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Embora o termo “Gestão de Pessoas” seja semanticamente muito mais amplo, no contexto desta pesquisa, esta categoria refere-se ao modo como a organização identifica e estimula o desenvolvimento das competências e habilidades dos seus funcionários. Como a organização percebe e trata seus valores, sentimentos, emoções, comportamentos no ambiente profissional, bem como se adota política de valorização e estímulo à meritocracia.

Observamos que nem todos os valores explícitos no planejamento são seguidos na prática. De acordo com o trecho da entrevista:

“Não sei se os valores que a gente tem atribuídos no nosso planejamento estratégico estão bem internalizados por todos” (P007).

Porém, desses valores definidos no planejamento estratégico, ética e transparência são motivos de orgulho para os funcionários. Isso pode ser confirmado nos trechos de entrevista a seguir:

“...a gente prima muito pela transparência e ética” (P008).

“...honestidade é um valor muito forte, porque se a gente não representar isso, a gente não é nada. Então as pessoas têm essa preocupação: se é honesto, se é correto fazer do ponto de vista do público externo...” (P001). Ética, conforme o planejamento estratégico vigente, são as relações baseadas em honestidade e respeito, em todos os níveis da organização, agindo de acordo com os princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade e honestidade, atuando segundo os padrões de conduta estabelecidos no código de ética de Instituição. Da mesma forma, transparência está relacionada à divulgação, com clareza e tempestividade, de informações e resultados sobre as ações institucionais e os resultados dos serviços prestados à sociedade.

Entretanto, em relação à ética e transparência foram identificados alguns fatores que eventualmente podem comprometer o real sentido desses valores dentro da organização. A necessidade de alinhamento com órgãos externos em alguns casos pode demonstrar uma certa subserviência da instituição, quando ocorre influência política. Também existe ainda uma preocupação do que vai ser divulgado e como isso irá afetar e influenciar a imagem externa da organização, conforme trechos de entrevistas:

“... A gente tem um valor de alinhamento, precisamos estar alinhados, e aí a gente acaba sendo subserviente também. ... Esse alinhamento é com os órgãos externos” (P001).

“... se preocupam muito com a transparência do que vai lá pra fora, e acham que isso influi muito na imagem...” (P006).

A vaidade dos funcionários é um valor cultural implícito observado. Vaidade no sentido de se sentir privilegiado e valorizado pelo seu trabalho, quando um servidor ou grupo de servidores faz um trabalho excepcional que traz muitos benefícios para a organização. Mas também pelo aspecto negativo, quando não se apoia uma determinada iniciativa ou ideia porque esta pertence a outra pessoa. Esse aspecto dificulta o trabalho de mudança e melhoria dentro da organização.

“... Eu acho interessante falar sobre essa questão da vaidade, porque ela tanto trabalha para o bem como para o mal, olhando do ponto de vista da instituição. Muitas vezes por vaidade, um servidor ou grupo de servidores faz um trabalho fantástico, que é muito bom para o tribunal. Mas, muitas vezes por vaidade, deixa-se de levar uma coisa adiante porque aquela ideia não é dela, mas de outra pessoa. As pessoas querem ser o dono da ideia, não querem compartilhar aquilo para poder levar todo o crédito sozinha...” (P002).

Como consequência desse contexto da cultura organizacional, realizar qualquer transformação ou mudança organizacional exige uma estratégia bem planejada a fim de tratar a questão da vaidade junto às áreas e pessoas impactadas. Conforme citado em trecho de entrevista:

“Porque se você aqui brilhar como salvador da pátria, você vai ser estraçalhado. É uma fogueira de vaidades. É melhor que você fique no background. Mas não pode chegar ao extremo de passar imperceptível. A ideia é que seja percebida pelas áreas, não pela alta administração. Foi a estratégia adotada. A gente tem que ser imprescindível para as unidades organizacionais e não para a alta administração” (P006).

Observamos que não existe uma política formal estabelecida pela área de gestão de pessoas para tratar de forma institucional o desenvolvimento das competências e habilidades dos funcionários. Embora gestões anteriores tenham criado um banco de talentos para identificar e armazenar as competências e habilidades de seus funcionários, constatou-se que essa ferramenta não teve seu uso amplamente difundido dentro da organização. Dessa forma, a alocação das pessoas é realizada informalmente com base no conhecimento pessoal ou na indicação direta ou indireta aos gerentes das áreas. Com isso,

percebe-se desperdício das competências e habilidades existentes na organização. Essa questão pode ser ressaltada pelo trecho de entrevista:

“Quando algum gestor tem conhecimento de alguma habilidade de algum servidor tenta, na maioria das vezes, fazer o bom uso. Mas por vezes a gente desperdiça uma habilidade ou competência por desconhecer. Acho que cabe uma evolução, uma forma mais sistemática. Seria função também da gestão de pessoas” (P008).

