cedo quanto possível. [...] A vanguarda é sob todos os aspectos, mais radical do que a Modernidade. Menos flexível e menos tolerante nas nuances, ela é naturalmente mais dogmática – tanto no sentido da autoafirmação como reciprocamente no sentido da autodestruição.

A radicalidade e o autoritarismo das propostas vanguardistas estão relacionados também com as implicações militares do conceito, haja vista que avant-gard (guarda avançada) é uma palavra proveniente das teorias sobre estratégias militares, que caracteriza uma ideia de combate com a força de choque na linha de frente, com a tarefa de destruir o inimigo. Nesse sentido, segundo Subirats (1987, p. 50), esse foi o projeto das vanguardas artísticas, “esta característica de força de choque e de sentido destrutivo é também o princípio estético que desde o início definiu o empreendimento artístico e social das vanguardas”.

Os primeiros grandes movimentos vanguardistas antes da guerra foram: o Futurismo (1909), o Expressionismo (1910) e o Cubismo (1913). Ao fim do conflito, surgiram mais duas correntes de atitudes antitéticas, o Dadaísmo (1916) e o Surrealismo (1924). Conforme explicou Teles (2009, p. 43-44):

Todos esses movimentos estavam sob o signo da desorganização do universo artístico de sua época. A diferença é que uns, como o futurismo e o dadaísmo, queriam a destruição do passado e a negação total dos valores estéticos presentes; e outros, como o expressionismo e o cubismo, viam na destruição a possibilidade de construção de uma nova ordem superior. No fundo eram, portanto, tendências organizadoras de uma nova estrutura estética e social.

São duas facetas da mesma realidade, porém, todos eles queriam o mesmo: a renovação artística e literária. Em suma, o fato de reunir todos os movimentos antitradicionais e radicais vanguardistas em uma categoria mais ampla fez com que as vanguardas se transformassem no principal instrumento crítico-literário do século XX. Os mais importantes estudiosos sobre o tema concordam que o seu surgimento está historicamente relacionado ao momento em que os

artistas e escritores se viram na necessidade de romper e derrubar o sistema burguês de valores, como a universalidade. Já no que se refere à sistematização do conceito, a visão da vanguarda como uma posição avançada da Modernidade Estética é uma concepção recente e foi observada por Roland Barthes:

Os nossos dicionários não nos dizem exatamente quando é que o termo vanguarda foi utilizado primeiramente num sentido cultural. Aparentemente, a noção é bastante recente, um produto daquele momento em história em que para alguns dos seus escritores a burguesia surgiu como uma força esteticamente retrógrada, que deveria ser contestada. Para o artista, mais provavelmente, a vanguarda foi sempre um meio de resolver uma específica contradição histórica: aquela de uma burguesia desmascarada que já não podia mais proclamar o seu universalismo original, exceto sob a forma de um violento protesto dirigido contra si própria; inicialmente por uma violência estética dirigida contra os filisteus depois, com um empenhamento crescente, por uma violenta ética, quando se tornou um dever de um estilo de vida contestar a ordem burguesa; mas nunca por uma violência política (BARTHES apud CALINESCU, 1999, p. 111).

De modo geral, esses diversos movimentos que surgiram em torno da Primeira Grande Guerra alcançaram seu apogeu logo nos anos posteriores, mas em finais das décadas de 1920 e 1930 entraram em crise, tendo fim na década seguinte. Para Frontín (1979, p. 23) a desintegração dos movimentos está relacionada com a Segunda Guerra Mundial, pois diante desse novo conflito encerra-se o sonho de reordenar a realidade pela arte. Assim, os primeiros a saírem de cena foram os futuristas russos, o Futurismo italiano aderiu à bandeira fascista, e os surrealistas dividiram-se em militantes e não militantes.

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