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Gestão hospitalar e participação dos profissionais na organização

4 O CONTEXTO HISTÓRICO E O CENÁRIO ATUAL DA ASSISTÊNCIA

6.2 A visão dos profissionais de saúde

6.2.1 Gestão hospitalar e participação dos profissionais na organização

Quanto ao bloco de perguntas sobre a gestão hospitalar e participação dos profissionais na organização, cujos resultados estão apresentados no Gráfico 5, observa-se que 76,7 % dos profissionais classificaram como ruim ou regular sobre a oportunidade de discutir a qualidade dos serviços prestados, 23,3 % consideraram boa e não houve avaliação ótima desse item. No que se refere à participação na discussão das dificuldades de execução de seu trabalho, constataram-se resultados semelhantes, em que 40 % classificaram como ruim, 33,3 % como regular e 20 % opinaram como boa ou ótima. Em relação à adoção de normas de atendimento no setor, 73,3 % classificaram como ruim ou regular.

Gráfico 5 – Gestão hospitalar e participação dos profissionais na organização

Vê-se, então, certa uniformidade nas respostas, ou seja, não há referência à reciprocidade entre profissional e instituição, falta de oportunidade de fala ou escuta quanto ao serviço ou dificuldades na execução do trabalho, inclusive, no que diz respeito à adoção de normas de atendimento. Admitem-se as dificuldades em humanizar o atendimento em tal quadro.

Com base em reflexões do tópico anterior, o profissional não deseja apenas trabalhar, mas também, como os usuários, ser ouvido e tratado como alguém no mundo e, pelo que se vê, não é assim que a maioria dos profissionais se sente. Será que este número implica dizer que não são participantes da gestão a este nível porque não há espaço de fala ou porque não falam sobre suas inquietações? Ainda: se falam, será que se sentem ouvidos? Será que aquele posicionamento é reconhecido, avaliado como significante no processo de humanização?

Como a questão foi colocada em escala, não foi possível captar o porquê das respostas. O que chama atenção é o sentimento de não reconhecimento, implícito na predominância das respostas. Não é apenas comunicar, mas sentir que a sua reclamação foi ouvida e valorizada ou desperta o interesse de alguém, que é

importante para alguém. Esta pesquisa, por exemplo, pode soar como o reconhecimento de que “o que eu tenho pra falar é importante para alguém”.

Silva e Silva (2005) já afirmam que, os problemas podem ganhar visibilidade por pressão social: como se sentem os profissionais de saúde em suas práticas? Ressalta-se, novamente, a teoria honnethiana da “luta pelo reconhecimento” que, neste contexto, pode interferir na construção da identidade daquilo que é denominado profissional com práticas humanizadas. Os processos de mudança social devem ser explicados com referência às pretensões normativas estruturalmente inscritas na relação de reconhecimento recíproco. Se a instituição não ouve o que diz o profissional, a relação de trabalho pode sofrer interferências sérias, pois, para Honneth, o reconhecimento precisa vir de fora para dentro, onde a subjetividade é reconhecida e respeitada exteriormente no âmbito profissional.

Ouvir o profissional em suas demandas é, prioritariamente, sinal de respeito. Se estes não se sentem ouvidos, então, se sentem desrespeitados. O desrespeito individual pode gerar conflitos coletivos – neste caso, dentro da instituição de saúde, o que pode se evidenciar na insatisfação dos profissionais. A ausência de um espaço de reciprocidade, do interesse pela intersubjetividade do profissional, se insere no contexto de carência de reconhecimento e de desrespeito à alteridade, ou seja, a reificação. Os profissionais desempenham papéis, mas são, antes de tudo, pessoas, seres no mundo. O sujeito se sentirá desrespeitado quando não vir um reconhecimento recíproco. Por isto, dentro de uma instituição de saúde, pode-se pensar no contexto da pesquisa - o que é essencial numa relação comunicativa. Mais uma vez, pondera-se a importância do sentir-se ouvido, da escuta das demandas do outro.

Se a Política Nacional de Humanização prevê a modernização das relações de trabalho dentro dos hospitais públicos, ocasionando uma relação humanizada - a implantação de práticas de humanização tem a finalidade de prestar benefício tanto aos usuários quanto aos profissionais, evidencia-se que os profissionais também precisam ser reconhecidos. Tal política precisa permitir, na prática, também ao profissional de saúde, melhores condições de trabalho.

Cabe refletir ainda sobre a atitude do profissional frente a este entrave. Não foi objetivo da presente pesquisa, mas de acordo com Campos (1988), o processo de humanização está pautado em atitudes e não tanto questão de limitações e recursos. O que o profissional faz diante desta limitação é o que pode fazer a

diferença no contexto. Guardar para si as questões, falar sobre elas ou reivindicar espaço para estas. Fica, então, esta reflexão.

O SUS requer dos profissionais de saúde qualificação, e prevê a valorização dos trabalhadores e usuários. O profissional está implicado neste processo? Resta questionar se não reconhecer é sinônimo de valorizar. Entende-se como o contrário. Para que o SUS se concretize neste valor que a si mesmo impõe é preciso que se repense atitudes e se discuta o que está escrito com bases em elementos como os que esta pesquisa fornece.

Citam-se Santos-Filho (2006) e Fagundes e Moura (2009), que apontam para a importância de avaliar e monitorar políticas públicas de saúde. Aprofunda-se a necessidade de sua tomada de decisões, corrigindo os erros para atingir os resultados voltados para o bem-estar social. Ainda cabe recorrer à reificação, descrita em Axel Honneth, para explicar a passividade e a indiferença do ser

humano diante dos fatos e dos seus semelhantes – a dizer, se há tantas impressões

no sujeito, talvez estes não estejam sendo valorizados em suas demandas. Para Honneth (2008), o esquecimento das relações humanas e o não reconhecimento de si nas outras pessoas resultam no que o autor chama de reificação do ser, patologia tão presente na sociedade. O profissional não é uma “coisa”, é uma pessoa.

O próprio profissional, ao expressar-se nos resultados desta pesquisa, demonstra que não esqueceu as formas de reconhecimento elementar quando adota repetidamente suas práticas laborais. Logicamente, há a preservação de características qualitativas em si e, nas respostas dos usuários já discutidas, vê-se que também não se abstraem características “qualitativas” do usuário, ou seja, do ser humano.

Para Giordani (2008), é preciso que o profissional se reconheça desse modo, pois se sentem muitas vezes desgastados física e emocionalmente, e nem sempre admitem as próprias limitações. Acabam por fechar canais importantes de comunicação com o paciente e colegas de equipe, como a visão e a escuta, fazendo com que as outras instâncias alimentem-se de reificação com relação ao profissional. Embora se cobre nesse campo de atuação uma assistência humanizada, a supracitada autora relata que se veem nas instituições públicas e privadas cenas de desrespeito à vida, o descaso frente à limitação e à dor alheia, o autoritarismo de administradores e médicos, o abuso do poder, a banalização do sofrimento e a indiferença aos direitos do paciente, entre outros. Isto acontece

quando o sujeito reifica a si mesmo; o profissional abandona sua humanidade e, antes de desprezar outrem, tornou-se indiferente às próprias vivências, o que se replica na atuação junto a outros. O termo humanizar diz tudo em seu antônimo: não há benevolência, afabilidade e respeito nem consigo nem com os outros.