Em relação ao relacionamento interpessoal, constatamos a existência de

conflitos internos provocados por disputas salariais e de poder entre funcionários de

diferentes categorias. Isso tem gerado ao longo dos anos um desgaste grande entre os funcionários e acaba prejudicando a harmonia no ambiente de trabalho.

“Está bem abalado o ambiente. A gente está saindo de uma crise muito grande, por causa dessa disputa de cargos. O ambiente já foi muito bom, era uma família, todo mundo se ajudava, o relacionamento extrapolava o tribunal, se visitava, viajava. Amizades de anos foram desfeitas. Foi muito sério. O estopim foi a revisão de cargos” (P006).

Há determinadas áreas em que o conflito é mais grave, onde algumas pessoas se recusam a ser chefiadas por gerentes de uma categoria considerada hierarquicamente inferior, sendo necessária a intervenção direta da diretoria. A alta gestão, apesar de ciente, não intervém. No entanto, como essa questão acaba interferindo na produtividade, tenta- se contornar esse problema através de conscientização sobre a ética no trabalho e da meritocracia, premiando quem atinge as metas e os resultados. Isso pode ser confirmado no trecho da entrevista a seguir:

“E a organização hoje vive em conflito entre os diferentes cargos, todos fazem a mesma coisa e pleiteiam salários iguais. A organização tende a não se contrapor a ninguém, a não se posicionar, a deixar que os servidores se resolvam. É uma briga que termina refletindo na produtividade... Então, o clima hoje é tenso, já foi muito melhor” (P006).

Quanto à motivação dos funcionários, percebemos a satisfação pessoal de trabalhar na organização pela sua missão, considerada nobre, podendo contribuir

diretamente para maior eficiência da gestão pública. Além disso, os funcionários também sentem orgulho da excelente capacidade técnica do quadro funcional da instituição, da autonomia na execução do trabalho e da remuneração salarial, acima do valor pago na indústria e na grande maioria dos órgãos públicos.

“Há uma satisfação das pessoas pelo salário, pela estrutura e pela função da organização” (P003).

Todavia, apesar dos fatores motivacionais relatados, foi reportada uma certa

acomodação por parte de alguns servidores, seja por desgaste e cansaço da vida

profissional ou pela dificuldade para enxergar um resultado efetivo do seu trabalho, por exemplo. Esse fato é agravado pelo fato dos gerentes, considerados como comprometidos em atingir as metas estratégicas estabelecidas pela instituição, terem necessidade do apoio de ferramentas institucionais para gerir suas equipes de forma padronizada e efetiva.

“Os gerentes sentem muita falta do apoio da diretoria de gestão de pessoas... O gerente fica muito à mercê, e se queima muito. Porque nem tudo está normatizado em termos de gestão de pessoas... Termina aquele gerente que é mais rígido, ou porque que ele quer que a coisa vá mais rápido, sendo um gerente chato. Então não é fácil você ser um gerente que cobra metas, que tem planejamento, que quer agilidade” (P005).

Uma vez que as relações hierárquicas são dinâmicas, especialmente em órgãos públicos, é muito comum o receio dos gerentes na forma de se relacionar com seus subordinados, pelo fato de que hoje são gerentes, mas amanhã podem se tornar subordinados, numa inversão de papéis. Isso incentiva a acomodação, uma vez que dificulta a cobrança dos gerentes em relação ao cumprimento das metas pelos subordinados.

A pouca rotatividade nas atividades funcionais exercidas é outra barreira identificada durante a pesquisa e que incentiva a acomodação dos funcionários.

“O tribunal não tem uma política de circularização do servidor, não faz rodízio. Deixa as pessoas muito tempo num só lugar, fazendo um só trabalho. Pra gente que quer se acomodar, é muito bom. Passa o resto da vida” (P004).

Ainda em relação à acomodação dos funcionários, o concurso público e a consequente estabilidade são considerados como fatores influenciadores da fragilidade do comprometimento com as metas e resultados organizacionais ao longo do tempo. Com isso, percebe-se a necessidade de um sistema orientado a causas e consequências, através de uma política de recompensa e promoção com base na avaliação de desempenho dos funcionários.

