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1.2 Cartografando Mapas na Rede de Pesquisa

1.2.3 O momento dos depoimentos:

Houve um contato anterior ao do depoimento da parte da pesquisadora com cada depoente ou, em alguns casos, com os depoentes, para se agendar do depoimento e para fazer um pequeno resumo do que seria a pesquisa, os seus objetivos e metas. Foi deixada também clara a liberdade que os depoentes teriam caso manifestassem o desejo de desistirem da pesquisa em qualquer momento. A maioria dos depoentes não criou nenhum empecilho para o bom andamento da pesquisa, muito pelo contrário, gastaram seu tempo procurando documentos antigos, livros antigos, fotografias de seu acervo pessoal, procurando o endereço ou o telefone de um possível depoente, enfim, a maioria foi muito solícita e se engajou verdadeiramente na pesquisa.

O próximo momento com os depoentes foi o do depoimento propriamente dito, gravado em aparelho de MP-3 e filmado em vídeo, em datas e horários estabelecidos pelos depoentes, com exceção ao depoimento cedido no bar da praça. Todos os depoentes aceitaram o uso do gravador de MP-3 e sua utilização não causou nenhum desconforto aparente. Já o uso da filmadora pareceu inibir alguns dos depoentes, que consentiram com sua utilização desde que não fosse filmado o seu rosto. Assim o vídeo serviu apenas como backup do gravador quando a voz se tornava inaudível ou quando ocorria algum problema com o gravador, o que aconteceu em dois depoimentos. A filmadora foi de especial importância também nos casos em que o depoimento ocorreu com mais de um depoente para que pudéssemos distinguir de maneira eficaz a voz de cada depoente.

Um procedimento usual, mas nem sempre possível em trabalhos que empregam a História Oral, é irem duas pessoas para o depoimento. Uma é o entrevistador e a outra pessoa é quem fica responsável pelos aparelhos eletrônicos, deixando o entrevistador totalmente disponível para o depoente e para o momento do depoimento. Essa seria a alternativa ideal, mas não foi o meu caso. Eu não tinha uma segunda pessoa disponível para me ajudar com os equipamentos durante os depoimentos, procedimento este que só se

agravou em alguns depoimentos devido ao maior número de depoentes. Então optei pela filmagem como única alternativa possível para distinguir as falas dos diferentes depoentes, o que acabou se revelando extremamente útil, muito rica e reveladora em detalhes. Para Joutard (2000):

Como interpretar o silêncio e o esquecimento? Para nos ajudar, é indispensável a análise da totalidade do documento: hesitações, silêncios, lapsos... Assinalemos, ainda, o interesse da gravação em vídeo, que permite capturar também gestos e expressões. (JOUTARD, P., 2000, p.35).

Nos casos em que o depoente não permitia que o seu rosto fosse filmado, sua vontade foi respeitada, porém devo acrescentar que houve uma grande perda de qualidade na transcrição do depoimento, na sua textualização e, acredito, haverá na posterior análise, pois os depoimentos são recheados de ditos, interditos, subterfúgios, pausas carregadas de emoções, sentimentos como ironia, vergonha, etc. Enfim, uma gama de informações que acabam por se perder quando se analisam somente as respostas dadas pelos depoentes, ou suas histórias textualizadas. A análise conjunta de sua história ou respostas com suas feições, suas pausas, seus trejeitos nos possibilitam encarar essas histórias e respostas de diferentes maneiras, sob novos olhares e outros pontos de vista. Nessa perspectiva é que, concordando com Joutard (2000), vejo a filmagem do depoimento como uma parte muito importante na pesquisa.

Há várias maneiras de se colher um depoimento. O que normalmente se vê em pesquisas de História Oral é a utilização de entrevistas estruturadas, semi-estruturadas baseadas em um roteiro de perguntas. A intenção é fazer com que a memória dos depoentes aflore a partir dessas perguntas e que suas respostas dêem conta dos objetivos do questionário aplicado. Esta pesquisa se utilizou de um roteiro de fotografias de época como motivador da memória de seus depoentes por entender que a fotografia é um potente disparador de fantasias tanto no presente quanto no passado.

Para aplicar esse roteiro de fotografias, foi necessário explicar aos depoentes como seria colhido o depoimento, já que nestes usualmente acontecem perguntas de forma oral e eles estavam esperando por elas. Quando foi explicado que haveria somente fotografias de época, de moradores e de locais da cidade de Corumbataí, tiradas de jornais antigos e que os depoentes poderiam falar sobre qualquer coisa que em sua memória as fotografias suscitassem, eles ficaram muito animados. Foi explicado que não haveria uma

ordem preestabelecida para virar as fotografias, já que de início estavam todas com a imagem voltada para baixo.

O padrão de virada das fotografias se repetiu: os depoentes começaram a virar as fotografias com certa cerimônia no início, mas quando perceberam que em algumas delas havia parentes seus ou conhecidos, ficaram muito animados e passaram a virá-las de modo desordenado na pressa de se encontrar ou de encontrar mais conhecidos nas fotografias restantes. Em alguns dos depoimentos tive que esperar os depoentes verem todas elas primeiro para acalmar a curiosidade e só então o depoimento pôde começar, tal a euforia com as fotografias. Não raro as pessoas me perguntaram se eu possuía mais fotografias e de onde eu as havia pegado, na intenção de também conseguirem algumas delas para si. Houve muita emoção em alguns dos depoimentos. Alguns depoentes encontraram nessas fotografias pais, parentes e amigos já falecidos. Mas o que mais chamou a atenção foi o modo com que histórias e “causos” simplesmente explodiam na memória dos depoentes. Era imediata a lembrança recordada e a maioria das fotografias despertou uma recordação de fatos passados seguidos de outro fato mais recente ou de outro fato mais antigo. Não houve nenhuma regra imposta e a memória chegou assim, de forma diacrônica, e as histórias chegaram de forma não linear. Normalmente os depoentes voltavam a alguma fotografia já vista e comentada, pois as recordações despertadas de uma fotografia vista posteriormente os faziam lembrar-se de algo acontecido que se relacionava com as lembranças e histórias suscitadas por essa fotografia anterior. Porém houve uma fotografia que não conseguiu motivar os depoentes. Trata-se da nona. Ela e sua anterior, por serem muito similares, despertaram o mesmo tipo de memória.

“O tempo passou muito rápido...” Esse foi o comentário geral ao término de cada depoimento. E a maioria deles foi longo. Deu para perceber o prazer causado pelas lembranças despertadas e o que normalmente eu ouvia era o agradecimento pelo momento de alegria e prazer. Os depoentes esperavam o tipo tradicional de entrevista, que na expectativa de alguns deveria ser monótona e enfadonha. Houve uma grande mudança de comportamento e de perspectivas quando as fotografias foram apresentadas, seguida da euforia.

1.2.4 Tratamento dado ao depoimento: transcrição e