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A varanda da casa não é tão grande, mas era lá que todos me esperavam sentados. Foi relativamente fácil achar a casa. Não existia um endereço objetivo, ao menos não me foi passado um, somente um mapa confuso cujo caminho passava por estradas vicinais de terra e porteiras ora brancas, ora vermelhas, ora azuis. Dia de um sol muito brilhante e de um calor insuportável, ainda mais porque nem havíamos chegado à primavera.

Parei o carro e o Sr.Geraldo, o patriarca da família, veio até mim primeiro que todos para me cumprimentar. Um trabalhador, homem acostumado a lavrar a terra de sol a sol com as mãos calejadas junto com a mulher e filhos. Tirar da terra o sustento da família, através da agricultura de subsistência que eles praticam ali mesmo no seu sítio, no seu pedacinho de terra. Chegou meio acanhado, sem saber o que dizer, sem saber o que fazer com as mãos.

Nem entrei na casa e ficamos ali na varanda mesmo por causa do calor, mas deu para perceber que a casa era simples, porém acolhedora e arejada por causa do pé direito alto. Casa sem luxos, mas de móveis pesados, de boa qualidade, feitos para durar muitos anos. Estavam todos ali, como acontecia todos os sábados, “Dona” Umbelina, esposa do Sr. Geraldo, Maria de Lurdes, sua irmã, “Dona” Anna, sua mãe, João e Eleodora, os dois filhos e dois netos, sentados e me olhando curiosos, esperando pelo depoimento. O Sr.Geraldo me apresentou a todos, que foram muito acolhedores, quebrando o “sem jeito” do primeiro momento.

Já peguei a filmadora, o gravador e espalhei as fotos, viradas de cabeça para baixo, em uma cadeira para explicar o porquê da escolha daquela família para um depoimento sobre a cidade de Corumbataí e o rio que lhe deu o nome.

Então expliquei o teor da pesquisa e como seria o depoimento. Expliquei que não haveriam perguntas e sim algumas fotos e que qualquer um deles poderia falar o que lembrasse ao ver determinada foto. Foi então que Maria de Lurdes, ou simplesmente “Lu”, como era chamada por todos, começou a virar as fotos uma por uma, por pura curiosidade, e começou a falar de uma ou de outra, eufórica por ter ali encontrado alguns de seus familiares e conhecidos, enquanto eu tive de correr e ligar a filmadora e o gravador. O depoimento havia começado.

Passado o primeiro entusiasmo seguido de certa confusão, pois todos falavam ao mesmo tempo querendo saber se esta ou aquela pessoa era ou não conhecida, a rotina

costumeira voltou à casa e a novidade desapareceu. As crianças perderam o interesse e voltaram a brincar no quintal, “Dona” Umbelina voltou às funções da casa e só passava por ali para dar algumas opiniões e Eleodora voltou a lavar as peças de roupa que já deviam estar de molho no tanque antes da minha chegada. O depoimento prosseguiu com dois personagens principais: o Sr. Geraldo e João. Maria de Lurdes, que ficara muito entusiasmada no início, logo teve que ir embora com “Dona” Anna que ouvia e absorvia de tudo, mas sem se manifestar. De todos foi o Sr. Geraldo quem se revelou o grande contador de “causos”, exatamente com Alba o havia descrito. Segundo as palavras dele mesmo “...olha, aqui, não sei se você já percebeu, mas a gente gosta mesmo de falar...”.

Terminada a entrevista e feita sua transcrição iniciamos um processo próprio da História Oral: o de negociação da textualização da entrevista com os depoentes. Esta é a hora em que os depoentes retificam, excluem e acrescentam palavras, frases e citações ao texto originalmente transcrito. Desta negociação participaram todos os membros da família ali presentes no dia da entrevista. Chegado a um acordo sobre a textualização final somente dois depoentes concordaram em assinar a Carta de Cessão, Geraldo Canhoni e seu filho João Batista Canhoni. Os demais depoentes não aceitaram assinar esta carta de cessão por razões diversas: alguns por não concordarem ou não se lembrarem do conteúdo das histórias ali contadas, alguns por não concordarem com alguns procedimentos adotados durante a textualização da entrevista e outros por acharem que seu aval não era tão importante. A vontade destes depoentes foi respeitada e suas falas foram retiradas da transcrição do depoimento, pois concordamos com Portelli (2000) quando diz:

(...) a metodologia da história oral, em que as pessoas não revelam informações sobre elas mesmas a menos que queiram, porque está baseada na luta por igualdade e na busca do diálogo, significa também uma defesa dos direitos das pessoas de não revelar tudo a respeito delas próprias. (PORTELLI, A., 2000, p. 71).

Porém, apesar da não concordância de todos os depoentes em assinar a Carta de Cessão, a entrevista não perdeu sua validação como um todo, já que as pessoas que assinaram a carta foram as responsáveis quase que pela totalidade da entrevista. A fala de João Batista na maioria das vezes concordava ou complementava as opiniões do pai, portanto suas contribuições ao depoimento foram incorporadas na fala de Geraldo Canhoni.

Neste depoimento houve a inclusão de notas de rodapé com explicações prestadas pelos depoentes em 27/05/2006 de palavras e expressões usadas originalmente que explicassem não só as idéias não muito claras, mas também os termos específicos, regionais ou coloquiais.

Geraldo Canhoni

Entrevista realizada com Geraldo Canhoni e João Batista Canhoni Data: 10/09/2005

Local: sítio de Geraldo Canhoni, zona rural de Corumbataí. Entrevistador: Luciana S. de Oliveira Zanardi.

“Tudo o que eu tenho aqui eu devo aos militar. Foi tudo