“É como na empresa privada, tem uma seleção, mas você tem que mostrar resultado. Isso tem que ser trabalhado de alguma forma. Basicamente é dar consequências mais fortes: em relação à promoção. Deixar a pessoa que não está trabalhando desconfortável” (P003).

Consciente desse cenário, a organização instituiu um sistema de recompensa através de avaliação de desempenho de cada funcionário. Essa ferramenta calcula o rendimento de cada funcionário com base no cumprimento das metas individuais, estabelecidas a partir de acordos de trabalho definidos com as chefias imediatas, bem como dos desempenhos setorial e organizacional. Os prêmios, apesar de serem financeiros, representam apenas um valor simbólico, sendo, porém, um fator importante de reconhecimento do trabalho realizado.

Porém, observa-se que, por ser ainda uma iniciativa incipiente, existe a necessidade de um amadurecimento da organização de uma maneira geral: da gestão de pessoas, da própria instituição, gerentes e funcionários.

“Não sei se falta maturidade institucional, se falta segurança ao pessoal da área de gestão de pessoas, o que eu observo é que há quase uma comoção no momento da avaliação de desempenho. É um outro momento complicado aqui. Como em toda avaliação há falhas, não há um processo perfeito, então essa iniciativa teve um lado positivo, porque premiou muita gente, mas quando publica, tem gente que merecia, mas tem gente que não merecia estar lá” (P009).

Outra questão, em relação à meritocracia, é a ocupação maciça dos cargos de chefia técnicas ou de gestão ocupados com base na qualificação e competência dos funcionários da própria instituição, apesar de alguns cargos ainda poderem ser ocupados por pessoas externas.

Além disso, com a gestão cada vez mais orientada a resultados, torna-se imprescindível a ocupação das funções estratégicas dentro da instituição por pessoas com comprovada competência e comprometimento, conforme ressaltado no trecho da entrevista:

“Está reduzindo o espaço dessa cultura mais protetora. À medida que [a organização] está reforçando essa questão de objetivos, de metas, então, cada vez mais as pessoas estão buscando colocar pessoas competentes em cargos importantes, restando aos protegidos aquelas funções em que ele vai ganhar uma gratificação, mas que o papel dele não vai ser tão importante.... Então, como as pessoas em cargos de chefia terminam tendo uma influência grande no atingimento ou não dessas metas, então está cedendo espaço cada vez mais para a meritocracia” (P002).

5.2! RELAÇÃO-ENTRE-CULTURA-ORGANIZACIONAL-E-CULTURA-DE-

BPM--

A partir da identificação dos aspectos e valores culturais que impactam o desenvolvimento e consolidação de BPM, foi elaborado um modelo de diagnóstico relacionando cada uma dessas características culturais aos valores CERT (Schmiedel, 2013) sobre os quais exercem algum tipo de influência, conforme detalhado na Tabela 5-1. Esses 16 (dezesseis) valores culturais foram selecionados de acordo com a interpretação da pesquisadora de que exerceriam maior impacto, positivo ou negativo, sobre os aspectos culturais considerados suportivos (valores CERT) ao desenvolvimento e consolidação de BPM na organização. Essa interpretação foi baseada na riqueza das evidências da coleta de dados e corroborada durante a fase de observação.

Tabela 5-1 Relação Cultura Organizacional x Valores CERT.

ID Aspectos ou Valores Culturais

Identificados na Organização

Valores CERT

V1 Tradeoff entre Prazo e Qualidade

(Melhoria Contínua)

Orientação ao Cliente (C) Excelência (E) Responsabilidade (R) V2 Influência Política Orientação ao Cliente (C)

ID Aspectos ou Valores Culturais Identificados na Organização

Valores CERT

(Política) Excelência (E)

Responsabilidade (R) V3 Patrocínio da Gestão (Mudança) Excelência (E) Responsabilidade (R) V4 Resistência à mudança (Mudança) Excelência (E) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T) V5 Baixa Integração entre Equipes

(Colaboração)

Trabalho em Equipe (T)

V6 Inovação como Risco (Inovação)

Orientação ao Cliente (C) Excelência (E) Responsabilidade (R) V7 Modelo de Gestão Obsoleto

(Gestão Organizacional)

Orientação ao Cliente (C) Excelência (E) Responsabilidade (R) V8 Falta de Incentivo à Melhoria Contínua

(Melhoria Contínua)

Orientação ao Cliente (C) Excelência (E) V9 Canais de Comunicação Falhos

(Comunicação)

Orientação ao Cliente (C) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T) V10 Desperdício de Competências e Habilidades

(Gestão de Pessoas)

Excelência (E) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T)

ID Aspectos ou Valores Culturais Identificados na Organização

Valores CERT

(Gestão de Pessoas) Responsabilidade (R)

V12 Conflitos Internos (Gestão de Pessoas) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T) V13 Acomodação (Gestão de Pessoas) Orientação ao Cliente (C) Excelência (E) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T) V14 Meritocracia (Gestão de Pessoas) Responsabilidade (R) V15 Ética e Transparência (Gestão de Pessoas) Responsabilidade (R) V16 Vaidade (Gestão de Pessoas) Responsabilidade (R) Trabalho em Equipe (T) A partir dessa lista que relaciona os valores culturais da organização (contexto cultural) e os valores CERT (cultura de BPM), foi gerado um modelo gráfico do diagnóstico indicando, além da relação, o tipo de influência os aspectos culturais da organização exercem sobre os valores CERT.

Neste modelo de diagnóstico, as setas verdes representam a atuação do aspecto cultural como facilitador ao desenvolvimento de determinados valores CERT, potencializando o valor CERT associado. As setas vermelhas indicam a sua atuação como barreira, com impacto negativo no valor CERT vinculado. Por último, as setas amarelas indicam que a característica cultural pode agir como facilitador ou barreira, dependendo do contexto situacional em que o aspecto cultural está se manifestando.

A fim de melhorar a visualização do modelo de diagnóstico e dada a importância da abordagem relacionada aos aspectos humanos, o modelo original foi dividido em dois modelos gráficos, com um deles representando todas as características

culturais relacionadas aos Aspectos Organizacionais (ver Figura 5-1) e outro com os demais valores culturais, associados aos Aspectos Humanos (ver Figura 5-2).

!

Figura 5-1 – Modelo Diagnóstico de Barreiras e Facilitadores – Aspectos Organizacionais.

Orientação+ao+ Cliente+(C) (Cliente(Externo/Interno) Responsabilidade+(R) (Comprometimento/ Prestação(de(Contas) Excelência+(E) (Melhoria(Contínua/ Inovação) Trabalho+em+ Equipe+(T) (Estrutura(Formal/Informal) V9 Canais+de+ Comunicação+ Falhos (Comunicação) V4 Resistência+à+ mudança (Mudança) V3 Patrocínio+da+ Gestão (Mudança) V5 Baixa+Integração+ entre+equipes (Colaboração) V6 Inovação+como+ um+Risco (Inovação) V8 Falta+de+ Incentivo+à+ Melhoria+ Contínua (Melhoria( Contínua) V2 Influência+ Política (Política) V1 Tradeoff+Prazo+e+ Qualidade (Melhoria( Contínua) V7 Modelo+de+ Gestão+Obsoleto (Gestão( Organizacional)

Figura 5-2 - Modelo Diagnostico de Barreiras e Facilitadores – Aspectos Humanos.

Em seguida, esses modelos gráficos são explicados e contextualizados de forma detalhada para cada um dos aspectos culturais, com a descrição dos vínculos com os valores CERT e o tipo de influência, positiva ou negativa, que exercem sobre eles.

5.2.1! Tradeoff entre Prazo e Qualidade (V1)

A priorização da importância dos prazos das atividades em relação à qualidade é uma barreira ao desenvolvimento da melhoria contínua e inovação, relacionadas à Excelência (E), dentro da instituição. Além disso, também reflete de forma negativa o aspecto cultural da Orientação ao Cliente (C) e a Responsabilidade (R), uma vez que se estimula o atendimento dos serviços no prazo sem incentivar a eficiência do resultado esperado, afetando o comprometimento.

Orientação+ao+ Cliente+(C) (Cliente(Externo/Interno) Responsabilidade+(R) (Comprometimento/ Prestação(de(Contas) Excelência+(E) (Melhoria(Contínua/ Inovação) Trabalho+ em+Equipe+(T) (Estrutura(Formal/Informal) V10 Desperdício++ Competências Habilidades V12 Conflitos+ Internos V11 Satisfação+ Pessoal V13 Acomodação V14 Meritocracia V16 Vaidade V15 Ética+e+ Transparência Influência*Positiva Influência*Positiva*ou*Negativa Influência*Negativa LEGENDA:

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